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A terra no universo camponês

SEÇÃO II – PELAS TERRAS DE PROMISSÃO: Universo empírico

2.6 A terra no universo camponês

Ao ler o presente texto até aqui, o leitor pode pensar que todo esse processo ocorreu com os desmandos das classes dominantes e a obediência e sujeição dos indígenas e das classes populares e desfavorecidas. Entretanto, não foi esse o caso. Um olhar mais atento às relações sociais no campo revela que desde as revoltas dos escravos (com a formação dos quilombos), até os enfrentamentos indígenas, passando pelo messianismo nas zonas rurais (cuja maior expressão foi Canudos), chegando à formação das ligas camponesas e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o que tem-se no campo é um intenso processo de revoltas, boicotes e enfrentamentos. Ou seja, o processo de expropriação da terra, dos meios de produção, da cultura e modo de vida não ocorreu sem embates e sem

24 Os números que contabilizam o uso de agrotóxicos demonstram seu uso de forma indiscriminada. Se em

1992 utilizava-se 69,44 Kg/ha, em 2007 esse número chegou à marca de 160 Kg/ha. Porém, se o número mais que dobrou no uso de agrotóxicos, a área plantada aumentou pouco mais de 20%. Nesse período, as terras que sofrem processos erosivos além do limite aceitável no estado de São Paulo chegaram à marca de 80%. Esta situação se dá principalmente pela remoção da vegetação natural, movimentação de maquinário pesado e fertilização excessiva (SILVA; MARTINS, 2010).

pressões por reformas sociais e políticas. Lutas que ora conquistaram vitórias, ora foram derrotadas, e que derramou muito sangue, como lembra Dona Catarina:

Entrevistador: Por que vocês quiseram entrar pra reforma agrária?

Dona Catarina: Isso é uma pergunta, você sabe, na bíblia pode até não tá escrito,

mas meu Padim Ciço falava que a reforma agrária tinha que acontecer, nem que fosse 24 horas, mas tinha que acontecer a reforma agrária, mas ia derramar muito sangue. E o que tá acontecendo?

Entrevistador: E já derramou.

Dona Catarina: Derramou já e tá derramando. Mas tinha que acontecer.

Muitos foram os mártires da reforma agrária. Mártires anônimos. Mártires tidos como exemplo a seguir, como é o caso de Padre Josimo, assassinado por conta de seu empenho na luta pela reforma agrária. A capela da comunidade da Agrovila Campinas é dedicada a ele, que pela evocação popular tornou-se Santo, a despeito dos processos canônicos de Roma25. O que mostra o quanto o catolicismo popular tem um grande peso nessas comunidades, algo que aparece na fala de Dona Catarina, ao fazer a observação de que a luta pela reforma agrária pode até não estar na Bíblia, mas foi uma profecia do Padre Cícero, que tem um grande peso na cultura e sociabilidade dos moradores da região Nordeste do Brasil. Notadamente, onde teve início um dos primeiros e mais fortes movimentos de luta no campo, as ligas camponesas.

A história do campo brasileiro, portanto, é composta pelo sonho e luta dos camponeses que sempre buscaram, como canta Elomar (MELLO, 1989), em

um dia arresolvê jogá a carga no chão (...)

No tempo que acenta o almoço eu sonho que num sô mais pião Uma vontade aqui me dá

dum dia arresolvê quebra a cerca da manga e dexá de sê boi manso

(...)

é a ceguêra de deixa um dia de sê pião de num comprá nem vende

robâ isso tomem não de num sê mais empregado

e tomem num sê patrão (MELLO, 1989) 26.

O sentimento, poetizado na canção de Elomar (MELLO, 1989), mostra um camponês que sonha em deixar de ser “pião” enquanto faz sua pausa para o almoço. Os devaneios levam o sonhador camponês a uma terra em que ele se sentiria longe das amarras das relações de trabalho, pois ele não seria empregado, e, também, não seria patrão. O sonho é de uma relação de trabalho ligada aos seus ritmos e não aos ritmos do capital. E foram esses os sentimentos mobilizados pelos movimentos sociais de luta pela terra, pela Igreja Católica progressista, pelos sindicatos e outras instituições para colocar em curso o sonho de possuir terra própria. “Nós lutamos para ter um pedaço de terra nessa vida e não depois de morto”. Essa afirmação de Dona Rosa, faz uma clara inferência ao poema de João Cabral de Melo Neto (1992), que faz parte da mística da luta pela terra no Brasil.

Essa cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida. É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias

ver dividida (MELO, 1992, p.87).

Porém, a luta que esses camponeses começaram a empreender contra esse movimento de expropriação não era somente por ter direito a terras e a bens materiais, mas sim por ter direito a um modo de vida e de sociabilidade que lhes foram retirados, mas que ainda persistiam em suas memórias. Luta pela memória de pertencimento a um modo de sociabilidade e de valores que é transformada em sonho, em projeto de vida, em futuro (HALBWACHS, 2006). E, como observa Silva (2004, p. 123), “o futuro precisa ser construído, e, para isso, deve-se empenhar tudo, inclusive a própria vida. Nenhuma construção do futuro se faz sem os tesouros herdados do passado”.

Assim, entraram na luta, porque, acima de tudo, as estruturas de sentimentos que marcam as experiências dessas pessoas foram agredidas (THOMPSON, 1978). Nesse sentido, Galeano (1983) afirma que esses povos que foram expropriados e violentados em

toda a América Latina recuperam por meio da luta o sentido da dignidade e de seu próprio destino: “Abrem-se tempos de rebelião e mudança” (p.281). Recuperar os bens que sempre foram usurpados, equivale a recuperar o destino” (p.19). A luta, significou, portanto, recuperar as rédeas do próprio destino e libertar-se de amarras pesadas.

Eu conversava com Dona Júlia na cozinha de sua casa. Ela me contava sobre a sua vida. As pelejas da luta pela terra, a vida no acampamento, as dificuldades de quando viveu na cidade e como era ruim a vida trabalhando em terra alheia. Foi então que lhe perguntei o que significava ter o seu pedaço de terra. Ela tinha alguns pequenos gravetos em suas mãos, com os quais brincava despretensiosamente tecendo, de forma imaginária, a colcha de retalhos de suas memórias. Ao escutar minha pergunta, ela parou. Olhou sério nos meus olhos, soltou um leve sorriso e disse:

Dona Júlia: Rapaz, [uma longa pausa] Só de não depender de patrão, ser escravizado

de patrão, patrão mandando, você ter que cumprir ordem e ganhar uma merreca. Na época a gente trabalhava de sol a sol. Chegava no fim do mês você pegava aquele dinheirinho, entendeu? Outra coisa, minhas meninas trabalhavam em casa de patrão, eu nunca gostei de trabalhar em casa de patrão, de empregada [doméstica], pra mim eu acho que é uma humilhação ficar ali cumprindo ordem de patroa, olhando se você fez certo, se limpou direito, se lavou bem lavado, isso pra mim é [pausa] uma humilhação. Eu quero ser liberal pra fazer do meu jeito, do jeito que eu quero, do jeito que eu acho que tá certo. Se fizer errado é meu, se fizer certo é meu, não tem ninguém no meu pé cobrando o que tá certo, o que tá errado, eu não gosto, nunca gostei. E o Roger [seu filho] é a mesma coisa, puxou pra mim. Ele foi trabalhar numa granja, quando nós morávamos em Monte Mor, só porque o patrão falou meio grosso com ele, chamou atenção dele, ele deu um chute, não sei se foi num pau, jogou lá e falou assim: “Acerta minha conta que eu não vou vim mais”. O Roger tinha 15 anos, chegou: “Mãe não vou trabalhar mais lá, não”.

De toda essa fala, o que mais salta aos olhos e que é extremamente forte, trata-se do fato de Dona Júlia dizer ter se sentido como se tivesse sido escravizada pelo patrão e ter tido pouco retorno salarial: “ser escravizado de patrão, patrão mandando, você ter que cumprir ordem e ganhar uma merreca”. Essa fala, portanto, possibilita entender os meandros que motivam essas pessoas a embrenharem-se na luta por um pedaço de terra. É imperativo pensar no significado existencial de uma pessoa afirmar que se sentia escravizada, pois a

evocação está carregada de memórias e de experiências de submissão e de dominação a outrem.

Desse modo, a terra ganha um valor a mais e, a partir disso, é possível perceber, de maneira profunda, a relação dessas pessoas com a terra, pois é a terra que possibilita a quebra desses grilhões. A vida pode se desenhar árdua e dura, mesmo quando se tem a terra, pois a vida está armada dessa forma, como lembrava Seu Chico ao dizer que possivelmente o trabalho na terra pode até ser maior. Mas, a despeito dos espinhos inerentes da vida humana, o sentimento quando se está em terra própria não é de ser cativo ou cativa, mas sim de liberdade e de autonomia. Para os assentados, a terra representa esse sentimento de liberdade. Possuir um pedaço de terra significa deixar para trás um passado de punição, opressão e obediência. A terra é o local onde se faz o que se quer, na hora que se quer, ou melhor, se faz de modo livre e realizador. Sabe-se, logicamente, que haverá momentos de muito trabalho, mas o final será recompensador, pois o trabalho se transforma em fartura para eles próprios, para seus familiares, amigos e vizinhos. Surge a possibilidade, ao se ter a terra, de se ter pleno acesso aos frutos do seu trabalho (ARBAROTTI, 2014).

Ao verificar as motivações dos assentados para a entrada na luta pela terra, Simonetti (2011) escreve que é possível perceber como a autonomia e a liberdade estão diretamente relacionadas à terra:

Marx nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos lembra que “[...] um ser só se considera autônomo, quando é senhor de si, quando deve a si mesmo seu modo de existência. Um homem que vive graças a outro, se considera a si mesmo um ser dependente”. O trabalho direto com a terra repõe a essas famílias a condição de liberdade e autonomia (SIMONETTI, 2011, p. 57).

Nesse sentido, o trabalho na terra, mas não em qualquer terra, na terra própria, é o elemento balizador que possibilita a experiência de autonomia e liberdade. Assim, é importante notar que esses elementos aparecem quase sempre relacionados às experiências que essas pessoas tiveram em trabalhos nas fábricas, nas terras alheias e, também, à estranheza da vida na cidade.

Esses tipos de trabalho e a vida nos grandes centros são quase sempre vistos como algo não realizador, encarados como um peso, um sofrimento e um empecilho para se viver o sentimento de autonomia e liberdade. Tal aspecto pode ser notado quando Seu João responde qual o motivo de ele ter entrado na luta pela reforma agrária: “Eu não acostumo na cidade. Eu fiquei 10 anos em Indaiatuba, parece que eu tinha ficado 100 anos. Não via

a hora de sair vazado. Nunca gostei de cidade”. O fato de ele enfatizar que 10 anos assemelharam-se a 100, demonstra uma forma distinta de sentir o tempo a depender do lugar em que se encontra e do trabalho que se desempenha. Aqui cabe uma reflexão na relação entre “estar na terra” e percepção de tempo.

E a primeira pergunta que surge seria: o que levaria uma pessoa a sentir o tempo de forma distinta, em relação aonde está e o que faz? Norbert Elias (1998) se colocou a mesma questão ao refletir sobre o tempo. E em busca de uma resposta, o autor pondera que o tempo na perspectiva física é algo que não pode ser percebido pelos sentidos, uma vez que não se deixa tocar, ver, sentir e saborear. Assim, o que existiria seriam elementos físicos padronizados socialmente e que visam mensurar o tempo, como, por exemplo, o relógio nas sociedades modernas, que determina a velocidade de um corredor, o eclipse lunar e uma jornada de trabalho.

Essa padronização pelos relógios, para Elias (1998), atesta o caráter simbólico do tempo, uma vez que teria por função a orientação dos indivíduos que estão inseridos em processos sociais e físicos, harmonizando os seus comportamentos em relação aos outros indivíduos. Nesse sentido, o tempo não pode ser tomado como um dado objetivo, que independe da realidade humana, ou uma simples representação subjetiva ligada exclusivamente à experiência humana, mas sim como uma imbricação mútua e interdependente entre natureza, sociedade e indivíduo. Isso porque o conhecimento humano, para o referido autor, se constrói a partir de um patrimônio de saber já adquirido, que os indivíduos contribuem para aumentar no que ele denomina de processo civilizador e formador de habitus sociais. É exatamente isso que acontece para Elias (1998) em relação ao tempo, que este seria um símbolo representativo desses tipos de sínteses acionados e estruturados pela experiência dos seres humanos no âmbito de uma sociedade.

E isso porque se sabe que nas civilizações da Antiguidade a necessidade de mensurar o tempo era diferente da encontrada nos Estados da era moderna e, principalmente, nas sociedades industriais. Isto é, a experiência humana do que chamamos “tempo” modificou- se ao longo do passado, e continua a se modificar em nossos dias. Nessas civilizações da Antiguidade o tempo servia aos indivíduos, fundamentalmente, como meio de orientação no universo social e como modo de regulação de sua existência. Porém, nas sociedades modernas, o advento do relógio e do calendário representou a entrada simbólica de uma sequência irreversível de acontecimentos, naturais e sociais, que passou a representar as estruturas recorrentes no interior de uma estrutura social que informa um devir que não se repete. Em muitas sociedades modernas, portanto, surge nos indivíduos, por meio de um

impulso coletivo, um fenômeno complexo de auto regulação e de sensibilização em relação ao tempo que tem como base a regulação coercitiva dos relógios e calendário (ELIAS, 1998). Nesse sentido, segundo Elias (1998), a fuga dos anos pelo calendário passou a ser aceita como se fizesse parte de uma segunda natureza dos indivíduos nas sociedades modernas, o que os levam a se submeterem cada vez mais a observação da exatidão das horas à medida que envelhecem. E é a exatidão dessas horas que levou Seu João a dizer que teve a impressão de ter vivido 100 anos em 10 anos, pois, seguindo a linha de raciocínio de Elias (1998), a cidade representa a imersão em uma lógica de tempo ditada pelo calendário, onde os anos não voltarão mais, e o ritmo do trabalho nas fábricas à necessidade de observar a exatidão das horas (um devir que não se repete).

Um quadro alternativo a esse, que pode ser observado tanto na atualidade quanto em sociedades pretéritas, apresentado por Elias (1998), se refere às sociedades não inseridas nessas lógicas de calendário e relógio, onde o macrocosmo do grupo e o microcosmo do indivíduo estão estruturalmente interdependentes. Nessas sociedades, a consciência humana seria mais atingida pelas repetições irrefutáveis das mesmas sequências, como os ciclos das estações do ano, que se repetem, quebrando a ideia de um devir “irrepetível”. Isso provoca, segundo o autor, representações não exatas da sucessão dos anos para os indivíduos. Pensando, portanto, o Assentamento e grande parte das sociedades camponesas, não como separadas desse tempo do relógio e do calendário, mas sim como grupos sociais que vivenciam outros elementos demarcadores da relação indivíduo/tempo, em uma espécie de bricolagem temporal, como apresentado na seção I, com Darnton (1986), a percepção de Seu João demonstra como estar na terra para os assentados representa fazer parte de outra forma de organização social, que os levam a pensar o tempo de outra forma.

Assim como o trabalho e a vida no campo estão relacionados à observação dos ciclos das chuvas, de calor, de frio e de produção, a temporalidade no Assentamento permite aos assentados experenciarem o tempo em ciclos maiores e repetitivos. Os anos no campo não importam, os minutos muito menos, pois o que faz a vida acontecer são os ciclos do sistema terra e não as cadências das máquinas das fábricas. Assim, a experiência do tempo nas cidades aparece de forma acelerada, 10 anos são sentidos como se fossem 100, e o tempo no campo aparece mais lento, se colocado em perspectiva ao tempo do calendário e da precisão dos relógios. Entretanto, esses ciclos estão sendo tocados e modificados pelo tempo do capital, que altera a percepção dos assentados no mundo, à medida que modifica os ciclos de chuvas, de frio e de produção, aspecto que será aprofundado na próxima seção.

Por ora, cabe passar para outra fala, a de Dona Catarina, que também evoca a questão da temporalidade, ao expressar a repulsa em morar na cidade e como esta repulsa a levou a perseverar na luta pela terra. Estes elementos dão indícios de que a experiência do tempo da cidade, vivida pelos assentados, surge corriqueiramente nas falas como algo duro e negativo: Dona Catarina: Nós fomos criados no meio de macaco comendo fruta no mato, por

isso que eu não gosto de cidade. Eu morei 13 anos na cidade, morei não, demorei. Trabalhava eu, que eu costurava pra uma fábrica de lençol, outra hora bordava. Trabalhava meu véio, trabalhava meus filho, minhas filha, nunca tive dinheiro pra comprar uma geladeira, só dava pra comer. Aí os dois meninos mais velhos meu falaram assim: “pai, o senhor pode arrumar um sítio pra nós ir embora porque aqui não dá não”. Aí foi onde o Jerônimo começou arrendar, pra nós irmos. E quando nós pensa que não, num dia de domingo, o Jerônimo já tinha inventado uma reforma agrária no sindicato, que ele estava cortando cana. E ele estava cortando cana e aí diz que ia sair a reforma agrária.

O fato de Dona Catarina dizer que “demorou” 13 anos na cidade leva a perceber que quando a relação com os códigos que compõem a experiência do tempo na cidade é colocado em perspectiva com os códigos que formulam o tempo no Assentamento, o tempo da cidade ligado ao relógio é expresso de forma negativa. Isso porque viver na cidade significava, em muitos casos, trabalhar nas fábricas, que são o símbolo máximo da regulação do tempo. Nesse sentido, é importante notar que o elemento do trabalho na terra, mobilizado por muitos assentados, transcende o próprio conceito de trabalho, pois é o elemento chave de compreensão, formulação, ou síntese, no conceito de Elias (1998), da formação da estrutura social do Assentamento. Desta monta, para continuar na compreensão sobre o que significa essa ligação afetiva e moral que esses camponeses estabelecem com a terra, em uma dimensão mística e quase divina, é imprescindível notar o que eles pensam que a terra significa para eles. Pois é com esse significado em mente que eles se colocaram em marcha pela reforma agrária.

Segundo Marx (1964), foi por meio do trabalho27nas sociedades pré-capitalistas que os sujeitos em uma contínua e teleológica transformação da natureza humanizaram a

27 Nas sociedades pré-capitalistas esse trabalho não é visto como uma finalidade em si mesmo e orientado em

direção a um fim econômico, mas sim orientado à função social que faz parte dos deveres tradicionais e à ligação ritual de submissão e de homenagem à natureza (BOURDIEU, 1979; MARX, 1964; WEBER, 2004).

natureza e naturalizaram a sua subjetividade em um processo íntimo de simbiose, sujeitos- natureza. Esse processo, segundo o autor, se perde com o advento da sociedade capitalista e a alienação das pessoas da sua condição de ser genérico, que tem a terra como corpo inorgânico, ou seja, a terra como prolongamento do próprio corpo e formuladora de suas identidades.

Nas palavras de Bourdieu (1979), o desencantamento do mundo e o desenraizamento nas sociedades rurais se dão justamente dentro desse processo, a partir da aplicação de categorias estranhas à experiência do camponês. Com isso, desapareceram os encantos e os prestígios que levavam o camponês a ter atitudes de submissão e a homenagear a natureza, e fazendo surgir certa distinção entre os aspectos técnico e ritual da atividade agrícola. A transformação desses camponeses em força de trabalho é, portanto, resultado de um processo histórico, como visto até aqui, que passa por métodos violentos e de expropriações da terra, dos instrumentos de trabalho e da própria subjetividade e identidades dos camponeses (ARBAROTTI, 2014). E o papel do movimento e do processo de luta pela terra foi, justamente, o de despertar essa ligação com a terra. Na fala de Dona Rosa, quando ela explica sobre como foram as atividades do MST durante o período de conscientização, antes da ocupação, e as místicas feitas durante o tempo do acampamento, é possível visualizar estes elementos.

Entrevistador: E nesse tempo mudou o que a senhora pensava sobre o que é a terra?