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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES COMO PROCESSO

A sociedade contemporânea, em função dos avanços tecnológicos, lida com o dinamismo provocado pela aceleração das informações em todas as áreas: econômica, social, política, cultural, ambiental e educacional. No que concerne a essa última, destaca-se, aqui, o profissional professor, um dos agentes responsáveis

no processo de formação dos alunos e que se depara com o desafio de enfrentar as exigências da contemporaneidade.

No Brasil, como apresentado no Plano de Desenvolvimento da Educação, são utilizados dados oficiais de avaliação como forma de aferir o desempenho escolar, e estes são utilizados como parâmetros de investimento na educação básica. Além do Ideb, índice nacional, as avaliações externas , como o Pisa, repercutem na avaliação do trabalho educativo, e são considerados como demonstrativos da dificuldade da escola em cumprir o papel do ensino. Em relação a essa realidade, Franco (2012), refere-se ao fomento de debates pedagógicos que discutem as necessidades educativas e questiona como a pedagogia pode oferecer aportes teóricos aos professores, para possibilitar que estes criem ações mediadoras de ensino para a aprendizagem, uma vez que, os dados das avaliações nacionais e internacionais indicam que a escola e os professores, nas suas funções, no processo do ensino e aprendizagem, não estão alcançando os seus objetivos, como também, a legislação pertinente é elaborada por quem não tem conhecimento apropriado e há indefinição nos currículos do que ensinar, levando a sociedade a apresentar dúvidas em relação à finalidade de estudar. Sobrepondo a todos esses fatores, no Brasil, a profissão docente, principalmente quando se destaca a educação básica, é questionada, em função dos resultados aferidos pelos diferentes sistemas avaliativos, como os citados, que indicam a insuficiência de aprendizagem por parte dos alunos.

Em se tratando do profissional professor, Penin, Martínez e Arantes (2009), destacam que o termo profissionalização abrange a formação do sujeito desde a sua preparação para exercer a profissão, como todo o processo de formação continuada perpassado e ainda afirma que “formação inicial e continuada são parte, portanto, de um mesmo processo de formação profissional”. Isso é corroborado por Pimenta (2002) e Tardif (2006), quando, no que tange aos professores, apontam que os conhecimentos profissionais, tanto em suas bases teóricas quanto em suas consequências práticas, são progressivos e esses avançam, sendo necessária, uma formação contínua e continuada. A formação contínua corresponde a uma interface entre a formação teórica à vivência na prática da docência, abrindo possibilidades aos futuros professores a refletirem sobre as condições reais da profissão. A

formação contínua, nos cursos universitários, se caracteriza como processo formativo na etapa pós-universitária, na forma de pesquisa, por meio de projeto de formação inicial e continuada, articulado entre as universidades e as escolas, oferecendo apoio aos professores iniciantes para exercerem sua atividade de ensinar.

A LDB, ao se reportar ao profissional da educação no parágrafo único do artigo 61, contempla a questão da continuidade do processo de formação do professor quando expõe sobre os fundamentos inerentes à formação de profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, entre eles:

II- “a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço (LDB, 1996)”.

No artigo 62, define as exigências para a atuação na educação básica pertinentes à formação de docentes, e no 1º parágrafo evidencia que, em regime de colaboração, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério.

Os fatores intrínsecos e extrínsecos da realidade em que os professores sedeparam nos sistemas escolares e no dia-a-dia do seu trabalho, como as condições precárias de salário e de infraestrutura, a falta de recursos materiais e a falta de apoio por parte das secretarias de educação, são considerados por Penin, Martínez e Arantes (2009), Pimenta (2002) e Tardif (2006), entre outras situações, como fatores que, além de dificultarem o aperfeiçoamento de professores em serviço, comprometem a sua qualidade, contrariando, portanto, os fundamentos elencados na legislação vigente. Porém, Nardi et al. (2008) afirmam que, mesmo diante de todas as situações citadas, os professores procuram se atualizar por meio de fontes diversificadas, não permitindo que o seu trabalho fique estagnado ao longo do tempo e a busca pelo conhecimento se dá por meio das leituras de textos de jornais, revistas e internet, grupos de estudo que possibilitam intercâmbio com os colegas e reflexão sobre a prática, participação em palestras e cursos, muitos desses

oferecidos pelas Secretarias da Educação e pelas instituições de ensino superior, o que sugerem, que tal processo possa ser designado por “formação continuada”.

Na maioria dos países, Tardif (2006), considera que, ainda hoje, mesmo o professor sendo um dos principais agentes no processo escolar e tenha um papel relevante, tal qual ao da comunidade científica, no que condiz ao aspecto sociocultural, na estrutura de poder e nos mecanismos de decisão, a sua autonomia, no que diz respeito à estrutura escolar, à organização e ao desenvolvimento do seu trabalho é muito reduzida, e, sobre esse ponto o autor pondera que,

[...] se quisermos que os professores sejam sujeitos do conhecimento, precisamos dar-lhes tempo e espaço para que possam agir como atores autônomos de suas próprias práticas e como sujeitos competentes da sua profissão (TARDIF, 2006, p. 243).

Numa breve retrospectiva, Bastos e Nardi (2008), apontaram que, nas décadas de 1960 e 1970, os cursos de formação de professores proporcionaram uma base assentada na psicologia comportamentalista, gerando a visão do professor como um “profissional técnico”; nas décadas de 1980 e seguintes, o modelo conhecido como “da racionalidade técnica” ou “aplicacionista” foi criticado sob a perspectiva de que, ao enfatizar na formação de professores os procedimentos de ensino, deixa de lado a discussão fundamental sobre finalidades do trabalho educativo. As discussões decorrentes produziram novos posicionamentos sobre a formação de professores no que diz respeito ao trabalho do professor em aula, enfatizando a sua prática, e, a reflexão na e sobre ela, surgindo assim, a imagem do professor como um “investigador” da sua própria prática, emergindo, na mesma linha, o modelo do professor como um profissional “reflexivo”. Esse modelo também sofreu críticas referentes a essa reflexão limitada no âmbito imediato da prática da sala de aula, sem levar em conta fatores extrínsecos (social, político, econômico e cultural) que influenciam no processo ensino e aprendizagem. Outras abordagens da formação de professores, em contraposição ao tecnicismo e ao professor reflexivo, defendem a ideia do professor como intelectual crítico. Nesse modelo, o papel da teoria (os saberes acadêmicos sobre educação, escola, sociedade, etc), na formação da docência é enfatizado, contrastando as outras vertentes, que evidenciam a dimensão prática do trabalho do professor.

O processo de identidade profissional docente, de acordo com Nóvoa (2013), é sustentado por três aspectos, os quais os abreviam por AAA: adesão, ação e autoconsciência. O primeiro A, está associado ao fato de que ser professor implica a adesão a princípios e a valores, a adoção de projetos com vistas ao desenvolvimento das potencialidades dos educandos. O segundo A, está associado a maneira de agir, a qual se relaciona diretamente com a postura profissional e pessoal, que estão imbricadas à postura pedagógica. O terceiro A, referente à autoconsciência, se relaciona ao processo de reflexão, a qual o professor analisa a sua própria ação, o que para o autor, “é uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo” (NÓVOA, 2013, p. 16).

A necessidade de mudança no campo educacional é discutida por Nóvoa (2009) e, a formação de professores é um dos pontos considerados, ao argumentar que esta deve ser construída dentro da profissão, uma vez que, neste início do século XXI, os professores retornaram ao centro das preocupações educativas. Segundo o autor, na década de 1970 foi evidenciada a racionalização do ensino, numa pedagogia voltada para o planejamento, focada em objetivos. Já a década de 1980, foi marcada pelas reformas educativas e voltada às questões do currículo. Na década de 1990, o foco centrou-se na organização, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino. Em relação ao trabalho docente nas sociedades contemporâneas, o autor recorre ao conceito de disposição, no lugar de competências ao se referir à qualidade deste trabalho. Ao introduzir esse novo conceito, no campo educacional, o autor pretendeu romper com um debate sobre competências, conceito este que lhe parece saturado e o remete a ligação entre as dimensões pessoais e profissionais na produção da identidade docente.

Assim, Nóvoa (2009) enfatiza a (pré) disposição da profissionalização docente, que não é natural, mas construída, internamente, na pessoalidade do professor, constituída pelo sentido cultural. Nesse sentido, o autor destaca cinco disposições fundamentais para desenvolver o profissional professor, que são:

a) o conhecimento: o trabalho do professor se constitui na construção de práticas docentes que levam os alunos à aprendizagem; sendo, portanto, necessário conhecer bem aquilo que se ensina;

b) a cultura profissional: está ligada ao contexto do que é ser professor e envolve a compreensão da abrangência da instituição escolar, da integração no âmbito da profissão, do aprender com a experiência dos colegas. Para o autor, é no cotidiano da escola e no diálogo com os colegas de trabalho que se aprende a profissão, e aponta como elementos fundamentais para o aperfeiçoamento e a inovação, o registro das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação;

c) o tato pedagógico: concernente à capacidade de se relacionar e se comunicar com o outro e, no processo do ensino, se refere à forma de lidar com o educando para se alcançar a aprendizagem, indicando que, inevitavelmente, as dimensões profissionais se conectam com as dimensões pessoais;

d) o trabalho em equipe: configura-se na coletividade e na colaboração dentro da profissionalização docente, provocando, de forma conjunta, a intervenção nos projetos educativos da escola. Isso leva a um exercício profissional provocando uma organização em torno de “comunidades de prática”, as quais o autor relaciona a um espaço conceitual construído por grupos de educadores que discutem ideias sobre o ensino e aprendizagem, com base nas pesquisas, buscando inovações para enfrentarem os desafios da formação cidadã dos alunos;

e) o compromisso social: coaduna-se ao trabalho escolar e a participação do profissional docente no espaço público da educação e, para tanto, exige capacidade de comunicação e intervenção dos professores.

Essas disposições são consideradas, pelo autor, como indicativos para inspirar uma renovação dos programas e das práticas de formação de professores, tanto para a formação inicial, para aqueles que pretendem se candidatar a profissão docente, quanto para aqueles que já atuam como professores, sendo favorável, uma formação de professores construída dentro da profissão, que tem, como base, uma

combinação de contribuições no campo científico, pedagógico e técnico, mas que têm, como suporte, os próprios professores, sobretudo, aqueles com mais experiência e reconhecidos pelo seu trabalho docente.

Nesse sentido, Maldaner (2000) defende a ideia de que os resultados das pesquisas educacionais serão efetivados, de fato, se os professores participarem, de alguma forma, no seu desenvolvimento, caso contrário, mesmo aquelas que envolvam situações e professores de ensino médio e fundamental, circularão no meio acadêmico, mas não chegarão às escolas, ou se chegarem, não serão com força suficiente para produzirem mudanças nas práticas educativas. As publicações acadêmicas, mesmo sendo disponibilizadas em revistas, em livros e na internet, devido à falta de investimento pela maioria das escolas na aquisição desses materiais atualizados, não alcançam os professores. Os pesquisadores em educação, principalmente, aqueles ligados à formação de professores, estão convictos de que “a pesquisa educacional deve ser realizada com a participação dos professores, tanto em sua formação inicial, quanto na sua formação continuada” (MALDANER, 2000, p. 88).

Nessa perspectiva, Batista et al. (2013) desenvolveram um estudo com o objetivo de analisarem os aspectos pedagógicos de uma formação de alunos inseridos no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Química da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), realizada na perspectiva do movimento CTSA. A formação envolveu pesquisadores do curso do mestrado profissional em Educação em Ciências e Matemática e 17 alunos do curso de Licenciatura em Química da UFES, todos participantes do PIBID. A formação dos alunos do PIBID produziu, de forma colaborativa, a elaboração de sequências didáticas (SD)1, articulando conteúdos programáticos de Química com a realidade

local e regional dos alunos do Ensino Médio das Escolas Estaduais. As SD produzidas, a partir de temas socioambientais de CTSA, com base na proposta de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), foram aplicadas em escolas públicas de EM do Estado do Espírito Santo, abordando as 07 categorias da pedagogia da

1 Entende-se sequência didática como “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelo professor como pelos alunos” (ZABALA, 1998, p. 18).

Práxis, a saber: globalização, interdisciplinaridade, virtualidade, dialogicidade, sustentabilidade, planetaridade e cidadania. Esse estudo demonstra que há possibilidade de conciliar o desenvolvimento da pesquisa com a participação dos professores, permitindo uma interação entre os pesquisadores e os professores na sua prática docente.

Em pesquisa realizada no Estado de São Paulo, Krasilchik (1987) destacou fatores que influenciam negativamente no ensino de Ciências, entre eles: a preparação deficiente dos professores, no que diz respeito às licenciaturas, em relação ao conhecimento das próprias disciplinas e a deficiência na área metodológica; a programação dos guias curriculares, dependente de um sistema centralizado de decisões; má qualidade dos livros didáticos; falta de laboratórios nas escolas; falta de equipamento ou de material para as aulas práticas; obstáculos criados pela administração das escolas; sobrecarga de trabalho dos professores; falta de auxílio técnico para reparação e conservação do material. Sobre as condições para o melhoramento do ensino de Ciências, na mesma pesquisa foram salientados: a democratização do processo de decisão nas escolas; equipamento adequado; construção de laboratórios; fornecimento de merenda e material escolar aos alunos; fornecimento de material de apoio; aumento de número de horas para planejamento; elaboração de currículo mínimo a ser seguido por todas as escolas estaduais e o desenvolvimento de programas de aperfeiçoamento para professores.

A valorização profissional do professor da educação básica perpassa, como situada anteriormente, por condições salariais e de trabalho, como, também, necessita de sua inserção no processo da construção e concretização do currículo a ser desenvolvido na escola e dentro da sala de aula, como Maldaner (2000, p. 87) nos afirma ao citar que,

Estes seriam os tempos e espaços de pesquisa dos professores. Até aqui, o professor do ensino médio e fundamental não está sendo visto como alguém que cria um currículo, mesmo que siga roteiros de aula concebidos por outrem. São as ênfases, as interpretações, o detalhamento e toda uma gama complexa de relações em sala de aula que exigem que o professor crie situações na prática e aponte saídas. Esse é o espaço de pesquisa do professor ao qual não é dada atenção e o seu trabalho de criação se esgota no tempo da sala de aula.

O avanço tecnológico na área da comunicação abriu espaços para os professores da escola e da própria universidade terem acesso às produções realizadas e usarem como apoio para a sua formação inicial e continuada, segundo Maldaner et al. (2006). Contudo, isso não ocorre satisfatoriamente, considerando as possibilidades de melhora que a pesquisa educacional na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias poderia ter provocado, nas salas de aula do ensino básico e nas próprias licenciaturas, devido ao despreparo dos professores, às condições de trabalho, às orientações curriculares instaladas nas escolas, à falta de material para o ensino, entre outros fatores. Ao discutirem os pressupostos teórico-práticos que orientam as ações pedagógicas e as pesquisas na área de educação em Ciências, Moraes et al. (2004) refletem sobre o aprender a ser professor, e, no entender desses autores, a apropriação do conhecimento profissional do professor ocorre na reflexão sobre a sua prática e a análise das ações desenvolvidas com os alunos, de tal forma que busque o entendimento das questões relativas ao ensino e a aprendizagem. Resumindo, seria o professor pesquisar a sua própria prática.

2.4 AS RELAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE COM OS ASPECTOS