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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.5 O ENFOQUE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE-AMBIENTE (CTSA) NA

Em uma era de dinamismo, provocado pelos avanços tecnológicos, ainda assim, depara-se com situações extremas de falta de informações e conhecimentos básicos para a compreensão do ser humano na sua relação com a natureza e/ou com a sociedade, demonstrando a necessidade de uma avaliação crítica no que condiz aos aspectos sociais e educacionais. Para atender às demandas emergentes provocadas pelos avanços advindos desse desenvolvimento, ressalta-se a relevância da educação científica na sociedade atual. Santos (2011) aborda a importância do enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), no ensino de Ciências que surgiram no contexto das discussões sobre o papel e as implicações da ciência e da tecnologia na sociedade e no ambiente, constituindo-se em um movimento. Ainda, segundo esse autor, há vários slogans para a educação científica: educação científica para a cidadania, educação científica humanística, educação científica para todos, e ciência para a vida. Para Vale (1998, p. 13), os objetivos da educação científica são:

[...] a) o objetivo primeiro da Educação Científica é ensinar Ciência e Técnica de modo significativo e interessante a todos, indistintamente, atendendo a quantidade (todas as camadas sociais) com qualidade (com o ensino centrado na compreensão do fato científico); b) colocar a prática

social como ponto de partida e de chegada da Educação Científica tomando o contexto como fonte de inspiração para a determinação dos conteúdos científicos e técnicos a serem trabalhados pela comunidade escolar sob a orientação e mediação do professor; c) criar as condições para a formação do espírito científico como etapa além do senso comum das pessoas ( o grifo do autor).

Nesse sentido, segundo o autor, o docente da área científica deverá possibilitar condições que propiciem habilidades para o trabalho de observação, de coleta de informações, de avaliação, considerando-se a formação de um aluno questionador e, por meio do seu estímulo e a sua orientação, despertar neste, a criticidade na sua avaliação dos conhecimentos em função das necessidades sociais.

Ao se discutir a educação científica e a sociedade, Vale (1998) ressalta a importância de se pensar a educação escolar pública para que esta possa, centrada no ensino, oferecer as condições básicas para o desenvolvimento da juventude, no sentido dela se apropriar de maneira significativa do conhecimento relevante construído pela humanidade ao longo da história. O autor defende, ainda que a educação científica deva ser iniciada desde a fase infantil, cultivando a curiosidade da criança.

Pensar em uma educação científica crítica, no entender de Santos (2008), significa fazer uma abordagem com a perspectiva de questionar os modelos e valores de desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade, discernindo que a tecnologia não confere aos tecnocratas a restrição das decisões. Ao contrário, para o autor,

[...] o que se espera é que o cidadão letrado possa participar das decisões democráticas sobre ciência e tecnologia, que questione a ideologia dominante do desenvolvimento tecnológico. Não se trata de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno representações que o preparem a absorver novas tecnologias. Quando essas percepções não são claramente explicitadas nos cursos com enfoque CTS, pode-se dizer que eles podem gerar uma concepção ingênua da visão de ciência (SANTOS, 2008, p. 114).

Na perspectiva de apontar um olhar crítico sobre visões reducionistas do enfoque CTS no ensino de Ciências, o autor resgata a concepção educacional do educador Paulo Freire, a qual contribui para a construção de uma proposta de ensino de CTS humanística, ressaltando ainda que, o movimento CTS, surgido no contexto de países do Primeiro Mundo, acabou se restringindo ao contexto daqueles países. As

propostas curriculares com enfoque CTS, nesse movimento, abordavam a discussão de questões centradas nos impactos tecnológicos na sociedade e, sobretudo, em suas consequências ambientais, razão pela qual, segundo Santos (2008), decorreu também a adoção da sigla CTSA, sendo a letra A, referente ao ambiente, como mais um foco de análise nas inter-relações da tríade CTS4.

De acordo com Santos e Schnetzler (2003), o movimento mundial de ensino CTS teve a sua origem no início da década de 1970, decorrente das consequências oriundas do impacto da ciência e da tecnologia na sociedade moderna, o que levou a uma discussão em vários países, em uma mesma época. Esses autores ressaltam, ainda, a explicação para o referido ensino, evidenciada no caráter interdisciplinar imbricado nas aplicações da ciência e da tecnologia e estas relacionadas aos aspectos sociais, vinculadas à formação da cidadania. Também se manifesta a importância do ensino CTS,

[...] pelos resultados de várias pesquisas desenvolvidas com o objetivo de captar a concepção de alunos e do público em geral sobre as interações entre ciência, tecnologia e sociedade, os quais constataram que tanto o público em geral, quanto os estudantes não possuem uma compreensão satisfatória dos aspectos fundamentais da ciência e da tecnologia que fazem parte da sua vida diária (SANTOS, SCHENETZLER, 2003, p. 18).

No Brasil a partir da década de 1960, segundo Krasilchik (2000), a estrutura curricular do ensino das Ciências, deveu-se ao contexto das transformações no campo político e social e, na década de 1980, a renovação do ensino é influenciada pelas implicações sociais do desenvolvimento científico e tecnológico. Esse período da história do ensino de Ciências influenciou, de forma marcante, nas tendências curriculares das várias disciplinas, tanto no ensino médio, como no fundamental, e, ao longo das últimas décadas, foi dando lugar a outras modificações, em função de fatores políticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez, em transformações das políticas educacionais, cumulativas em função, das quais, ocorreram mudanças no ensino de Ciências como demonstradas no Quadro 1.

Quadro 1 - Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino 1950- 20005 Situação Mundial Tendências no Ensino 1950 1970 1990 2000

Guerra Fria Guerra Tecnológica Globalização

Objetivo do Ensino • Formar Elite • Formar Cidadão-trabalhador • Formar Cidadão-trabalhador-estudante • Programas Rígidos • Propostas Curriculares Estaduais • Parâmetros Curriculares Federais Concepção de Ciência • Atividade Neutra • Evolução Histórica • Atividade com Implicações Sociais • Pensamento Lógico-crítico

Instituições Promotoras • Projetos Curriculares • Centros de Ciências, Universidades • Universidades e Associações de Reforma Profissionais

Modalidades Didáticas • Aulas Práticas • Projetos e Discussões • Jogos: Exercícios no Computador Recomendadas

Fonte: Krasilchik (2000).

“A admissão das conexões entre a ciência e a sociedade implica que o ensino não se limite aos aspectos internos à investigação científica, mas à correlação destes com aspectos políticos, econômicos e culturais” (KRASILCHIK, 2000 p.89). Essa nova concepção de ensino contrapõe aquela baseada numa organização conceitual de conteúdos (o ensino de ciência pura) e, na abordagem CTSA o ensino está vinculado às discussões de temas relacionados aos aspectos tecnológicos e sociais que a ciência traz na modificação da nossa sociedade. De acordo com os pressupostos do educador Freire (2005), a educação relaciona-se com o “conhecimento crítico da realidade”, como corrobora Santos (2008, p.122) ao afirmar que,

[...] uma educação com enfoque CTS na perspectiva freireana buscaria incorporar ao currículo discussões de valores e reflexões críticas que possibilitem desvelar a condição humana. Não se trata de uma educação contra o uso da tecnologia e nem uma educação para o uso, mas uma educação em que os alunos possam refletir sobre a sua condição no mundo frente aos desafios postos pela ciência e tecnologia.

5 Esse estudo da autora foi evidenciado para demonstrar o avanço do ensino de Ciências em relação às abordagens da ciência com as implicações sociais, no período destacado por ela.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), (BRASIL, 2001), na área de Ciências da Natureza, é necessário favorecer a construção da autonomia de pensamento e ação, tendo em vista que:

Considerando a obrigatoriedade do ensino fundamental no Brasil, não se pode pensar no ensino de Ciências Naturais como propedêutico ou preparatório, voltado apenas para o futuro distante. O estudante não é só cidadão do futuro, mas já é cidadão de hoje, e, nesse sentido, conhecer Ciência é ampliar a sua possibilidade presente de participação social e desenvolvimento mental, para assim viabilizar sua capacidade plena de exercício da cidadania (BRASIL, 2001, p. 23).

Essa afirmação vem ao encontro das discussões acerca da alfabetização científica, a qual, para Chassot (2003), pode ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida e, ainda defende que, a ciência é uma linguagem. “Assim, ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza. É um analfabeto científico aquele incapaz de uma leitura do universo” (CHASSOT, 2003, p.91).

Sobre o ensino de Ciências, esse autor relata a sua situação no século passado, nos anos de 1980, e talvez, sem exagero, se poderia dizer até o começo dos anos de 1990, que era um ensino centrado quase exclusivamente na necessidade de fazer com que os estudantes adquirissem conhecimentos científicos. Estabelecia a relação do professor, como um transmissor de conteúdos (de forma massiva) e os estudantes, como os receptores desses conteúdos, caracterizando assim, segundo Paulo Freire, uma educação bancária. Porém, atualmente não se pode mais conceber propostas para um ensino de Ciências sem incluir, nos currículos, componentes que estejam orientados na busca de aspectos sociais e pessoais dos estudantes (CHASSOT, 2003). Além disso, há a necessidade de utilizar metodologias de ensino que possibilitem ao aluno construir seu próprio conhecimento. Deve-se, no entanto, considerar a diversidade de recursos pedagógico-tecnológicos disponíveis e a amplitude de conhecimentos científicos a serem abordados na escola.

Nesse sentido, o processo de ensino e aprendizagem provoca mudanças, que vão dos papéis de professor (transmissor) e o aluno (receptor) à nova postura do professor, como mediador do conhecimento, quanto ao do aluno, participativo nas

atividades de ensino. Portanto, o processo de ensino e aprendizagem deve estar voltado a uma relação dialética entre alunos e professores e vice-versa, levando em consideração a realidade individual e coletiva. Essa proposta de ensino deve ser tal que leve os alunos a construir seu conteúdo conceitual, participando do processo de construção e dando oportunidade de aprenderem a argumentar e exercitar a razão, em vez de fornecer-lhes respostas definitivas ou impor-lhes seus próprios pontos de vista transmitindo uma visão fechada das ciências (CARVALHO, 2004).

Assim, ao se propor novas estratégias, almeja-se também encorajar, nos alunos, o pensamento criativo, promovendo a investigação e integrando as áreas diversas de conhecimentos, o que demanda uma forma realista de noção de criatividade científica que é compatível no contexto da educação escolar. Dado que a imaginação e a criatividade são consideradas centrais para a natureza da ciência, uma boa educação científica não só pode ajudar, mas promover as habilidades dos alunos, além disso, a criatividade na ciência escolar pode abrir novas perspectivas para professores e alunos, e pode fornecer uma resposta para o problema perene de engajamento dos alunos na ciência.

Nas novas propostas de ensino de Ciências no Brasil, direcionadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Carvalho (2004), acerca do conteúdo curricular, afirma que este ganha novas dimensões em relação ao entendimento do conceito de conteúdo escolar, passando a incluir, além da dimensão conceitual, as dimensões procedimentais e atitudinais. Segundo ela, essa mudança exige, também, modificações no desenvolvimento do trabalho em sala de aula desse conteúdo, levando o professor das disciplinas de Ciências da Natureza e das disciplinas correlatas a repensar suas práticas pedagógicas, renovando as formas de contextualização para motivar o interesse dos alunos pelo estudo das Ciências. Para isso, é preciso a utilização de metodologias de ensino que possibilitem aos alunos construírem seu próprio conhecimento e que o levem a avançarem em seus conceitos, habilidades e atitudes. O ensino de Ciências da Natureza é uma das áreas que pode contribuir para o desenvolvimento de uma postura investigativa, produzindo reflexões críticas acerca do papel da ciência e da tecnologia e os impactos sobre a sociedade e o ambiente. O estudo das ciências de forma

fragmentada, que não propicia um processo investigativo e que não promova uma interação direta com os fenômenos naturais, tecnológicos e sociais, deixa uma enorme lacuna na formação dos alunos. “A falta de informação científico-tecnológica pode comprometer a própria cidadania, deixada à mercê do mercado e da publicidade” (BRASIL, 2001, p. 22).

As propostas curriculares para o ensino de Ciências na perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), de acordo com Santos e Mortimer (2001), apresentam, como meta principal, a preparação dos alunos para o exercício da cidadania, o que abrange a capacidade de tomada de decisão, para uma ação social responsável. Para isso, segundo os autores, precisa-se ir além do ensino conceitual, direcionando-se rumo a uma educação voltada para a ação social responsável, em que haja preocupação com a formação de atitudes e valores. Exige-se assim, que no processo de ensino de Ciências, os professores insiram discussões sobre temas sociais, abordando os aspectos ambientais, culturais, econômicos, políticos e éticos relativos à ciência e tecnologia e atividades de engajamento social dos alunos, pois “uma educação científica que se pretende neutra é ideologicamente tendenciosa. Ela, ao invés de preparar o cidadão para participar da sociedade, pode reforçar valores contrários ao ideal de democracia e de cidadania, ao não questioná-los” (SANTOS; MORTIMER, 2001, p.107).

Nessa linha de pensamento, Chassot (2011, p. 99), atenta para as ações de educadoras e educadores, que, na opinião dele, devem ser permeadas por três interrogações: “Por que ensinar Ciência?; O quê ensinar de Ciência? e Como ensinar Ciência?” Ressalta-se, portanto, a preocupação em buscar ações mais significativas para que possam contribuir na formação de profissionais conscientes de sua cidadania, autônomos e críticos, habilidades que devem ser desenvolvidas ao longo da escolarização. Ainda, segundo o autor, é preciso “formar cidadãs e cidadãos que não só saibam ler melhor o mundo onde estão inseridos, como também, e principalmente, sejam capazes de transformar este mundo para melhor” (CHASSOT, 2011, p. 101). Essa ideia é corroborada por Auler (2011, p.75), quando trata da abordagem Ciência – Tecnologia - Sociedade (CTS) ao afirmar que,

[...] para uma leitura crítica do mundo contemporâneo, para o engajamento na sua transformação, torna-se, cada vez mais, fundamental uma compreensão crítica sobre as interações entre CTS, considerando que a dinâmica social contemporânea está condicionada pelos avanços no campo científico-tecnológico.

Numa análise de pressupostos teóricos da abordagem CTS, no contexto da educação brasileira, Santos e Mortimer (2002) descrevem que, pesquisas sobre abordagens mais efetivas de CTS, geralmente, indicam que os seus materiais de ensino são melhores organizados na sequência de etapas sugerida por Aikenhead, (1994). A estrutura dos materiais de ensino de CTS é sequenciada pelos passos: (1) introdução de um problema social; (2) análise da tecnologia relacionada ao tema social; (3) estudo do conteúdo científico definido em função do tema social e da tecnologia introduzida; (4) estudo da tecnologia correlata em função do conteúdo apresentado e (5) discussão da questão social original; conforme indicam as setas na Figura 1.

Fonte: Extraído de AIKENHEAD, G. S.. What is STS Science Teaching? In: Solomon J.; AIKENHEAD,1994. http://www.usask.ca/education/people/aikenhead/index.htm. Acesso em mar 2014.Tradução da autora.

A abordagem CTS, segundo Aikenhead (2009), tem por finalidade ajudar os estudantes a dar sentido às suas experiências cotidianas, fazendo-a de um modo que lhes subsidie, dentro das suas tendências, características, de integrarem suas perspectivas pessoais provenientes dos seus ambientes sociais, tecnológicos e naturais. Nesse sentido, o foco central está nos alunos e não na ciência, o que Figura 1- Esquema da educação CTS

significa que, a ciência é trazida ao mundo do aluno baseada na necessidade de saber, em vez de seguir a expectativa convencional de que o estudante deve entrar no mundo da ciência para adotar a visão de um cientista. Nesta perspectiva, ao se propor um ensino com abordagens CTS, espera-se preencher as lacunas na formação dos alunos conduzindo-os ao desenvolvimento de capacidades intelectuais, tais como: o pensamento crítico, o raciocínio lógico e a tomada de decisões.

O estudo de temas, por meio dessa sequência, de acordo com Santos e Mortimer (2002), permite a introdução de problemas sociais a serem discutidos pelos alunos, propiciando o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão. Para isso, a abordagem dos temas é feita por meio da introdução de problemas, cujas possíveis soluções são propostas em sala de aula após a discussão de diversas alternativas, surgidas a partir do estudo do conteúdo científico, de suas aplicações tecnológicas e consequências sociais.

Nessa perspectiva, Leite et al. (2012) relataram uma experiência de formação de professores de Ciências com ênfase nas práticas experimentais investigativas, por meio do Programa de Capacitação de Professores (PROCAP) de Biologia, Física e Química da Rede Estadual de Ensino Médio do Estado do Espírito Santo (PROCAP/IFES/SEDU/ES 2010-2011), resultado de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação (SEDU) com o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). Esse programa ofereceu curso de formação para, em média, 300 professores das áreas de Biologia, Física e Química, resultando na realização do I Seminário de Ensino de Ciências da Rede Estadual de Ensino Médio do Espírito Santo e a elaboração de um livro sobre as práticas experimentais investigativas em Ciências. No curso, o desenvolvimento dos trabalhos realizados pelos professores foi a partir das abordagens CTSA, com temas elencados pelos professores tais como: agricultura, água potável, biocombustível, saúde e alimentação, petróleo, mármore e granito, entre outros.

2.6 ARTICULAÇÕES ENTRE O ENFOQUE CTSA E OS PRESSUPOSTOS DO