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4.3 Uma troca de experiência 1

4.3.4 Narrativas de Nazaré

4.3.4.2 Nazaré e a relação com o Movida

Nazaré foi apresentada ao Movida pela prima Andrelina44. Seu filho foi morto no dia 30 de dezembro, e no dia 1º de janeiro de 2014, Nazaré estava no encontro da Praça da República. “Eu ainda estava meio em choque. Não sabia o que eu estava fazendo ali. Não sabia nem para que servia o Movida”, desabafou Nazaré. A dor ainda era muito forte, mas com o tempo ela começou a entender a importância das ações do movimento

Para Nazaré, o principal aspecto do Movida é que uma pessoa age em favor da outra. “Às vezes, o promotor de justiça não está disposto a nos escutar. Então, nos organizamos e juntas, no dia do julgamento, fazemos pressão”, afirma.

Constatamos que as integrantes, de uma forma geral, são unânimes em afirmar, antes da ação política do Movida, a sua relevância como movimento de solidariedade e apoio. O Movida é uma entidade em que as pessoas aprendem umas com as outras. Aprendem a respeitar o tempo de dor de cada integrante. Do mesmo modo, as integrantes reconhecem que há um início.

43 PEREIRA, Nazaré. Entrevista concedida as pesquisadoras Ana Paula Mesquita, Alda Costa e Denise Salomão. Belém: 08 de maio de 2017.

Quando as pessoas chegam ao Movida, chegam primeiro para desabafar, chorar e se revoltar, depois de ouvir os vários depoimentos das pessoas que compõem o grupo, passam a repensar sua dor e avaliar o sentido da perda.

Assim também foi com Nazaré, que relatou que quando ela chegou ao Movida, percebeu que a dor dela, comparada de outras integrantes, era pequena. Segundo ela, existem pessoas com o sofrimento maior que o dela, considerando a natureza e o contexto do fato acontecido. Mesmo considerando que todos os que participam do Movimento pela Vida são vítimas de violência, observamos que o modo como se deu essa violência se diferencia para cada um.A forma como as pessoas lidam com essa perda é diferente. No grupo, essa ajuda coletiva faz com que, individualmente, os integrantes reflitam sobre suas dores. Sofrer em coletivo, com alguém que tenha vivenciado a mesma dor que vivenciamos, é uma lição de vida.

A primeira história que eu conheci foi a da Odete. Uma moça que me contou a história dela, eu fiquei assim, sabe, meu Deus. Se fosse meu filho que faleceu com um tiro, dois tiros, morreu instantaneamente. A Odete, ela procurou meses a filha. Vivendo com uma pessoa dentro de casa. O rapaz procurava junto com ela e chorava. A filha dela, simplesmente, saiu para trabalhar. A filha dela sumiu. 16 anos. Ela mostrou a foto. Uma moça linda e ela sumiu, sem dar um sinal de vida. O rapaz, o marido dela, procurava junto com ela. Chorava junto com ela. Passou quase um ano procurando quando foi uma vez, ela me contou que botou uma vela no chão e disse: “Deus, hoje tu vais me dar

um sinal se a minha filha está viva ou está morta. Eu quero saber”. Ela disse

que a vela derreteu todinha do lado da cama dela e ela correu para rua desesperada que aquilo ali, aquela vela apagando daquele jeito foi um sinal de Deus. Ela sentiu que a filha dela não tinha mais vida. Correu para rua desesperada. O marido dela não quis mais ficar do lado dela. Se separou depois de anos e alguns meses ela vendeu a casa. Destruíram a casa para construir uma igreja, foram cavar e o rapaz chegou lá e disse: “Não cave aqui,

que aqui era um poço. O pastor achou aquilo estranho, quando foram cavar

era a moça que estava enterrada. Ele mesmo matou e enterrou. Eu fiquei me perguntando: “como será que eu ia sobreviver com isso?”, e a moça onde tinham enterrado foi do lado da cama dela (mãe). Ela dormindo o tempo todo do lado do cadáver da filha. Depois eu fiquei me perguntando: “Olha a dor

dela?” (informação verbal)45

Essa troca de experiência entre Nazaré e Odete foi importante, porque fez com que Nazaré compreendesse sua dor e superasse parte da dor de perda do filho. Percebemos que as pessoas aprendem com a dor do outro. Um é testemunha da dor do outro. Eles se escutam, se

45 PEREIRA, Nazaré. Entrevista concedida as pesquisadoras Ana Paula Mesquita, Alda Costa e Denise Salomão. Belém: 08 de maio de 2017.

consolam e aprendem uns com os outros. A interação entre eles é constante. É a comunicação em benefício do consolo e da ajuda ao próximo.

Nazaré afirmou a importância da escuta das pessoas dentro do Movimento, denominando de um momento muito rico, mas cuja frequência precisa ser maior, porque possibilitam aos integrantes o avaliar de sua dor. Ela questiona essa ação do Movida, entende que o objetivo central do Movida é a luta pela justiça e pela paz, mas o que também fortalece o sentido de grupo é esse momento de escuta do outro ou estar com o outro. Para ela, essa escuta configura em apoio emocional, de conhecimento do outro, da história de vida das pessoas, das vítimas que perderam a vida e como cada um tem enfrentado essa dor. Acredita na luta do Movida, mas deseja que seja expandida essa ideia de escuta com maior frequência. Esse momento fortalecerá a ação interna do grupo

Nazaré reconhece a ajuda do Movimento em relação aos trâmites policiais e judiciais. É orientada e incentivada a continuar sua luta na justiça, tendo muitas vezes pensado em desistir do caso. Mas o Movida e as pessoas que o integram são o apoio nessa continuidade. “Tudo é muito lento e desestimulante na justiça. Essa lentidão da justiça me deixa sem vontade de continuar a batalha. Mas as companheiras do movimento não me deixam desistir”, afirma na nossa conversa. Relata em tom de desabafo que: “A gente fica esperando pela justiça de Deus, porque essa daqui, sinceramente, eu sou muito desacreditada. É como eu disse, eu chego lá e elas dizem: Não, amiga, a gente tem que ir atrás. É essa força que o movimento dá uma para outra”. Nas narrativas de Nazaré, percebemos a necessidade do contato com o outro, quando afirma: “Esse calor humano a gente só recebe da gente mesmo. Só entre a gente”.