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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.7 AS DIRETRIZES CURRICULARES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA DO

No processo de sistematização das Diretrizes Curriculares de Ciências da Natureza, do município de Cariacica-ES, as discussões permearam na perspectiva do movimento CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), introduzido na área de ensino de Ciências no Brasil e no mundo, com inferências à abordagem temática, à investigação e ao ensino voltado para a formação da cidadania, de forma contextualizada, interdisciplinar e transdisciplinar, focado na realidade do município e na experiência dos professores de Ciências da Natureza. O processo da elaboração das diretrizes curriculares resultou na sistematização de um documento, baseado na pedagogia progressista de Paulo Freire e na visão sociocultural de Vygostky. O processo de construção foi colaborativo, no qual houve a discussão de propostas com sugestões de estratégias de ações que promovam a ampliação da discussão de conteúdo de aprendizagem, de maneira a englobar os três tipos: os conceituais, os procedimentais e os atitudinais (CARIACICA, 2012).

As diretrizes curriculares propostas para a área de Ciências da Natureza foram elaboradas na perspectiva de ultrapassar o ensino tradicional, baseadas em concepções transformadoras, nas peculiaridades locais do Município de Cariacica e alinhadas com os anseios dos professores da Rede Municipal de Educação. O documento que apresenta as diretrizes curriculares traz uma breve descrição sobre a constituição da disciplina Ciências da Natureza com o intuito de justificar os princípios balizadores da proposta curricular para o município de Cariacica, de forma a tornar evidente que foi construída com base em saberes contemporâneos do conhecimento científico e contextualizada às concepções da área de ensino de Ciências, que interferiram ao longo do tempo na seleção dos saberes e nas práticas de ensino desenvolvidas na escola básica. A proposta curricular “para a área de Ciências não pretende homogeneizar as práticas docentes, mas sugerir caminhos que possibilitem a promoção da autonomia de cada professor no desenvolvimento de seu trabalho” (CARIACICA, 2012, p.176). Para tanto, tais diretrizes têm como

meta explicitar escolhas, repensar posturas e sugerir estratégias de ação que possibilitam a ampliação da noção de conteúdo, que deve englobar os três tipos de conhecimentos, os conceituais, os procedimentais e os atitudinais, conforme descritos a seguir,

A aprendizagem de conceitos constitui elemento fundamental da aprendizagem das ciências. Os conceitos são os nossos instrumentos de assimilação. Através deles interpretamos e interagimos com as realidades que nos cercam. [...] A aprendizagem de procedimentos é inerente à aprendizagem de conceitos. [...] a aprendizagem de procedimentos implica aprender a fazer, o que impõe a máxima: para aprender a fazer é preciso efetivamente fazer. Para aprender a argumentar, é preciso dar espaço para que os alunos possam desenvolver e sustentar ideias, confrontá-las com outras e examinar sua procedência. A aprendizagem de valores e atitudes é, hoje, uma necessidade formativa inquestionável, se pretendemos um ensino de Ciências que discuta questões atuais, que reflita sobre os impactos da ciência e da tecnologia na sociedade contemporânea, sobre as questões ambientais ou sobre ações e políticas destinadas a promover saúde pessoal e coletiva (CARIACICA, 2012, p. 177).

Entende-se dessa forma que esses três tipos de conteúdo – conceituais, procedimentais e atitudinais – são complementares e não excludentes. Como no processo de ensino e aprendizagem o que se pretende é a formação do cidadão, torna-se imprescindível que o estudo dos conceitos venha sempre acompanhado da realização de procedimentos e da reflexão acerca de valores e atitudes.

Os principais objetivos da disciplina de Ciências da Natureza no Ensino Fundamental são apresentados nas diretrizes curriculares (CARIACICA, 2012, p. 177-178), entre eles:

[...] Compreender a natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformações do mundo em que vive; [..] Criar as condições para a alfabetização científica dos alunos, transformando o senso comum em conhecimento científico crítico; Desenvolver o senso crítico dos alunos, de forma que seja capaz de se posicionar perante os avanços da ciência e da tecnologia; [...] Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais, a partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes de sentido cultural e social, desenvolvidos no aprendizado escolar; [...] Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a construção coletiva do conhecimento.

Para atingir esses objetivos, a proposta curricular foi elaborada focada no ensino de Ciências da Natureza com uma abordagem pedagógica crítica, que torne o aluno

capaz de analisar os fenômenos ocorridos no ambiente, relacionando-os com a existência do ser humano. Sendo assim, é necessário que haja leitura e conhecimento, por parte do professor, sobre diferentes metodologias de ensino para que as aulas sejam interessantes, produtivas e resultem em aprendizagem significativa. Partindo desse pressuposto, nas diretrizes são apresentadas abordagens metodológicas diversificadas de forma que as sequências de atividades pedagógicas, ou sequências didáticas, passam a ser organizadas para concretizar as necessidades cotidianas do aluno, de forma que os professores, no processo de ensino-aprendizagem, a partir da realidade do aluno e de suas problemáticas, elaborem seus planejamentos de aula de forma contextualizada, procurando respeitar a realidade e a história dos alunos e do local em que a escola está inserida, buscando inovar, adaptar e articular essas metodologias ao perfil das turmas e respeitando a diversidade sociocultural dos sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, uma das estratégias didáticas sugeridas foi a abordagem temática, que busca a contextualização entre os conhecimentos científicos e a vida pessoal do aluno, o local onde ele está inserido, o mundo e a sociedade. “A partir de um tema contextualizado é possível articular diferentes conteúdos, que tradicionalmente são trabalhados separadamente, mas que juntos se complementam dando um sentido para o entendimento de um saber maior” (CARIACICA, 2012, p.179). A contextualização histórico-social dos conceitos estudados, integrada aos conteúdos introduzidos, evidencia o processo de construção do conhecimento científico, facilitando para o aluno identificar que existem limitações na atividade científica e perceba seu papel na sociedade. O estudo de conceitos da área de Ciências, quando envolvem situações que dizem respeito à saúde dos alunos, aos seus hábitos de lazer, às suas experiências de trabalho, ou ainda, à sua explicação sobre fenômenos da natureza, torna-os mais motivados para aprendizagens de caráter científico, ampliando sua visão de mundo e colaborando para a modificação de hábitos capazes de melhorar sua qualidade devida (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002).

A estrutura básica dos conteúdos da disciplina de Ciências da Natureza, de acordo com as DCC de Ciências da Natureza (CARIACICA, 2012, p. 184) é mostrada no Quadro 2, a seguir:

Quadro 2 - Estrutura do Currículo Básico Comum de Ciências Naturais.

Fonte: Cariacica (2012, p.184).

Nas DCC de Ciências da Natureza são apresentadas sugestões para que os professores selecionem temas relevantes e locais, como ponto de partida para sistematização dos conteúdos científicos (tópicos), que devem estar direcionados para a aprendizagem dos conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais (objetivos de aprendizagem), como ilustram as Figuras 2 e 3, que mostram um exemplo de como sistematizar diferentes conteúdos utilizando uma abordagem temática. Nesse exemplo foi considerado que uma visita a uma Unidade de Conservação do Município de Cariacica, a Reserva Biológica de Duas Bocas, poderia gerar fontes de investigação e curiosidade para iniciar a abordagem de diversos conteúdos do 6º ano (CARIACICA, 2012, p. 184-185).

Figura 2- Organização dos conteúdos de aprendizagem a partir de uma abordagem temática

Figura 3- Exemplo de como sistematizar diferentes conteúdos utilizando uma abordagem temática no 6º ano.

Fonte: Diretrizes Curriculares de Ciências da Natureza de Cariacica-ES/2012.

Sendo assim, é importante ressaltar que, na elaboração das diretrizes curriculares de Ciências da Natureza do município de Cariacica-ES,os conteúdos básicos foram discutidos na perspectiva de uma organização estruturada baseada na abordagem temática, sendo a conceituação científica subordinada ao tema, o que possibilita a articulação de diferentes conhecimentos, “rompendo com o tradicional paradigma curricular, cujo princípio estruturante é a abordagem conceitual, que organiza os

conteúdos programáticos com base apenas nos conceitos científicos” (CARIACICA, 2012, p. 184).

Ao se tratar da organização curricular dos conteúdos, vale ressaltar “a interdisciplinaridade como uma maneira de organizar e produzir conhecimento, buscando integrar as diferentes dimensões dos fenômenos estudados” (CARVALHO, 1998, p. 9). Nessa perspectiva, pretende-se superar uma visão especializada e fragmentada do conhecimento em direção à compreensão da complexidade e da interdependência dos fenômenos da natureza e da vida. Dessa forma, pode se referir à interdisciplinaridade, como postura, como nova atitude diante do ato de conhecer. No que condiz à prática educativa, a adoção de uma proposta interdisciplinar implica uma profunda mudança no processo de ensino e aprendizagem, bem como na organização formal das instituições de ensino. Uma postura interdisciplinar em educação demanda uma abertura para mudanças que, segundo Carvalho (1998, p.9),

[...] podem passar, por exemplo, pela construção de novas metodologias, pela reestruturação dos temas e dos conteúdos curriculares, pela organização de equipes de professores que integrem diferentes áreas do saber e pelas instituições de ensino que tenham abertura para experimentar novas formas de organizar os profissionais, os currículos e os conteúdos, a estrutura formal das séries, etc.

Em pesquisa realizada sobre a interdisciplinaridade, Fazenda (2008) compreende uma formação interdisciplinar de professores, em duas ordens distintas, porém complementares, uma ordenação cientifica e uma ordenação social. A científica remete à construção do que pode denominar-se-á de saberes interdisciplinares e a organização de tais saberes teria, como alicerce, o cerne do conhecimento científico do ato de formar professores, como a estruturação hierárquica das disciplinas, sua organização e dinâmica, a interação dos artefatos que as compõem, sua mobilidade conceitual e a comunicação dos saberes nas sequências a serem organizadas. Nesse sentido, de acordo com Fazenda (2008, p. 18) entende-se que,

[...] cada disciplina precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas nos saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seu lócus de cientificidade. Essa cientificidade, então originada das disciplinas, ganha status de interdisciplina no momento em que obriga o professor a rever suas práticas e a redescobrir seus talentos, no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio movimento for incorporado.

Em relação à ordenação social, esta busca o desdobramento dos saberes científicos interdisciplinares às exigências sociais, políticas e econômicas. Nessa concepção estudam-se métodos de análise do mundo, em função das finalidades sociais e enfatiza os impasses vividos pelas disciplinas cientificas em suas impossibilidades, de sozinhas, enfrentarem problemáticas complexas. Remetendo-se aos estudos realizados pela autora, relacionados à interdisciplinaridade, seu conceito encontra-se diretamente ligado ao conceito de disciplina, onde a interpenetração ocorre sem a destruição básica às ciências conferidas. Assim, para Fazenda (2008, p. 21).

[...] se tratamos de interdisciplinaridade na educação, não podemos permanecer apenas na prática empírica, mas é necessário que se proceda a uma análise detalhada dos porquês dessa prática histórica e culturalmente contextualizada. Seguindo esse raciocínio, falar de interdisciplinaridade escolar, curricular, pedagógica ou didática requer uma profunda imersão nos conceitos de escola, currículo ou didática. A historicidade desses conceitos, entretanto, requer uma profunda pesquisa nas potencialidades e talentos dos saberes requeridos ou a requerer de quem as estiver praticando ou pesquisando.

Na interdisciplinaridade escolar a perspectiva é educativa, as noções, finalidades, habilidades e técnicas são consideradas levando-se em conta o favorecimento do processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e sua integração. Assim, a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade são termos considerados polissêmicos e imprecisos e, ao se referir a eles, Morin (2002) considera que a interdisciplinaridade está relacionada à troca e cooperação, remetendo a uma organicidade; já a multidisciplinaridade constitui uma associação de disciplinas, em torno de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns e, no que concerne à transdisciplinaridade, esta trata-se de esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas. Para o autor, no entanto, o importante não é apenas a ideia de inter e de transdisciplinaridade, mas deve-se “ecologizar” as disciplinas, isto é, “considerar tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se” (MORIN, 2002, p. 115).