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A compreensão epistemológica sobre os conceitos biológicos e a problemática sobre o conceito de gene

CAPÍTULO 6 ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS DADOS

6.1.2 A compreensão epistemológica sobre os conceitos biológicos e a problemática sobre o conceito de gene

Nesta parte, são apresentados três pontos sobre o conhecimento epistemológico da Biologia que foram objeto de análise do GPEB: a natureza do conhecimento biológico, a visão hierárquica dos fenômenos biológicos e o conhecimento sobre o material genético.

6.1.2.1 Concepções sobre a natureza do conhecimento biológico

Como foi apresentado no início deste capítulo, as atividades do GPEB caracterizam-se como o primeiro momento de discussão epistemológica da Biologia que os sujeitos tiveram ao longo do curso de graduação. Assim, pode-se considerar que questões tão significativas sobre o conhecimento biológico como as características que constituem a Biologia como ciência autônoma, discussões sobre as noções teleológicas, vitalistas e deterministas (síntese II) que influenciam a compreensão sobre os fenômenos biológicos tiveram espaço para serem discutidas como também orientaram as discussões dos textos ao longo dos encontros.

Nas atividades do GPEB, as análises das discussões sobre os dos textos permitiram inferir que houve um desenvolvimento da compreensão sobre as interações entre os diferentes níveis de organização dos fenômenos biológicos. Pode-se considerar que uma noção sobre sistemas caracterizou-se como um obstáculo conceitual a ser superado pelos sujeitos para a compreensão sobre os processos objetos de estudos do grupo.

Outro obstáculo conceitual que surgiu nas discussões foi sobre a superação da compreensão sobre ambiente. Para os alunos a ideia de que diferentes sistemas podem ser configurar como ambientes (celular ou um organismo) e que existe uma relação de referencial quanto à determinação do que é ambiente interno e externo (síntese IV), caracterizou-se como um novo olhar sobre esses conceitos e, também, sobre os fenômenos biológicos.

Destes novos conhecimentos apresentados aos alunos do GPEB, pode-se considerar que houve uma ruptura em relação à visão determinista do gene no desenvolvimento dos organismos. As concepções sobre o gene como determinante das características dos organismos foram se modificando por meio da compreensão de que a diversidade biológica resulta da interação entre diferentes fatores (síntese IV), que o desenvolvimento ocorre por meio de interações em diferentes níveis internos ao organismo (síntese IV), essas duas concepções, associadas à noção sobre os processos de auto-organização possibilitaram a superação do obstáculo pragmático, pois, como pode ser observado nas explicações dos mapas conceituais, mesmo os sujeitos que não conseguiram apresentar o gene em um modelo sistêmico, não buscaram apresentar uma explicação sobre o gene de forma perfeita, ou seja, não buscaram apresentam uma definição de gene fechada em si própria, sem considerar as possíveis mudanças que o conhecimento científico pode trazer a esse conhecimento. Ao considerarem que não sabem todos os fatores que interferem nos processos de expressão gênica, os alunos não buscam por generalidade para explicar um conhecimento unitário. Desta forma, pode-se considerar que a explicação sobre o material genético foi elaborada por meio de uma reflexão crítica.

6.1.2.2 A organização do conhecimento biológico a partir de níveis hierárquicos

A proposta inicial do grupo foi orientada por um modelo triádico escalar de organização do conhecimento científico. Desde as primeiras discussões do grupo esse modelo era considerado, demonstrado e discutido com os participantes do GPEB.

Nas discussões iniciais pode-se perceber que os alunos apresentavam algumas concepções sobre o conhecimento de Biologia, como as apresentadas na síntese I: consideravam fatores externo ao organismo como responsáveis pela diversidade biológica e ideias iniciais sobre o papel da interação biológica. Entretanto, pode-se perceber que as concepções dos alunos não se configuraram como construções elaboradas sobre os assuntos abordados.

Na discussão inicial sobre níveis de organização percebeu-se que havia divergências nas concepções dos sujeitos sobre os níveis dos sistemas biológicos e organização didática do conhecimento. Pelas falas dos sujeitos a noção de sistemas biológicos se assemelhava à organização didática do conhecimento biológico. Como se a organização dos conteúdos representasse a organização do mundo. Essa analogia do

de que o mundo vivo está organizado em sistemas tal qual são apresentados nos conteúdos caracteriza-se como um obstáculo epistemológico.

A superação do uso de analogias e metáforas sem um pensamento crítico anterior, assim como caracterizado por Bachelard (1996), ocorre pela superação da experiência primeira, a noção de que o conhecimento sobre uma ciência remete ao real dado, à natureza tal como ela é, deve ser superado por uma compreensão de que o conhecimento é uma elaboração do espírito científico e que essa elaboração ocorre pelo estudo e reflexão sobre fenômenos.

Nas discussões seguintes, com a introdução de novos temas de estudos, surgiram concepções sobre fatores que interferem na organização do conhecimento a partir de níveis hierárquicos como: considerações iniciais sobre o papel do conhecimento ecológico e evolutivo para o conhecimento dos fenômenos biológicos (síntese II), a compreensão de que o desenvolvimento de características dos organismos resulta da interação entre diferentes níveis sistêmicos (síntese V), entretanto, as discussões sobre o papel dos eventos aleatórios no desenvolvimento dos organismos caracterizou-se como um obstáculo conceitual.

No segundo semestre de 2008, retomou-se as discussões sobre níveis de organização. No primeiro texto com essa temática, os sujeitos consideraram que ainda havia dificuldade em se compreender níveis hierárquicos como uma construção do conhecimento, nesse encontro, a discussão sobre organização do conhecimento resgatou concepções anteriormente discutidas.

Com o direcionamento das discussões para o nível genético molecular, nas abordagens sobre o gene e expressão gênica, o enfoque dado a influência dos fatores de interação de sistemas internos ao organismo (como os diferentes sistemas celulares), gerou considerações de que um modelo hierárquico, apesar de trazer contribuições para o conhecimento, ainda apresentava fragilidade em relação à abordagem das interações entre os sistemas (síntese VIII).

Essa visão de rede de interações entre diferentes níveis sistêmicos foi sendo constante nas discussões dos temas. Também, novos conceitos foram sendo associados ao conhecimento sobre os processos de interação como: uma visão evolutiva dos fenômenos possibilitaria conhecimento temporal sobre os processos de interação, consideram significativo aos processos de hereditariedade o papel de eventos epigenéticos e que interações entre diferentes sistemas refletem em modificações nas informações hereditárias.

As concepções de hereditariedade apresentadas nos mapas conceituais também salientaram essa noção de diferentes processos de transmissão de informação, consideramos que a apresentação dos mapas trouxe essas concepções, ainda que com termos diferentes dos apresentados por Jablonka e Lamb (2010), pois, esses textos não foram estudados pelo grupo.

Pode-se considerar que ouve a superação do obstáculo da experiência primeira – de concepções aleatórias, para a compreensão do modelo hierárquico e para a proposição de um modelo em rede. As discussões do grupo possibilitaram aos sujeitos o pensamento crítico sobre um determinado conhecimento.

6.1.2.3 O conhecimento sistêmico sobre o gene e o material genético

No primeiro semestre, as discussões iniciais sobre o papel do gene nos processos biológicos foi considerado pela pesquisadora como uma necessidade em se conhecer o material genético como um sistema importante na regulação e delimitação dos sistemas vivos, mas que não como um sistema de determinação (síntese II). Ao longo das diferentes discussões, essa visão de gene como parte de processos biológicos, era abordada, entretanto, percebia-se que as concepções apresentadas pelos sujeitos priorizavam uma visão determinista sobre o gene e o material genético.

No segundo semestre de 2008, as discussões enfocaram os temas relacionados à compreensão sobre os processos nos quais o gene participa, sendo que foi salientado pela pesquisadora P1 que está compreensão estava vinculada ao conhecimento dos diferentes processos (síntese IX).

A partir deste objetivo, as atividades do grupo priorizaram diferentes discussões que abordavam a problemática sobre o conceito de gene, fatores que interferem na expressão gênica e fatores que interferem nos processos de hereditariedade. No estudo destes textos, caracterizaram-se como obstáculos conceituais que tiveram de ser superados os conhecimentos sobre: splicing alternativo, overlapping genes, ORFs, cistrons (síntese X); RNA como produto da combinação de diferentes DNAs; DNA pode ser regulado pelo RNA; e que o RNA faz parte dos processos de hereditariedade (síntese X).

Os alunos relataram não conhecer todos esses processos, entretanto, ao longo das discussões esses conceitos foram sendo incorporadas à organização do conhecimento

dos alunos, essas atividades caracterizaram-se como atividades de reflexão sobre a natureza do conhecimento biológico.

A atividade organizada para o décimo quarto encontro (síntese X), no qual os sujeitos deveriam responder a quatro questões relacionadas ao texto estudado, possibilitou conhecer quais as concepções sobre os processos de interação que envolvem o material genético foram considerados pelos alunos como: importância do splicing alternativo no processo de expressão gênica, importância do conhecimento de overlapping genes e genes dentro de genes.

A partir deste instrumento de coleta de dados, pode-se, também, observar a emergência de considerações elaboradas sobre o material genético como: compreender que o gene não é mais linear, gene como um sistema inserido no organismo, compreensão da expressão gênica como expressão do organismo e que o gene deixa de ser considerado o único portador da informação dos organismos.

Ao longo do segundo semestre, os textos escolhidos também resgatavam as concepções sobre sistemas, níveis hierárquicos e os processos aleatórios nos fenômenos vivos, como pode ser exemplificado pelas considerações: de que compreendem o papel do ambiente nos processos genéticos significativo nos processos moleculares, mas, ainda consideram o papel do gene importante como fator que possibilita o desenvolvimento de características dos organismos, ou seja, dá condições iniciadoras para os fenômenos de desenvolvimento dos organismos (síntese XI). Salienta-se que nas últimas atividades os sujeitos faziam referências sobre diversos fatores que caracterizavam o gene e o material genético como um processo sistêmico.

Considera-se também que as leituras que enfocavam diferentes aspectos sobre o tema – como, por exemplo, leituras sobre teorias como a do mundo dos RNA (síntese XI) – contribuíram para os alunos refletissem de forma críticas os temas de discussão.

Pela análise dos mapas conceituais pode-se perceber que as construções dos alunos já consideravam, em diferentes aprofundamentos, os diversos fatores que interferem no desenvolvimento dos organismos. Houve, entretanto variação em relação à compreensão sobre esses fatores, mas, em todos os mapas foram apresentados os processos de interação. Nas concepções apresentadas por A08, A11 e A13, as considerações sobre o gene priorizam uma visão que englobava o caráter estrutural, funcional, relacional deste material nos sistemas celulares. Pode-se, também, perceber que ao considerarem a hereditariedade, a transmissão de característica foi representada no mapa por meio de uma visão sistêmica.

É consenso que as discussões sobre os temas propostos pudessem ter sido mais elaboradas caso os sujeitos tivessem maior aprofundamento dos conhecimentos sobre genética e biologia molecular, entretanto, consideramos as concepções significativas, pois, as atividades do grupo não estavam vinculadas a disciplinas de conteúdos específicos.

É importante considerar que não houve, nos mapas conceituais apresentados pelos alunos, a tentativa de apresentar o gene como uma estrutura linear e com a função de determinar as características dos organismos, ao contrario, houve, em todos os momentos, tentativas de relacioná-lo a uma visão sistêmica e relacional. Pode-se também considerar significativo que os sujeitos consideraram que o conhecimento sobre o material genético ainda não é um conhecimento acabado, que não se conhece esse fenômeno como um todo.

Pode-se inferir desta análise, que houve a superação de uma visão determinista de gene, ainda presente em estudantes de cursos de Ciências Biológicas para uma visão sistêmica sobre o material genético. Essa superação pode ser caracterizada como a superação do obstáculo substancialista. Compreende-se que a busca pelas propriedades das coisas leva o espírito pré-científico a condensar no objeto, todos os conhecimentos em que esse objeto desempenha um papel, ou seja, dar ao gene o papel exclusivo e determinante dos processos de desenvolvimento e herança dos organismos. O uso do termo gene, não possui em si próprio, todos os conhecimentos sobre os processos de desenvolvimento e herança dos organismos. Esses processos caracterizam-se como interações temporais e sistêmicas nas quais diversos conhecimentos e conceitos devem estar agregados. Assim, considerou-se que ao caracterizarem gene como um conhecimento polimorfo, e que seu conhecimento remete à necessidade de ter uma noção sistêmica, os sujeitos superaram as explicações deterministas sobre o material genético e também, do gene.