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O papel dos migrantes e imigrantes

SEÇÃO II – PELAS TERRAS DE PROMISSÃO: Universo empírico

2.4 O papel dos migrantes e imigrantes

É indiscutível o papel da imigração na dinâmica da região Noroeste. Entretanto, cabe aqui pontuar que os movimentos realizados internamente no Brasil são de natureza ímpar para a formação dos movimentos sociais de luta pela terra. Isso é notório quando é possível perceber que a grande maioria das pessoas atualmente assentadas, principalmente as que vieram por meio do MST, advém das mais variadas regiões do Brasil. Esses processos migratórios foram marcados pela fuga de condições de extrema vulnerabilidade. Como descreve o poema de João Cabral de Melo Neto (1992), o retirante não se coloca em marcha em busca de ficar rico, mas sim de viver, defender sua vida, ou sobreviver um pouco mais, visto que em suas terras ele estava sentenciado à morte.

Nunca esperei muita coisa, digo a Vossas Senhorias. O que me fez retirar não foi a grande cobiça; o que apenas busquei foi defender minha vida

da tal velhice que chega antes de se inteirar trinta; se na serra vivi vinte, se alcancei lá tal medida, o que pensei, retirando,

foi estendê-la um pouco ainda (MELO, 1992, p. 91).14

O que fez inúmeras pessoas irem pelas estradas não foi a ambição, mas a vontade de viver, de fugir “da mesma morte Severina”. Essa migração, muitas vezes, foi marcada por muitos sofrimentos e desenraizamentos. E o ato de partir nunca significou o fim das duras pelejas, como é perceptível no relato de Dona Catarina,

Dona Catarina: nós viemos do norte em 60, eu já era casada com ele [Seu Jerônimo],

meu primeiro filho eu tive no Norte, nós viemos de pau de arara, três pau de arara. Sabe o que é pau de arara? Um caminhão com uma grade assim, uma lona e o povo dentro.

Entrevistador: E a senhora veio do Norte assim? Três caminhões?

Dona Catarina: Foi, três caminhões, primeiro foi nove dia e nove noite pra chegar

aqui.

Entrevistador: Em cima do caminhão?

Dona Catarina: Dentro do caminhão, aí pôs uma bancada assim e cobriu com uma

lona, e em cima da lona vinha as mercadoria que nós trouxemos. Trouxemos polvilho, farinha. Três caminhão, o dono do caminhão morava em Gurilandia, acho que ele já morreu, chamava Arlindo, era parente do Jerônimo. Três caminhão! Naquele tempo chamava pau de arara, naquele tempo trazia o povo do Norte, agora não pode mais.

Esse relato demonstra que esse movimento de migração das famílias do Norte do país para o Sudeste, coincide com o processo de estabelecimento de novas relações sociais de trabalho que passou a ser colocado em prática nas décadas de 1950 e 1960, como aponta Garcia Jr. (1989), ao mostrar que 80% da renda industrial do Brasil, no ano de 1969, estava concentrada na região Sudeste. Também neste mesmo ano, 1969, os empregos industriais concentravam-se em São Paulo e no Rio de Janeiro, chegando a marca de 65% do total do país. E é em busca desses empregos e da promessa de bons rendimentos que o fluxo

14 Morte e Vida Severina é um livro de João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955 e publicado em

1955. A obra relata a dura e sofrida trajetória de um migrante sertanejo, de nome Severino, em busca de melhores condições de vida na capital pernambucana.

migratório se estabeleceu rumo ao Sudeste do país. Entretanto, a expansão dos empregos industriais não significava a garantia de boas condições de trabalho e salários. A vulnerabilidade desses migrantes vindos do Norte começava pela maneira como aconteciam as viagens, descrita por Dona Catarina, em cima de um “pau de arara”. A designação “pau de arara”, segundo Garcia Jr. (1989), advém dos anos de 1940, quando caminhões transportavam migrantes desprovidos do Nordeste rumo às cidades do Sudeste, percorrendo de 1.500 a 3.000 km. Viagens que poderiam durar até vinte dias, que os migrantes faziam sentados em tábuas, que serviam de bancos, nas carrocerias dos caminhões.

E por que as pessoas se submetiam a tais condições? Segundo a descrição de Garcia Jr (1989), frente às arbitrariedades vividas no campo e privados de meios de possuir bens materiais e sem condições de assumir certo controle do futuro de suas vidas, os agricultores viam na partida para as cidades industriais do Sudeste uma alternativa viável, por mais que fossem extremamente custosas materialmente, física e psicologicamente.

Entretanto, segundo Garcia Jr. (1989), não foram somente o crescimento industrial e a urbanização do Sudeste que contribuíram para esse movimento migratório maciço. O autor aponta dois outros fatores importantes para compreender este movimento. O primeiro é a concorrência entre as plantations, principalmente as ligadas ao mercado de cana de açúcar, que conheceu o declínio dos engenhos e o surgimento de usinas. Garcia Jr. (1989) destaca que a despeito da importância do mercado da cana de açúcar, outras plantations precisam ser também consideradas nesse processo, como o de algodão e o de café.

O segundo fator a ser considerado foi o surgimento das primeiras associações camponesas e o impacto político que elas proporcionaram por meio da fixação de um novo quadro legal na regulação das relações de trabalho entre proprietários e trabalhadores agrícolas. Nesse sentido, Garcia Jr. (1989) acrescenta ao crescimento industrial esses dois fatores para realizar sua análise das migrações. Todos esses fatores, levantados pelo autor, aparecerão no decorrer do texto de forma entrecruzada com a vida dos assentados.

E as “andanças” desses agricultores brasileiros, em busca de melhores condições de vida, também transcendia os limites das fronteiras nacionais, em aventuras em terras paraguaias. Não são poucas as famílias assentadas que fizeram uma experiência na fronteira do Brasil com o Paraguai, como é o caso de Dona Júlia: “Me casei, vim do Paraguai pra Monte Mor e fui trabalhar com lavoura de tomate. Aí depois nós viemos morar na cidade em Monte Mor, num bairro chamado Bela Vista”.

Mas voltando ao noroeste do estado de São Paulo, as pessoas que chegavam a essa região eram majoritariamente imigrantes e migrantes trazidos por fazendeiros para trabalhar

nas lavouras de café no regime de colonato, que era a principal relação de trabalho do período. A característica desse trabalhador era o envolvimento de toda a sua família no trabalho na fazenda, um pagamento fixo pelo trato no cafezal, um pagamento proporcional pela quantidade de café colhido e um pedaço de terra para produção de alimentos para sustento da família ou para venda.

Essa forma de relação colono e fazendeiro possibilitou o aumento de capital e consequentemente o investimento no aumento nas áreas de plantio de café, pois o proprietário não pagava ao trabalhador a formação dos cafezais. Era o próprio trabalhador que pagava pelo direito de usar as terras para a produção de alimentos durante o período de produção. Para Martins (1973) esse era o segredo da acumulação do capital na economia do café.

A fazenda produzia, a partir de relações não capitalistas de produção, grande parcela do seu próprio capital. Nesse sentido é que a grande lavoura se transformou numa indústria de produção de fazendas de café, além de produzir o próprio café. Desse modo, é que na economia cafeeira a reprodução do capital assumiu a forma de reprodução extensiva de capital, pela incorporação contínua e progressiva de novas terras à produção do café (MARTINS, 1973, p. 105).

Em linhas gerais os fazendeiros entregavam parte de suas propriedades com mata para camponeses, sem ou com pouca terra, para que derrubassem e plantassem arroz, feijão, mandioca, milho, e outras culturas, mas depois, esses camponeses eram obrigados a devolverem essas áreas com capim plantado. Esse fato tem relação com o aumento da acumulação de capital por esses grandes proprietários, segundo Simonetti (1999, p. 41, grifo da autora):

Com o processo de expropriação do trabalhador, principalmente das famílias que trabalhavam nas fazendas, eles [os trabalhadores com pouca e sem terra] tinham que vender sua força de trabalho ao capitalista [os fazendeiros], que detinha agora os instrumentos ou meios de produção dos camponeses. O trabalhador foi (des)territorializado, desterrado.

E como dito anteriormente, os japoneses representaram o maior contingente imigratório na região e desempenharam um papel importante nesse processo, pois passaram a comprar, por meio de muita economia, pequenos lotes de terras das fazendas nas quais trabalhavam. Posteriormente, muitos desses pequenos lotes foram comprados pela família Ribas, com base em chantagens e em intimidações com os bois. Um relato colhido por

Borges (1997, p. 58) demonstra como foi o processo de formação dessas pequenas propriedades dos japoneses:

Confiando nesses japoneses vendeu, vamos dizer 50, 100 alqueires que eram divididos. [...] o negócio era feito através de títulos e, depois de terminado esse compromisso de compra e de venda é que os brasileiros ou os proprietários outorgavam então a escritura definitiva. [...] Daí surgiram pequenos proprietários, só que todos eles com 10 alqueires, 15 alqueires, e quando muito com 50 alqueires e que hoje permanecem ainda explorando aquela área por mais 20 ou 30 anos, aplicando a tecnologia moderna... Os municípios de Lins, Guaiçara, Promissão, Cafelândia, esses municípios foram muito beneficiados com a formação de núcleos japoneses que eram pequenos proprietários... Aqui em Promissão, nós podemos encontrar a Vila Dinísia, que tinha um bairro formado de pequenos proprietários, mas onde hoje também não resta mais nada, através do poderio do latifúndio.

O acesso de imigrantes e migrantes a pequenos lotes de terras intensificou-se com a acentuação da crise cafeeira no início dos anos de 1930. Como essa população que rumou para as terras do noroeste do estado de São Paulo era composta em grande parte por homens jovens, com grande capacidade de trabalho, isso lhes conferiu um rendimento de salário maior do que em outras regiões. E como não havia muitas opções de investimento na região, essa poupança acumulada foi usada quando os grandes fazendeiros se viram com dificuldades financeiras (BORGES, 1997).

Nesse período de crise, os fazendeiros passaram a vender pequenas parcelas de suas propriedades, que eram impróprias para a produção de café e com esse recurso refaziam seus cafezais. Essas pequenas propriedades ficaram agrupadas em áreas contíguas, formando os chamados bairros rurais, ou, no caso dos japoneses, as colônias japonesas (BORGES, 1997). Com esse novo movimento, a configuração fundiária dos anos 1930 no município de Promissão, segundo dados do censo de 1935, é de que havia uma predominância de pequenas propriedades. Das 3.025 propriedades, 2.953 não tinham mais de 50 alqueires; destas, 1.975 tinha até 10 alqueires. E somente nove propriedades tinham 1.000 ou mais alqueires (SIMONETTI, 1999; SANTOS, 2007).

Isso conferiu à região uma nova conformação, principalmente a partir dos anos de 1940. Este número significativo de pequenas propriedades iniciou uma nova dinâmica produtiva, com culturas de algodão e cereais. A cultura do café coexistiu, nesse período, com essas novas culturas, mas na década de 1950 a política nacional de erradicação do café intensificou a substituição das lavouras de forma geral pela pecuária. Esse novo processo marcou o início da inversão da composição populacional na região, com a saída de cena dos

pequenos proprietários e a predominância de grandes latifúndios pecuários. Dados do IBGE mostram que em 1940 a população rural em Promissão ultrapassava a marca de 19 mil habitantes e, em 1960, essa população representava pouco mais de 10 mil, chegando em 1980 a 4.323 moradores no campo (BORGES, 1997).

Borges (1997) aponta para um ponto importante dentro dessa dinâmica de diminuição das pequenas propriedades que vale deixar marcada. Segundo a autora, mesmo sendo tênue, o fator herança nessas pequenas propriedades serviu para o seu enfraquecimento, pois na época as famílias contavam com uma média de oito a dez filhos, como conta Seu Chico:

Seu Chico: Lá, o sítio era pequeno. A gente fala o que é verdade, era 15 alqueires,

mas lá tinha uns que pertencia do finado pai, dos pais dele lá, e nós éramos em 8 na família, em 10 com o pai e a mãe. O sitinho era pequeno, falar o que é verdade, bastante gente, né?

Assim, a divisão das pequenas propriedades em um número grande de herdeiros fazia com que essas propriedades não garantissem uma rentabilidade suficiente para as novas famílias que eram constituídas. E como o regime de arrendamento não era mais uma prática, a solução encontrada foi vender a pequena parte ao fazendeiro e rumar para a cidade. Isso demonstra que a despeito dos elementos externos, que já proporcionavam o desmonte do sistema de pequenas propriedades, elas próprias contaram com problemas nascidos em seu seio, o que determinou suas incorporações aos grandes latifúndios.

A substituição das lavouras de café para a de algodão e cereais e depois para a pecuária conferiu um posição privilegiada para a família Ribas, que vinha investindo no setor desde o início da crise do café, em 1930. José Corrêa Ribas, também havia aproveitado no período da crise para iniciar a compra de terras de fazendeiros com dificuldade ou falidos. O pagamento dessas terras havia sido parcelado em até cinco anos. Todavia, aproveitando- se da experiência da família com o açougue e percebendo a dificuldade dos outros fazendeiros com o café, José Ribas começou a trocar o café pela pecuária de corte. Justamente por conta de seus contatos na rede de comércio de carnes, ele conseguiu que seus bois começassem a ser enviados para frigoríficos de São Paulo, Carapicuíba e Santos (SIMONETTI, 1999; NORDER, 2004).

Desde esse período em que a família Ribas começou a entrar no mercado de terras e a fazer a substituição do café pela pecuária, a sua estratégia era a de arrendar terras para

trabalhadores sem terra ou com pouca terra para que plantassem uma safra de algodão, amendoim ou milho. O trabalhador, além de pagar a parte do arrendamento da terra à família Ribas, tinha que entregar a terra semeada com capim. Desse modo, o pasto era plantado sem que com isso fosse necessário ser gasto o capital da família. Esta relação estava inserida dentro da lógica de expansão das relações capitalistas de produção, que é resultado da expropriação do trabalhador e seus meios de produção, como visto anteriormente.

O processo da formação da Fazenda Reunidas, portanto, data no início dos anos de 1930 e vai até meados da década de 1960, ou seja, em torno de 35 anos. Esse espaço de tempo coincide com o desaparecimento de aproximadamente 500 pequenas propriedades no município de Promissão e, segundo Borges (1997), trata-se de um processo de acumulação primitiva constitutivo da história dessa região. É notório que a maior parte das escrituras de compra da Fazenda Reunidas se refere, justamente, a pequenas propriedades. É importante dizer que a grande parte destas escrituras é facilmente identificada com nomes de japoneses e descendentes (SANTOS, 2007; SIMONETTI, 1999).

Entretanto, como visto, a estratégia de compra dessas pequenas propriedades não utilizou somente a oferta de compra, mas sim, intimidações, assédios e um claro emparelhamento com o poder público, sobretudo o judiciário. Um colono da época fez o relato de sua experiência a Borges (1997):

(...) morei na Fazenda Palmeiras, que é vizinha dessa Fazenda Reunidas. Morei 6 anos lá. Ela era do finado Joaquim Carvalho. Os Ribas que compraram. Morei dois anos com a família [que comprou]. Eu, com 14 anos de idade, era peão deles; trabalhava com eles no campo, mexendo com boi, né? E aí a gente conheceu eles bem [a família Ribas]; sabe que o negócio deles é esse, é só puxar pra eles. A compra dos sítios aqui, até eu, se tivesse sítio, eu tinha que vender pra eles. Porque eles compravam um sítio de um lado, havia aquele no meio que não tava querendo vender, e ele só comprava em volta, comprando em volta. Depois que eles compravam, cercavam o coitado aí no meio e soltavam o boi todo na roça daquele cara. O cara tinha que vender ou largar tudo para eles. (...). Não adiantava ir ao fórum, em lugar nenhum. Ia lá fazer queixa, tinha vez que meu pai nem entrava dentro do fórum, porque os homens não davam importância mesmo! E assim ele foi fazendo, foi comprando várias fazendas desse jeito aí, tudo na marra, espancando e soltando boi em todo canto... e agora, até nas igrejas que tinha nas fazendas eles soltavam boi, dentro das igrejas! Assim eles fizeram. O negócio deles é só acabar com tudo e se deixar eles fazem até hoje (BORGES, 1997 p. 82).

Os procedimentos da família Ribas, porém, não se tratavam somente de soltar o gado nas terras do seu interesse, mas também de colocar fogo em plantações de café e nas matas destas propriedades. Algo muito parecido com a estratégia que os pioneiros que iniciaram a

colonização do noroeste paulista faziam com os índios. O relato acima, portanto, mostra que os procedimentos para conseguirem reunir tantas terras passaram por métodos truculentos e criminosos. Em muitos casos, os camponeses, por medo, iam embora de suas propriedades e deixavam para trás todos os seus pertences, de porcos a tratores, quando da menor ameaça de qualquer membro da família Ribas. Esses exemplos de intimidação eram mais frequentes com os proprietários japoneses, principalmente no período entre 1941 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses passaram a serem perseguidos e discriminados (BORGES, 1997; NORDER, 2004).

Estes crimes, todavia, não eram denunciados e muito menos investigados, pois os que supostamente deveriam garantir o cumprimento da lei no município estavam mancomunados e aparelhados com a família. Isso porque, segundo outro relato colhido por Borges (1997, p. 83), “a lei protegia eles porque eles eram grandes”. Essa dicotomia, “grande” significar não ser atingido pelas leis e, “pequenos”, significar serem atingidos pelas leis, vai atravessar o tempo e vai ser novamente feita pelos assentados, no que tange a lei de regulação do uso da água, ao afirmarem que para os grandes não haverá regulação.

Aos poucos as pequenas propriedades começaram a desaparecer; junto delas, a relação de trabalho de colono, de meeiro e de arrendatário também declinou. Isso porque, depois de certo tempo, não ficou mais viável ao fazendeiro arrendar as terras para os pequenos agricultores e os agricultores sem terra. O relato que segue, de Dona Catarina, faz uma síntese desse movimento no campo brasileiro:

Dona Catarina: Aí nós viemos com a roça, tocamos roça na fazenda perto de

Araçatuba, perto de Gozolandia, tudo terra arrendada de fazendeiro, por quatro ano pra plantar capim, pegamos uma terra, derradeira terra que nós plantamos, lá de Jales. Ele [o fazendeiro] deu a terra pra nós, dada pra nós plantar, mas parece que com 4 anos, foi 2 anos nós tinha que dar ela prontinha, plantado de capim. E Jerônimo pegou mais os irmão dele, era uma colônia de casa, chamava “colônia dos piolho”. E tinha uns fazendeirinho lá, dizia: “O que? Esse povo aí vai morrer de fome aqui!”. Nós entramos com a cara e a coragem, dinheiro não tinha. O que nós tinhamos era farinha, uns 4 saco de arroz, galinha e uns porcos. O Jerônimo ainda tinha, mas o irmão dele que morava em Rio Claro, que morreu também, o irmão dele mais velho, só levou os filho, não tinha nada disso. E aí “esses homem vai morrer aqui de fome”, mas foi engano. Menino, esses menino aí juntaram tudinho, era um bocado de irmão, juntaram tudinho e meteram a foice. Naquele tempo num tinha trator não, era na foice,

roçava mato. Quando era mês de agosto, metia fogo, e cada um tocava um pedaço, um alqueire, dois alqueires pra um, dois alqueires pra outro. E nós plantamos, era na beira de um córrego, tinha uma água medonha, nós fazia um buraco de mina, a água que nós bebia era da mina. E criamos porco adoidado, criamos cabrito. Jerônimo tinha bastante cavalo, ele sempre gostava de trabalhar com animal. E deu arroz, mas deu um arroz, deu de tudo. Quando fomos pra Rio Claro, o homem que levou a mudança falou: “Vocês vão enricar”, levamos de tudo, levei 4 lata de banha de porco, 2 lata de carne frita, um saco cheio de pele de porco, uma fartura que precisa de ver. Foi preciso nós irmos embora pra cidade que o fazendeiro naquele tempo não arrendava mais terra pra ninguém...

Aqui é importante interromper a fala de Dona Catarina para fazer uma observação importante. Nessa descrição sobre o processo de produção nas terras arrendadas, cabe destacar a importância dada à água: “E nós plantamos, era na beira de um córrego, tinha uma água medonha, nós fazia um buraco de mina, a água que nós bebia era da mina”. Note- se que na descrição da terra arrendada para a produção, o córrego é contado, pois as suas