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4.3 Uma troca de experiência 1

4.3.3 Narrativas de Edjane

4.3.3.2 A relação de Edjane e o Movida 1

Eu achava que a pior dor para mim era a dor de parto [risos], porque até a dor de filho eu tive algumas contrações. Mas eu não tive normal né, eu não tive dor como todo mundo fala que dói. Inclusive eu tenho usado muito isso porque as minhas filhas se batem com coisa pouca, né? Eu disse para elas: “minha

filha eu queria ter só uma peça de roupa, mas eu queria meu filho aqui...”. Aí

tem gente que fala: “ah, mas tu querias que ele estivesse sofrendo contigo? Eu não sei como a gente explica isso, porque de qualquer forma, se a gente estivesse passando necessidade a gente ia estar sofrendo, mas a gente ia está tudo vivo. Tudo junto. Não dá para explicar. Eu só sei dizer o seguinte: eu não quero que ninguém passe por essa dor (informação verbal)38

Essa dor vivenciada pela Edjane com a perda do filho é configurada como violência. Diferente de outras integrantes do Movida, Edjane nos contou que já teve outras experiências com a violência, na escola e na família. Segundo ela, a violência nas escolas é uma realidade atual. Brigas entres alunos por motivos banais são constantes e fazem parte da realidade das escolas públicas. Edjane vivenciou isso quando estudava na Escola Estadual Justo Chermont. Ela nos disse que convivia com grafiteiros, pichadores e meninos envolvidos com gangues.

Na família, Edjane via o pai bater na mãe. “Meu pai bateu algumas vezes na minha mãe. Eu presenciei a violência, ele quebrando as coisas dentro de casa e eu presenciei muita coisa de violência lá no lugar onde eu morava”, disse Edjane. Observamos que a violência fazia parte do histórico de vida e do cotidiano de Edjane, mas que ela soube superar essas experiências. Apesar de ter vivenciado a violência em vários âmbitos, ela nunca reagiu ou incentivou os filhos a serem violentos. Edjane sempre teve a preocupação de conscientizar os filhos sobre isso. “Eu criei os meus filhos assim, eu vou no colégio, eu não sou perfeita, eu tento fazer o possível para colocar consciência neles e eu nunca fui chamada no colégio, nem depois deles grande”, relata Edjane sobre como ela conscientiza os filhos sobre a violência.

4.3.3.2 A relação de Edjane e o Movida

A história de Edjane com o Movimento pela Vida começou quando ela foi em um velório do parente de um amigo dela. Esse amigo perguntou se ela conhecia o Movida. Ela respondeu ao amigo que não. Então, o amigo perguntou se ela iria deixar por isso mesmo a morte de Samuel, pois segundo ele, tratava-se de assassinato. Ela retrucou e disse que jamais iria descansar enquanto não descobrisse o que realmente aconteceu. O amigo orientou que ela

38 GONÇALVES, Edjane. Entrevista concedida às pesquisadoras Ana Paula Mesquita, Alda Costa e Denise Salomão. Belém: 06 de julho de 2017.

procurasse D.ª Iranilde, do Movida. Edjane correu atrás, procurou na internet e encontrou o contato de Iranilde. Elas se falaram e Dª. Iranilde informou que as integrantes do movimento iriam se reunir na Praça da República.

Edjane foi ao encontro da Praça da República. Foi o primeiro contato dela com o grupo. Receberam-na com muito carinho. “Quando eu chegava lá, as pessoas me abraçavam, eu contava um pouquinho da minha vida e eu sentia que estava ali e as pessoas me entendiam. Comecei a frequentar, a me envolver mais. E me aproximar mais dela”, Edjane narra sobre sua aproximação com Dª. Iranilde. Aos poucos, Edjane foi observando o trabalho do Movida. Ela queria saber como funcionava o movimento. Prestou muita atenção e participou dos julgamentos, caminhadas e dos encontros na praça.

O Movida para Edjane tem uma missão muito importante: a de busca por justiça e a de trocas de afetos. Ela nos conta com certo carinho sobre a relação com o Movida e demonstra seu compromisso com a luta da ONG. Ainda que o caso dela seja recente no Movida, ela sente esse compromisso e responsabilidade por ser integrante desse grupo.

Eu não tenho vontade de sair do Movida. Eu quero poder passar um pouco da minha experiência para as outras pessoas. Às vezes tem frases que dizem assim: “só ama quem tem saudades”. Mas eu não sei se a gente só ama de quem tem saudade. A dor de uma mãe que perde um filho ela não é igual a dor de uma mulher que perde um marido. Isso para mim não tem comparação. A gente vê que muita mulher depois refaz as suas vidas. Dentro do Movida tem mulheres viúvas, que estão tentando refazer as suas vidas mesmo com a dor. Mas é a mãe. Eu vou poder ter outro filho igual ao Samuel? Porque se eu pudesse ter outro filho, não seria igual ao Samuel. Eu não posso ter mais filho. Meu filho não deixou nenhum neto. Não querendo desmerecer a dor de ninguém. Nunca. Não é isso, entendeu? Mas eu estou falando que eu quero continuar no Movida para abraçar essas mães, porque eu conheço a dor da perda de um filho. Então como eu sinto isso, é muito difícil. Eu fico tentando me colocar no lugar de outra mãe. Elas precisam de ajuda. Elas precisam de um abraço. Elas precisam... (informação verbal)39

Assim como as outras integrantes do Movimento pela Vida, Edjane pensa da mesma forma. O grupo é feito para compartilhar dores e outros sentimentos. Uma entende a dor outra. A dor de uma é dor de todas, não estamos falando de quantidade, mas de sentimentos. O sentimento é de total empatia. Elas querem ficar para abraçar a outras mães e mulheres que chegam no grupo com a mesma dor. É importante para elas isso. Essa relação lembra a sociação de Simmel (2006), de estar junto para uma finalidade, o que se torna a mola propulsora do

39 GONÇALVES, Edjane. Entrevista concedida às pesquisadoras Ana Paula Mesquita, Alda Costa e Denise Salomão. Belém: 06 de julho de 2017.

movimento existir. Essa troca de experiência e comunicação entre elas é importante para a permanência do grupo.

Edjane acredita muito no Movida. Acha que tem de haver mais comprometimento das pessoas, divisões de tarefas, organização de grupos para determinados assuntos. Ela percebe o Movida como um grupo em potencial, mas que precisa de alguns ajustes. Ela pensa que o Movida precisa estar mais atuante e que a luta do movimento não deve ser somente por justiça, mas também pela conscientização das pessoas sobre a violência. Observamos nela um desejo de multiplicar as ações do Movimento pela Vida, em razão de haver um carinho pelo grupo. Edjane está disposta a se comprometer com o grupo e se comprometer com a sociedade, pois ela vê no grupo uma oportunidade ou um meio de fazer as pessoas entenderem sobre a violência.