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CAPÍTULO 1- O PAPEL DE GRUPOS DE PESQUISA EM EPISTEMOLOGIA DA BIOLOGIA NA FORMAÇÃO DE

1.3 A formação do espírito científico segundo Gaston Bachelard

1.3.2 Noção de obstáculo epistemológico e os conhecimentos em biologia

1.3.2.1 A experiência primeira

O primeiro obstáculo epistemológico apresentado por Bachelard denomina-se experiência primeira. Neste obstáculo, a experiência primeira é anterior à crítica, é o conhecimento empírico simples, diretamente dado, o conhecimento nesse momento ainda é tido, para Bachelard, como um pensamento pré-científico. Pensamento este que não se fecha em um estudo de um fenômeno, busca a variedade em detrimento da variação e,

[...] a busca da variedade leva o espírito de um objeto para outro, sem método, o espírito procura apenas ampliar conceitos; a busca da variação liga-se a um fenômeno particular, tenta objetivar-lhe todas as variáveis, testar a sensibilidade das variáveis (BACHELARD, 1996, P. 39).

A experiência primeira caracteriza-se pela conclusão de determinado fenômeno mais pelas imagens do que pelas ideias. Há, pois, a necessidade da superação da adesão

imediata à experiência primeira. Neste ponto, o autor cita a necessidade da superação das metáforas e analogias sem prévia reflexão. “Uma Ciência que aceita as imagens é, mais que qualquer outra, vítima das metáforas. Por isso, o espírito científico deve lutar sempre contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas” (BACHELARD, 1996, p. 48).

Seguindo, o autor discute como experiências visuais na educação básica - sem que haja a devida reflexão conceitual sobre o conteúdo - podem gerar futuros problemas no espírito científico:

[...] sem o equacionamento racional da experiência determinado pela formulação de um problema, sem o constante recurso a uma construção racional bem explícita, pode acabar surgindo uma espécie de inconsciente do espírito científico que, mais tarde, vai exigir uma lenta e difícil psicanálise para ser exorcizado. (BACHELARD, 1996, p. 51).

Dá-se assim a necessidade por uma racionalização da experiência o que Bachelard denomina como uma inserção da experiência num jogo de razões múltiplas. Essa racionalização ao qual o autor se refere é uma atividade difícil, pois contrapõe as convicções primeiras, o senso comum, o conhecimento já aceito.

Neste sentido, pode-se considerar como um desafio para o trabalho no GPEB o reconhecimento dos conceitos do senso comum e a sua superação. Espera-se que ao longo do desenvolvimento das atividades do grupo os participantes superem as concepções iniciais sobre o conhecimento biológico por meio de uma visão hierárquica escalar e sobre o gene como uma estrutura pertencente ao sistema dos organismos. 1.3.2.2 Conhecimento geral

O segundo obstáculo epistemológico apresentado por Bachelard ocorre pela a superação do “conhecimento geral” ou a superação da generalização precoce do conhecer que, para o autor, seria sempre uma suspensão da experiência, “um fracasso do empirismo inventivo” (BACHELARD, 1996, p. 69), ou seja, por conhecimento geral pode-se compreender uma generalização prematura por meio da experiência que constitui um jogo intelectual perigoso, uma aceitação passiva.

Bachelard, em “A Formação do Espírito Científico”, discute a dificuldade em se avançar em determinado conhecimento devido à comodidade das generalidades iniciais

sobre os fenômenos. “É o que quase sempre acontece com as generalidades designadas pelas tabelas7 da observação natural, estabelecidas por uma espécie de registro

automático com base nos dados proveniente dos sentidos” (BACHELARD, 1996, p.72) ou a observação pela observação, sem o domínio de um aporte teórico que possibilite compreender o objeto ou fenômeno em sua totalidade.

Na aprendizagem de conhecimentos biológicos pode-se utilizar como exemplo de obstáculo a generalização da compreensão de um sistema vivo (uma célula, por exemplo) sem que se compreenda que este esteja inserido em uma rede complexa de interações. A experiência, desprovida de reflexão, gera um conhecimento superficial, uma generalização que não representa o saber já elaborado pela ciência.

Para Bachelard (1996), assim como o espírito científico pode generalizar a forma de conhecer um objeto, pode-se também seguir por uma tendência pelo olhar particular. O autor denominou esses conhecimentos de “conhecimento por extensão” (universal) e “conhecimento por definição” (particular). Essas situações são consideradas – quando ocorrem isoladamente - paradas epistemológicas tanto para a aprendizagem como para o desenvolvimento do espírito científico. Para o autor, a dinâmica entre essas duas situações caracterizaria o novo espírito científico.

A nuança intermediária será realizada se o enriquecimento em extensão tornar-se necessário, tão articulado quanto a riqueza em compreensão. Para incorporar novas provas experimentais, será preciso então deformar os conceitos primitivos, estudar as condições de aplicação desses conceitos e, sobretudo, incorporar as condições de

aplicação de um conceito no próprio sentido do conceito. É nessa

última necessidade que reside, a nosso ver, o caráter dominante do novo racionalismo, correspondente a uma nova estreita união da experiência com a razão (BACHELARD, 1996, p. 76).

Seguindo essa ideia, Delattre, ao discutir a compreensão de sistemas retoma o ponto sobre as generalizações. Para o autor a oposição entre os processos teóricos e experimentais provém dos pontos de partida

[...] Se o primeiro [processo teórico] procura mostrar qual é o substrato necessário sobre o qual se podem implantar as propriedades capazes de diferenciar os sistemas, o segundo [processos experimentais], pelo contrário, tende sempre a empregar nas suas

7 Os exemplos utilizados por Bachelard para ilustrar a discussão sobre os obstáculos epistemológicos são, assim como sua obra, retirados do conhecimento das ciências Física, Química e Matemática. Ciências nas quais o discurso epistemológico baseia-se, também, em leis e fundamentos matemáticos diferenciando-se da epistemologia da Biologia que utiliza conceitos.

observações a maior subtileza compatível com os meios técnicos que ele pode utilizar. Ora, o fim de todo o projeto teórico é explicar o maior número possível de fatos, ligando-os entre si e mostrando que eles são a consequência de princípios fundamentais tão pouco numerosos quanto possível. Isso não pode alcançar-se senão por um processo de generalização, quer dizer, de abstração, que suprime a diversidade dos fatos. Os princípios fundamentais que procuramos destacar podem ser obtidos, quer por indução direta a partir dos fenômenos observados, quer pela atividade puramente racional do espírito. É aí que se encontra a origem dos mais tenazes mal- entendidos na medida em que, frequentemente o experimentador tem tendência a considerar que as bases de uma teoria resultam diretamente das observações negligenciando assim o segundo aspecto, puramente racional de toda a construção teórica. Contudo, os melhores teóricos, Einstein, por exemplo, insistiram muito sobre o papel primordial desse distanciamento em relação aos fatos, embora, aparentemente, não tenham sido cabalmente compreendidos. (DELATTRE, sem página, 1990).

Em Biologia, a tendência por generalizar ou particularizar conhecimentos de fenômenos também existe. A discussão sobre o conceito de gene pode ilustrar esse obstáculo. Em pesquisas realizadas sobre este conceito com estudante de dois cursos de licenciatura em Ciências Biológicas (JOAQUIM et al. 2007) e com professores de diferentes disciplinas de dois cursos de licenciatura em ciências biológicas (SCHNEIDER, in progress) notou-se que as concepções dos participantes de ambas pesquisas indicaram a prevalência dos conhecimentos da generalidade do conceito de gene como “mecanismo de herança” ou a particularidade de ‘determinar uma característica em um organismo”. A “nuança” entre se considerar o material genético como um “mecanismo de herança” que por meio de diferentes processos de interações hierárquicas possibilitam o aparecimento de características nos organismos ainda encontra-se sob a influência do conceito de gene molecular clássico.

Estes trabalhos possibilitam perceber o obstáculo que alunos e mesmo professores apresentam em superar um conhecimento pronto, assim no espírito pré- científico não se verifica a dinâmica dos conceitos, mas a aceitação pacífica de um conhecimento geral, desta forma, corre-se o risco de se converter em um conhecimento extremamente vago.

Novamente, caracteriza-se como um objetivo do GPEB superar o conhecimento das generalidades, espera-se que por meio das atividades do grupo os participantes reelaborem seus conhecimentos sobre a Biologia e o material genético. Neste sentido, nos trabalhos do GPEB foram escolhidos temas que apresentam uma problemática

atual, que não estão consolidados como um conhecimento absoluto, o material genético configura-se como um conhecimento em transição, na qual pela análise do momento histórico e dos conhecimentos em construção sobre esse material pode-se buscar a superação desse obstáculo. O conhecimento do material genético não está pronto, ele está sendo elaborado e assim deve configurar o conhecimento dos pesquisadores.