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Capitalismo: uma máquina catastrófica

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCar (páginas 160-163)

SEÇÃO III – CAPITALISMO E CIÊNCIA: os pressupostos epistemológicos de uma

3.6 Capitalismo: uma máquina catastrófica

Stengers (2013) lembra em seu livro da alternativa pensada por Rosa Luxemburg ao capitalismo: “Socialismo ou barbárie”. Para Stengers, não conseguimos avançar no que tange a uma alternativa socialista, mas, por outro lado, a barbárie está cada dia mais próxima de atingir seu apogeu. Assim, diante desse contexto, cabe repercutir uma pergunta formulada por Marcuse (1973, p. 15): “[...] dentre as várias maneiras possíveis e reais de organizar e utilizar os recursos disponíveis, quais oferecem a maior possibilidade de ótimo desenvolvimento?” E complementando a pergunta de Marcuse, cabe questionar: como utilizar os desenvolvimentos técnicos sem provocar a miséria, a exploração, a alienação dos homens e mulheres e a degradação e homogeneização da natureza e de saberes?

O próprio autor sugere uma contestação ao dizer que o mais singular na sociedade industrial contemporânea é exatamente o rendimento do pensamento e das esperanças a preservação da miséria, a contenção da transformação e o declínio do pluralismo. Benjamin (1989) faz coro a essa observação dizendo que os “prodígios” realizados pela civilização ocidental e a industrialização sacrificou uma parte significativa da humanidade e reprimiu, com isso, outras tantas possibilidades e modos de existência. Seguindo esse raciocínio o capitalismo produz a sua própria ruína, em decorrência de sua hegemonia.

Esse é o resultado lógico, segundo autores como Viveiros de Castro, Danowski e Harari, de um sistema que busca e é dependente do crescimento econômico para se manter. Harari (2016) observa que a falta de crescimento da economia, no capitalismo, significa seu colapso. “Se o crescimento parar, a economia não vai se ajustar num patamar mais baixo, num equilíbrio aconchegante: ela se despedaçará” (HARARI, 2016, p. 59). E é essa base que faz com que o capitalismo seja um sistema perigoso para o planeta e para as próprias pessoas.

Assim, todas as vezes que se fala em busca de crescimento econômico se esquece de dizer que a solução dos problemas de crescimento se dá, no modelo capitalista, por meio do acúmulo de desigualdades sociais, poluição, envenenamento por pesticidas, esgotamento de recursos, baixa dos lençóis freáticos, uso de energias poluentes, extração de petróleo e etc. (STENGERS, 2013). Fatores que interferem, diretamente, nos processos biofísicos do “Sistema Terra”, provocando acidificação dos oceanos, depleção do ozônio estratosférico, perda da diversidade, interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fosforo, mudança no uso do solo e outras coisas mais que, segundo Danowiski e Viveiros de Castro (2014a), não permitirão a vida de diversas espécies, inclusive a humana. Seguindo essa mesma linha de pensamento, Harari (2016, p. 219) afirma que “Uma desintegração ecológica causaria ruína econômica, tumulto político, queda do padrão de vida humano e poderia ameaçar a própria

existência da civilização humana”. Esse modelo de superdesenvolvimento e do crescimento a todo custo, portanto, está acabando com o planeta.

Segundo Ceceña (2013), isso ocorre pelo fato de vivermos um período de produção industrial exagerada, que atrapalha o equilíbrio longamente constituído pela natureza. E a interferência nesse equilíbrio, por conta das atividades humanas (antrópicas) apontam para consequências reais de catástrofes e de uma crise no sistema Terra. Em outras palavras, o fim do mundo, pelo menos como nós o conhecemos (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2014a; 2014b).

Harari (2016, p. 30) chama atenção para o ato de que nesse modelo, “quando chega o momento de optar entre crescimento econômico e estabilidade ecológica, políticos, executivos e eleitores sempre preferem o crescimento. No século XXI, teremos de fazer melhor do que isso se quisermos evitar a catástrofe”. Stengers (2013), no mesmo sentido, afirma que a cada crise do capitalismo financeiro os governantes dos Estados Nacionais convocam seus cidadãos a aceitarem sacrifícios e reformas em nome de relançar o crescimento. A justificativa é de que se este Estado Nacional não fizer essas reformas, os outros Estados Nacionais podem tirar proveito dessa situação. A saída para a crise do crescimento é fazer reformas. Atualmente, essa questão é um dos maiores impasses diplomáticos no que tange às discussões sobre aquecimento global e mudanças climáticas, pois os países ditos desenvolvidos não aceitam diminuir as suas emissões de gases e os países em desenvolvimento não querem deixar de aumentar as suas emissões, pois isso significaria uma diminuição no crescimento, visto que a ideia de desenvolvimento está ligada à industrialização e, portanto, é o único caminho a ser seguido (CECEÑA, 2013). Entretanto, Jollivet (2015, p. 54. Tradução minha) observa a necessidade de superação dos Estados Nacionais para melhor pensar a solução dos problemas globais:

Contrariamente ao que era no século XIX até a Segunda Guerra mundial, as contas não podem mais se resolverem no campo fechado dos Estados nações. Se eles não conceberam suficientemente, a mudança climática terá consequências suscetíveis para gerar conflitos entre os países. Não é mais somente a paz civil que está em jogo, mas a paz do mundo56.

56 No original: « Contrairement à ce qu’il en était au XIXe siècle et jusqu’à la Seconde Guerre mondiale, les

comptes ne peuvent plus se régler dans le champ clos des États-nations. S’il n’est pas suffisamment maîtrisé, le changement climatique aura des conséquences susceptibles de générer des conflits entre pays. Ce n’est plus seulement la paix civile que en en jeu, mais la paix du monde ».

Assim, esse modelo de desenvolvimento a todo custo e sempre crescente, além de provocar efeitos no clima tem como potencialidade gerar conflitos entre os países. Por isso, Francisco (2015, p. 43) chama atenção para o fato de que “não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”. Nesse sentido, para Ceceña (2013), os pilares que compõem a modernidade, Estados Nacionais e economia capitalista, estão nitidamente em crise. Sobre os Estados Nacionais, a autora chama a atenção para a necessidade de pensar em Territórios da natureza e seus modos de uso e as suas imbricações entre a vida humana e a “Madre Tierra”. Esse é o primeiro caminho para pensar uma mudança civilizacional onde a “Madre Tierra” volta a ser sujeito da história. Isso permitiria, segundo a autora, práticas sociais de acordo com visões de mundo diferentes, abrindo-se a possibilidade de muitas temporalidades e possíveis. Voltarei a essa proposta quando for tratar do embate que surge no Assentamento, justamente pelo fato de uma regulação ligada ao Estado tentar regular uma prática local de uso de água.

No que tange ao segundo ponto em crise, que é a economia capitalista, a autora afirma que o desenvolvimento que aporta elementos como o domínio da natureza, a objetivação do subjetivo, a acumulação de riqueza e a instauração de um tempo único chegou ao seu limite. E justamente por isso Ceceña (2013) defende a necessidade de uma refundação do mundo por meio de uma profunda transformação cultura, onde possam surgir visões de mundo não capitalistas. Isso implicaria mais que uma tomada de governo, mas sim a geração de uma cultura de mundo em que caibam todos os mundos (“mundo-en-el-que-caben-todos-los- mundos”).

Também Danowski e Viveiros de Castro (2014b) chamam atenção para a necessidade de fugir desse modelo capitalista baseado no crescimento e desenvolvimento para escapar dos dramas sociais e ambientais atuais. Para os autores, portanto, é necessário deslocar esse conceito de desenvolvimento e crescimento a todo custo dirigindo os olhares para os países superdesenvolvidos ou excessivamente desenvolvidos. Os Estados Unidos, com seu modelo “American way of life”, é a expressão máxima desse superdesenvovimento, consumindo quatro vezes mais que o restante da população do planeta, ou seja, “há gente de menos com mundo demais e gente demais com mundo de menos” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2014a, p. 129).

A ideia, assim, consistiria em elaborar um fundamento econômico cujo objetivo principal seria efetuar a distribuição da riqueza existente e não, somente, em produção de riqueza. Essa “des-economia”, segundo os autores, além de provocar uma libertação no que

tange ao crescimento econômico contínuo, provocaria uma certa insurreição cultural no processo de “zumbificação do cidadão-consumidor”. Cidadão-consumidor que tem incutido em sua existência certa angústia que faz os luxos de ontem se tornarem as necessidades de hoje. Assim, esse deslocamento permitiria trazer a tona um modelo de desenvolvimento não ligado estritamente ao binômio: crescimento econômico igual à saída da pobreza.

Stengers (2013) possui uma posição mais radical diante dessa proposta de Danowski e Viveiros de Castro (2014a) ao lançar a noção de “Slow Science”. Para autora, diante da barbárie anunciada urge a aceleração da desaceleração das ciências e da civilização. Vendo a ciência como uma das bases do processo de desenvolvimento e crescimento a chave alternativa seria diminuir de forma rápida todos os ritmos. Esse movimento “slow” na ciência e em vários outros setores, para a autora, tem a capacidade de refutar a racionalidade do capitalismo.

Mas, como a natureza no capitalismo é um mero pano de fundo, esses elementos de uma possível catástrofe não são levados a sério. Por isso é necessário considerar o que várias comunidades tradicionais e camponeses estão percebendo no que tange as mudanças climáticas e mudar os meios de produção e o modo hegemônico de ser e estar no mundo. Assim, segundo Stengers (2013), o ponto que surge é a necessidade de pensar em alternativas que fogem a conservação do capitalismo, pois o que importa nesse momento de crise é lutar de forma dura e eficaz contra esse modelo social-político-econômico-cultural. Essa seria a alternativa também para Danowski e Viveiros de Castro (2014a): “Para imaginar o não fim do mundo, nós temos que imaginar o fim do capitalismo. [Caso contrário] o futuro nos reserva grandes acontecimentos ruins em termos de catástrofes climáticas, de fome, de seca...” (DANOWISKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2014b).

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCar (páginas 160-163)