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CAPÍTULO 1- O PAPEL DE GRUPOS DE PESQUISA EM EPISTEMOLOGIA DA BIOLOGIA NA FORMAÇÃO DE

1.3 A formação do espírito científico segundo Gaston Bachelard

1.3.2 Noção de obstáculo epistemológico e os conhecimentos em biologia

1.3.2.3 Obstáculo verbal: a esponja

Neste obstáculo, Bachelard discute como para um espírito pré-científico a utilização de uma simples imagem ou uma única palavra são adotadas como uma explicação sobre um fenômeno, caracterizando, neste obstáculo hábitos da natureza verbal. O autor usa o exemplo da palavra esponja para ilustrar as explicações de diferentes teorias ou conceitos sem a racionalização da teoria a que se remete. Bachelard utiliza de diferentes exemplos históricos nos quais a palavra esponja foi adotada como uma analogia ao ar, a uma matéria comum, à Terra, ao sangue. Com esse exemplo Bachelard usa o termo imagem generalizada que se caracteriza como uma analogia ou informação que prejudica a razão, pois “o lado concreto [da imagem que no caso desse exemplo, é a esponja] apresentado sem prudência, impede a visão abstrata e nítida dos problemas reais” (BACHELARD, 1996, p. 93).

O autor salienta a necessidade de se despregar da intuição primeira em relação à imagem ou palavra para que uma teoria científica seja coerente, ou seja, deve afastar a abstração das imagens primitivas. Não se podem conciliar as metáforas com as expressões porque essas conduzem a razão à conceitualizações errôneas.

[...] São imagens particulares e distantes que, insensivelmente, tornan- se esquemas gerais. Uma psicanálise do conhecimento objetivo deve, pois tentar diluir, senão apagar, essas imagens ingênuas (BACHELARD, 1996, p. 97).

Para Bachelard, o uso de analogias e metáforas por meio de imagens ou palavras não é condenável desde que seja uma atividade a posteriori da racionalização de teorias e de análise de fenômenos. O espírito científico vale-se da analogia depois do estabelecimento da teoria, já o espírito pré-científico, antes. “Quando a abstração se fizer presente, será a hora de ilustrar os esquemas racionais.” (BACHELARD, 1996, p 97).

A superação deste obstáculo caracteriza-se como um dos objetivos principais deste trabalho. A superação do conhecimento de gene como uma estrutura que determina os organismos. O conhecimento sobre gene, assim como será apresentado mais detalhadamente no capítulo 3, vem sofrendo modificações e configura-se como uma problemática atual para o conhecimento biológico. Assim, o uso da metáfora de “estrutura que determina as características dos organismos”, se referindo ao gene, tem de ser superada pela compreensão do conhecimento sobre o material genético. Ao final deste trabalho é apresentado o que os participantes do grupo se referem quando usam o termo gene, ou seja, será analisado se esse termo remete-se a uma metáfora sem análise crítica ou a uma construção do saber biológico.

1.3.2.4- Conhecimento unitário e pragmático

No obstáculo do conhecimento unitário e pragmático, Bachelard, salienta o perigo das generalidades para a explicação unitária, como a natureza é única, tudo o que explica o grande explica o pequeno e vice-versa. Bem como o racionalismo pragmático no qual há constantemente a busca pela utilidade de todas as coisas, a verdade e a utilidade estão sempre associadas neste obstáculo.

Esse obstáculo caracteriza-se por uma necessidade de elevação do objeto ligado a um ideal de perfeição que se concede aos fenômenos, “Nossas observações são, portanto, menos superficiais do que parecem, pois a perfeição vai servir de índice e de prova para o estudo dos fenômenos físicos” (BACHELARD, 1996, p. 106). A busca pela perfeição nas explicações sobre determinados fenômenos possibilita uma minimização ao olhar do cientista, pois, ao valorizar um ideal, desconsideram-se as reais determinantes para o estudo dos fenômenos da natureza.

[...] Para o espírito pré-científico a unidade é um princípio sempre desejado, sempre realizado sem esforço. Para tal, basta uma maiúscula. As diversas atividades naturais tornam-se assim, manifestações variadas de uma só e única Natureza. Não é concebível que a experiência se contradiga, ou seja, compartimentada. O que é verdadeiro para o grande deve ser verdadeiro para o pequeno, e vice- versa. (BACHELARD, 1996, p. 107)

Um dos obstáculos epistemológicos em relação à unidade e ao poder atribuído a Natureza é o coeficiente de realidade, que o espírito pré-científico atribuí a tudo o que é

natural, há nisso uma valorização indiscutida, sempre invocada na vida cotidiana e que, afinal, é causa de perturbação para a experiência e para o pensamento científico” (BACHELARD, 1996, p. 113). Nesse sentido, as generalizações e a busca pela utilidade geram, no espírito pré-científico, a criação de uma razão acrítica. Assim, “procura-se atribuir a todas as minúcias de um fenômeno uma utilidade característica. Se uma utilidade não caracteriza um traço particular, parece que este aspecto não fica explicado. (BACHELARD, 1996, p. 115). Bachelard salienta que um fenômeno ou parte dele sem utilidade é, para um pensamento pragmatista, irracional. Busca-se assim, na formação de um espírito cientifico a postura de não buscar, no fenômeno apenas o caráter utilitário, mas sim as reais minúcias que o compõe. “A psicanálise do conhecimento objetivo deve romper com as considerações pragmáticas” (BACHELARD, 1996, p. 116).

Configura-se como objetivo do grupo, que o conhecimento sobre o material genético supere a visão do gene molecular clássico para um a visão sistêmica na qual se compreenda, em vista do conhecimento atual da Biologia Molecular, que esse termo pode estar relacionado à diferentes processos. Esta compreensão deve ser elaborada a partir do conhecimento já estabelecido como também pelo conhecimento em processo de construção que não devem ser desconsiderados. Assim, a unidade “gene” não deve ser o objetivo a ser alcançado e sim ao que se referem os pesquisadores do grupo quando usam esse termo.