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A família Ribas e a região noroeste do estado de São Paulo

SEÇÃO II – PELAS TERRAS DE PROMISSÃO: Universo empírico

2.3 A família Ribas e a região noroeste do estado de São Paulo

Mas quem eram os Ribas que aterrorizavam tanto os pequenos proprietários da região de Promissão? A história da família Ribas, no noroeste de São Paulo, iniciou-se com José

10 É triste constatar que, passadas várias décadas, o Brasil ainda vive o emparelhamento do poder judiciário

Corrêa Ribas, um imigrante Português, chegado na região no ano de 1912. Ele foi o percursor e mentor da construção do “império dos Ribas”. A sua trajetória inicial na região confunde- se com a de muitos outros migrantes e imigrantes. O seu primeiro trabalho na região era o de realizar a compra de toras dos fazendeiros e pequenos proprietários das redondezas, que estavam no processo de desmatamento para a formação das lavouras, e as vender para a Estrada de Ferro Noroeste.

Essa estrada de ferro fazia parte do projeto da então Província de São Paulo, de expansão da fronteira agrícola e da “civilização” e “modernização” para essa região. Abaixo, na Figura 2, o mapa de 1868, elaborado pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo mostra uma mancha em tom rosa cobrindo mais de 25% da então Província paulista, onde é possível ler: “Terrenos ocupados pelos indígenas ferozes”. Em outras palavras, para o governo da Província de São Paulo, uma região a ser explorada. Um local para levar a renda diferencial, pois terras mais férteis eram necessárias para a acumulação primitiva do capital. E este empreendimento encabeçado pelo governo, buscava levar a “civilização” por meio das linhas férreas, como analisado por Rosa Luxemburg (1970).

Figura 2 – Província de São Paulo em 1868

Fonte: CAVENAGHI, 2006.

A marcação na Figura 2, acima, evidencia que as elites econômicas e políticas viam os índios Kaingang, moradores nativos da região, como uma barreira a ser superada. Algo

que pode ser lido no relatório de exploração dos rios da região, Feio e Aguapeí, elaborado pelo engenheiro Gentil Moura:

O índio coroado tem sido o empecilho para o povoamento dessa zona. Cioso da sua liberdade, zeloso das suas terras, da sua família, dos seus, defende-os com ardor, com toda a sinceridade, contra os brancos, cuja entrada no sertão não vê com outro fito senão de matá-los e tomar-lhes as terras (MARCOLIN, 2007, p. 8. grifo meu).

O relatório do engenheiro Gentil Moura dá o tom de como foram as expedições. E quando ele frisa que as lutas e disputas eram “contra os brancos” fica demonstrado que existe um embate de projetos e de visões de mundo, onde o “branco” representaria a expansão do projeto econômico-capitalista e o índio, a tradição, o atraso e o que deveria ser exterminado. O choque traduzido em conflitos corporais, de fato mostra o choque de dois mundos, de dois modos distintos de pensar. Choque de mundos, que será atualizado nas mais distintas formas através das décadas.

Traduzidos em conflitos nas terras do noroeste paulista, esse choque repercutiu as estratégias usadas séculos atrás, quando ocorreu a colonização das terras brasileiras por meio do uso de armas de fogo, incêndios e micróbios11. A guerra biológica encabeçada pelos agentes de colonização paulista usava a estratégia de deixar roupas contaminadas por varíola propositadamente à beira dos trilhos da estrada de ferro para que elas fossem recolhidas pelos índios e, consequentemente, adoecerem e morrerem. Outra estratégia nessa cruzada era matar as mulheres e os filhos dos Kaingangues, decepar suas cabeças e colocar fogo em suas casas. Relatos da época mostram a insensatez e o desrespeito com que foi tratada a população indígena. E as estatísticas do período apontam como foi brutal o massacre: em 1912, os indígenas da região já estavam reduzidos a 700 indivíduos e, em 1916, apenas 200 viviam naquela região (BORGES, 1997; SIMONETTI, 1999). Cabe pontuar que, atualmente, restam apenas duas reservas: Icatu, próximo a Braúna/SP, com 300,96 hectares e cerca de 110 indígenas, sendo 15 Kaingang; e Vanuire, próximo a Tupã/SP, com 708,93 hectares e cerca de 220 indígenas, sendo 90 Kaingang12.

Segundo Martins (1975), essa fase de desenvolvimento do capitalismo no Brasil tem como característica a interiorização das funções metropolitanas e está marcada pelo

11 Vale pontuar que para Danowski e Viveiros de Castro (2014a), a chegada dos europeus na América pode ser

considerada como a primeira grande extinção moderna, visto que 1/5 da população planetária foi morta nos primeiros séculos da dominação.

colonialismo interno. No mesmo sentido, Foladori (1997) afirma que a tendência e a estratégia de expansão do capital para o aumento do lucro é exatamente o avanço sobre lugares e elementos da natureza ainda não mercantilizados. Mercantilização da natureza que atravessou décadas e teve a sua manifestação mais recente na região com os estudos para a taxação do uso da água na agricultura, na segunda década dos anos 2000. O que mostra que esse processo sempre busca reinventar-se e apropriar-se do que ainda esteja longe de suas amarras.

O que nota-se, portanto, é que esses processos de expansão são coerentes e seguem certo padrão, que é o de destruir estruturas sociais não capitalistas, realizar etnocídios de nativos, explorar de forma indiscriminada os recursos naturais e expropriar trabalhadores. Algo parecido pode ser observado no estudo de Taussig (2010), que tratou do processo de “colonização”, ou de inserção da economia capitalista em comunidades rurais da Colômbia e da Bolívia, e discutiu o quanto essa nova sociabilidade modificou e desestruturou toda a rede organizativa daqueles camponeses. Ou seja, existe uma epistemologia capitalista que entra em choque com outras formas de pensar e produz resultados catastróficos.

Em síntese, é o que afirma Luxemburg (1970), o uso da violência, a expropriação de importantes fontes produtivas, como a terra, e podemos acrescentar aqui, a água, e a transformação de camponeses em operários, constituem o cerne do método permanente da acumulação de capital no processo histórico, desde sua origem até os nossos dias. Seguindo este viés, Martins (1975) afirma que as frentes de expansão estavam ligadas à integração de economias de mercado de dois modos,

[...] pela absorção do excedente demográfico que não pode ser contido dentro da fronteira econômica e pela produção de excedentes que se realizam como mercadoria na economia de mercado. Desse modo, a frente de expansão está integrada na formação capitalista. [...] A frente pioneira surge não como consequência “rebarbativa” da sociedade capitalista, mas como resultado direto da necessidade de reprodução desta (MARTINS, 1975, p. 46 – 47).

Neste período que se refere a 1890 e 1900, a expansão da região noroeste de São Paulo ficou caracterizada por uma grande especulação de terras e ocupação de terras ainda não destinadas à agricultura para venda posterior sobrevalorizada. A partir desse processo de ocupação das terras ainda não agricultáveis e da derrubada de matas José Ribas elaborou seu primeiro trabalho, como apontado anteriormente. O aumento nos preços das terras, por sua vez, não desencorajou os compradores – principalmente fazendeiros em busca de

aumentar sua área de produção de café –, mas os motivou a comprar essas terras na expectativa de que o patrimônio fosse prosperar. E como a região mostrava uma aparente prosperidade, muitos ficaram atraídos pela nova região do estado e para lá começaram a se dirigir em busca de trabalho, de abrir um comércio, de terras etc. Assim, começaram a aparecer os primeiros migrantes e imigrantes na região, que vinham acompanhando o caminho da construção da ferrovia.

A ferrovia tornou-se o eixo em torno do qual foram aparecendo a maioria dos povoados e das cidades. Várias cidades da região foram fundadas por meio de doação de glebas por fazendeiros, em uma estratégia de valorização de suas terras, que depois poderiam ser melhores negociadas no mercado. Isso demonstra que a estrutura fundiária da região reproduzia uma dinâmica de conversão da terra em mercadoria, voltada para a apropriação da renda territorial pelos proprietários de terra por meio da especulação, pela atividade cafeeira e pelas relações sociais de trabalho, que eram expressão do limite do capitalismo no campo13.

A terra, um bem natural que não tem valor em si mesma mas somente como resultado do produto do trabalho, que não é passível de reprodução, torna-se um elemento chave da lógica capitalista e da implementação da frente pioneira. O proprietário da terra apodera-se da mais valia produzida pelo agricultor que trabalha em sua terra e, com isso, acessa mais terra, o que leva a concentração fundiária (MARX, 1983).

[...] Desse modo, a renda da terra se impõe como mediação entre o homem e a sociedade. A terra passa a ser equivalente de capital e é através da mercadoria que o sujeito trava as suas relações sociais. Essas relações não se esgotam mais no âmbito do contato pessoal. O funcionamento do mercado é que passa a ser o regulador da riqueza e da pobreza. A alienação do produto do trabalho no mercado faz com que as expectativas reguladoras do relacionamento sejam construídas de conformidade com as objetivações da sociedade capitalista. (MARTINS, 1975, p. 47).

Imersa nessa dinâmica a região noroeste desenvolveu-se em torno da propriedade privada da terra, isto é, da renda capitalizada. Justamente por isso o desenvolvimento na região deu-se de forma acelerada: quinze anos após a abertura da estrada de ferro, em 1905,

13 Martins (1975) defende esta tese, pois para ele o que caracteriza a penetração do capitalismo no campo não

é a instauração de relações sociais de produção típicas formuladas em termos de compra e de venda de força de trabalho por dinheiro, mas sim a instauração da propriedade privada da terra, ou seja, a mediação da renda capitalizada entre o produtor e a sociedade.

a produção de café já correspondia a 3,27% do total do estado de São Paulo. Já em 1935 passou a corresponder a 23,92%.

A população da região acompanhava esse desenvolvimento. Em 1920, a região possuía 13.454 habitantes e correspondia a 3,74% da população do estado. Com o desenvolvimento econômico crescente as pessoas foram atraídas, cada vez mais, para a região e, em quinze anos, a população chegou a 608.027 habitantes, representando, nesse momento 12,30% da população do estado, em 1935. O grande salto populacional ocorreu, principalmente, por conta dos imigrantes e migrantes, principalmente no período entre os anos 1910/1920. Para a região noroeste de São Paulo foram ¼, ou 26,6% da imigração ocorrida no estado paulista, ou seja, 32.205 indivíduos. Era possível identificar portugueses (como a família Ribas), espanhóis, alemães e japoneses. Destes, o maior número era de japoneses, principalmente em Lins, Promissão e Araçatuba. Em Promissão, no ano 1940, dos 4.340 estrangeiros que lá residiam, 2.299 eram japoneses (BORGES, 1997).

E foi nesse intenso fluxo de pessoas que José Ribas chegou. José Ribas, depois de vender toras para a construção da ferrovia, com as árvores que eram derrubadas para abrir espaço para a produção de café, aproveitou-se do crescimento populacional e da formação da cidade de Promissão e abriu um açougue. Esse foi um passo importante durante o início da formação da Fazenda Reunidas, na década de 1930.