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A formação profissional: as profecias também se abatem.

É óbvio que não se pode pôr em causa uma profecia – “falta formação profissional

aos jovens!” – que, circunstancialmente, se cumpre por si mesma. Com efeito, a

formação profissional é indispensável ao bom desempenho de uma actividade profissional. E, na realidade, é necessário investir mais e melhor na formação profissional dos jovens. As dúvidas surgem quando os ideólogos da formação profissional nos querem fazer crer que, ao “decretar--se” a profecia, se soluciona o problema do desemprego juvenil. Discutíveis são também os pressupostos usados por esses ideólogos, uma vez que repousam noutras crenças ou profecias: por exemplo, a de que “a escola não prepara adequadamente os jovens para o mercado de trabalho”. Em consequência, de profecia em profecia, chega-se à conclusão de que só com formação profissional poderão ser ultrapassadas as dificuldades de inserção profissional dos jovens.

Para mostrar que as profecias também se abatem, analisem-se algumas medidas de formação profissional, confrontando, sempre que possível, os propósitos declarados

(ideológicos) com os efeitos perversos (práticos) dessas medidas. Para determinar as

possíveis descontinuidades existentes entre uns e outros, partiremos da base legal das profecias, ou seja: os decretos políticos que as institucionalizam. Em certa medida, as profecias também se decretam – o que não deixa de contribuir para a sua legitimação. Actos legislativos que legitimam profecias, consagrando-as. Será que a consagração ideológica das profecias é suficiente para a sua consagração prática?

A Merton devemos algumas breves, mas importantes, reflexões sociológicas sobre a “mudança institucional por decreto” e sobre as “profecias que se cumprem a si mesmas”59. Essas reflexões foram induzidas pelo célebre teorema de Thomas Love

Peacock: “se os indivíduos definem as situações como reais, elas são reais em suas

consequências”. O que Merton procura enfatizar é que os indivíduos respondem, não apenas às características objectivas de uma dada situação, mas também – e, por vezes, sobretudo – ao sentido que para eles tem essa situação. É neste contexto que as profecias adquirem um valor de realidade, cumprindo-se a si mesmas. À sua consagração prática bastaria, nestes termos, a sua consagração ideológica. Merton mostra-nos que o teorema de Thomas permite também quebrar o círculo das profecias que se cumprem por si mesmas. De que modo? Pondo em dúvida o pressuposto

59 Robert Merton, Teoria y Estructuras Sociales, Fondo de Cultura Económica, México, 1980 (edição original: Social Theory and Social Structure, 1949).

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originário que identifica como real uma situação. E como? Através de uma nova definição que contradiga a profecia enunciada. Só assim se consegue liquidar a profecia original, impossibilitando-a de se cumprir a si mesma.

No caso que nos interessa, uma das profecias mais pujantes dos ideólogos da formação profissional sustenta que “as dificuldades de inserção profissional por parte

dos jovens se devem à sua escassa formação profissional”. Ideologicamente esta

profecia, ao cumprir-se por si mesma, arrasta outras profecias, formando-se o tal círculo a que Merton se referia: círculo de profecias encadeadas. Uma delas, no caso que nos interessa, é a que advoga “que a escola não prepara adequadamente os jovens para o

mundo do trabalho”. À luz desta profecia criam-se enormes obscuridades ou ocultações.

Por exemplo, o problema da contracção da oferta de emprego – e dos seus efeitos sobre o desemprego – é ocultado pela profecia da “inadequação da escola ao mercado

de trabalho”. No entanto, cabe perguntar: não será que as dificuldades de inserção

profissional por parte de alguns jovens traduzem menos uma suposta inadequação da escola ao mercado de trabalho do que um campo privilegiado onde se exerce a selecção social60? Com esta interrogação estamos a pôr em dúvida a profecia original

e o rol de todas as outras que se lhe encadeiam. Ao mesmo tempo, admitimos condições de possibilidade de outras realidades.

Como atrás se sugeriu, não se pretende negar o valor da formação profissional. Apenas se admite a existência de eventuais efeitos perversos associados às profecias e que estas tendem a ocultar, uma vez que a regra é que elas se cumpram por si mesmas. Por outro lado, é claro que as profecias podem ter – e têm, geralmente – raízes sólidas de sustentação. Ao profetizar-se que a formação profissional é uma panaceia para a crise de emprego juvenil, está simultaneamente a admitir-se o facto inegável da crise. Assim, não espanta que as principais medidas legislativas a favor da

profissionalização do sistema educativo se orientem por objectivos tendentes,

manifestamente, a facilitar a entrada dos jovens no mundo do trabalho. A criação dos

cursos profissionais (instituídos pelo Despacho Normativo n.º 194-A de 1983) parte de

evidências concretas: as dificuldades de obtenção de emprego por parte dos jovens que terminam a escolaridade obrigatória de 9 anos. Os cursos profissionais tiveram, por conseguinte, uma função manifesta: possibilitar aos jovens, que tivessem frequentado os 9 anos de escolaridade obrigatória, a oportunidade de frequentarem um curso

60 Sobre esta concreta profecia – a da inadequação da escola ao mercado de trabalho – ver José Machado Pais, “Emprego juvenil e mudança social: velhas teses, novos modos de vida”, Análise Social, vol. XXVI, (114), 1991 (5.º), pp. 945-987.

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profissional, com a duração de um ano, seguido por um estágio profissional de 6 meses. A crença na profecia enunciada levou a uma crescente “profissionalização” do sistema educativo português que gradualmente se viu inundado por medidas legislativas conducentes à sua “profissionalização”. Dava-se, pois, a legitimação da profecia através da legislação. Para além dos referidos cursos profissionais, foi lançado o chamado sistema de aprendizagem (criado em 1984, pelo decreto-lei n.º 102/84 de 20 de Março, revisto pelo decreto-lei n.º 436/88 de 23 de Novembro) e, posteriormente, as

escolas profissionais (em 1989, através do decreto-lei n.º 26/89 de 21 de Janeiro).

A ideologia que condimenta estas medidas legislativas é simultaneamente produto e alimento das profecias enunciadas. Vejamos o caso dos sistemas de aprendizagem. Uma análise de conteúdo do decreto que os institui coloca em claro confronto um

problema com as medidas julgadas necessárias para o solucionar. O problema parte

de uma evidência empírica: “a existência de milhares de jovens que anualmente deixam o sistema oficial de ensino, com ou sem escolaridade obrigatória, mas quase sempre sem qualquer preparação profissional” (decreto-lei n.º 102/84 de 20 de Março). O

diagnóstico do problema é, em si mesmo, uma profecia, ao sustentar-se que é a falta

de preparação profissional que constitui a “causa relevante das elevadas taxas de desemprego juvenil que hoje se verificam”. A necessidade de uma solução é, seguidamente, profetizada: “Este problema, tendo em conta a sua dimensão e consequências, requer a adopção de medidas urgentes que confiram aos jovens que procuram o primeiro emprego a indispensável habilitação profissional”. Finalmente, a

solução do problema é também enunciada como uma profecia, revestida com capa de

crença: a “formação profissional em regime de aprendizagem (...) constitui um mecanismo indispensável para assegurar uma mais fácil inserção e integração sócio- profissional dos jovens”.

Como atrás se disse, as profecias encadeiam-se entre si. Ao afirmar-se que o desemprego juvenil é devido à falta de formação profissional, difunde-se a ideologia (em forma de profecia) de que a escola não prepara adequadamente os jovens para a vida profissional. O corolário é o reconhecimento das empresas como o “espaço privilegiado de formação”: “Este relevo atribuído à empresa encontra a sua principal justificação no potencial formativo constituído pelos profissionais qualificados que aí exercem a sua actividade e na circunstância de a aprendizagem ser feita, em grande medida, directamente no local de trabalho. Acresce que a formação profissional em

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regime de aprendizagem constitui resposta à progressiva importância atribuída ao perfil profissional, por oposição ao perfil escolar de formação” (decreto-lei n.º 102/84).

Sociologicamente interessante, quando se analisam os discursos ideológicos, é a confrontação das funções manifestas ou esperadas com as funções latentes, inesperadas ou perversas que se lhes associam, confronto que, como se sabe, foi pioneiramente realizado, no campo da teoria sociológica, por Robert Merton61. No caso

que agora nos interessa, procuraremos fazer esse confronto a partir de um conjunto de estudos realizados, desde 1986, pelo então Ministério do Emprego e da Segurança Social. Esses estudos basearam-se em inquéritos estatísticos dirigidos aos jovens saídos dos vários sistemas formativos, com o objectivo de se obter informação relevante sobre a entrada dos jovens na vida activa62.

Um desses estudos comparava dois grupos de jovens: os que saíam do sistema escolar com o 9.º ano de escolaridade obrigatória e os que saíam com um diploma de

cursos profissionais (cursos realizados após o 9.º ano de escolaridade, com a duração

de um ano, completados por um estágio profissional de 6 meses). Vejamos qual o perfil sociográfico dos jovens de cada um desses dois grupos e a respectiva situação à saída de ambos os sistemas de formação. No que respeita à origem social, ela é muito semelhante. Os jovens que se ficaram pelo 9.º ano de escolaridade obrigatória eram predominantemente filhos de operários, de empregados administrativos e de comércio, de pequenos agricultores com explorações familiares e de domésticas. Os jovens que adicionalmente frequentaram cursos profissionais não tinham origem social muito diferente: eram predominantemente filhos de agricultores, trabalhadores administrativos, operários e mães domésticas. No que se refere às razões alegadas para o abandono do sistema de ensino por parte dos jovens do primeiro grupo, elas são de natureza financeira, já que maioritariamente apontam para a “necessidade de começar a trabalhar para ajudar os pais”; quanto aos jovens do segundo grupo, as razões alegadas para a frequência de cursos profissionais privilegiam o “tipo de ensino mais virado para a prática” e a “possibilidade de obtenção mais rápida de um emprego”. Ou seja, entre os jovens que decidiram optar pela formação profissional, a profecia pesou sobre a opção.

61 R. Merton, Teoria y Estructura Sociales...

62 Ver, em particular, Hermínia Galvão Correia e outros, A Situação dos Jovens em Portugal. Transição

entre a escola e a vida profissional (1983-1990), Colecção “Estudos”, Série D – “Emprego, Formação e

Reabilitação Profissional”, Ministério do Emprego e da Segurança Social, 1992. Agradeço à Dra. Mafalda Santos a colaboração dada na pesquisa bibliográfica sobre formação profissional.

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Vejamos, agora, como se processou a entrada na vida activa dos jovens de ambos os grupos. Entre os que se ficaram pelo 9.º ano de escolaridade obrigatória, 35,6% encontrava-se no desemprego, ano e meio após abandonarem a escola; por outro lado, 51% tinha encontrado emprego. Em relação aos que frequentaram uma formação profissional por mais 18 meses, a evolução foi muito semelhante: cerca de ano e meio após a conclusão do curso e do estágio, 31% encontrava-se no desemprego e 53% tinha encontrado emprego. Não obstante as diferenças entre os dois grupos de jovens serem mínimas no que se refere ao sucesso da inserção profissional, a força da “profecia que se cumpre por si mesma” levou alguns técnicos do Ministério do Emprego a concluir: “o jovem que abandona o sistema escolar só com o 9.º ano de escolaridade tem de enfrentar um mercado de trabalho difícil, quer quanto a oportunidades de emprego, quer quanto a condições de trabalho e de realização profissional. A continuação de estudos, optando por uma qualificação profissional, parece uma escolha com melhores perspectivas de inserção na vida activa”. Ou seja, a força da profecia traduz-se também numa força interpretativa que ajusta a realidade à dimensão do que se profetiza.

Vejamos agora alguns dados do Observatório de Entradas na Vida Activa (OEVA) que tomou como universo de estudo a inserção profissional de ex-formandos dos

Centros de Formação Profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional

(IEFP). A inquirição, iniciada em 1987, foi feita mediante inquérito estatístico enviado por via postal, 9 meses após uma formação profissional de 100 ou mais horas de duração. Os resultados que discutiremos referem-se ao período compreendido entre 1987 e 1994, durante o qual foram inquiridos 19.756 indivíduos63. Na interpretação

desses resultados não podemos menosprezar o facto de apenas 60% dos inquiridos terem respondido – eventualmente os que tiveram maior sucesso de integração profissional. A informação recolhida mostra que a formação profissional nem sempre tem contribuído para eliminar ou atenuar alguns dos aspectos mais negativos do sistema de emprego, nomeadamente nem sempre tem conseguido enfrentar adequadamente o problema do desemprego juvenil.

Em primeiro lugar, dos dados em análise pode concluir-se que a formação profissional tem reproduzido a segmentação do mercado de trabalho, em função do género dos formandos. A população que procura uma “qualificação inicial”, ou seja, que

63 Utilizaremos os dados publicados na brochura do OEVA, A inserção profissional dos ex-formandos.

Saídos da Formação Inicial entre 1987 e 1994, Instituto do Emprego e Formação Profissional, Direcção

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ainda não tem experiência profissional, é maioritariamente masculina. A desigualdade de oportunidades agrava-se ainda mais quando está em jogo a “formação contínua”, aquela que é dirigida a formandos que têm já uma condição de trabalhador. Apesar de a participação das mulheres na formação profissional ter vindo a aumentar nos últimos anos, há que destacar um outro aspecto da segmentação do mercado de trabalho: as poucas mulheres que conseguem ter formação profissional conseguem-na em sectores tradicionalmente “feminizados”: têxtil, calçado, contabilidade/secretariado e artesanato. Em segundo lugar, a formação profissional parece contribuir, indirectamente, para acentuar uma selectividade social do sistema de ensino, nomeadamente às portas da universidade. Ou seja, alguns jovens abandonarão projectos de ingresso na universidade, em troca de uma formação profissional que, profeticamente, lhes anuncia uma mais fácil entrada no mercado de trabalho. De facto, de 1987 para 1994 tem crescido o número de jovens com o 12.º ano que frequentam a formação profissional, trocando-a por um acesso – certamente difícil – à universidade. Esta selectividade escolar é, acima de tudo, social. A maioria dos jovens formandos tem, com efeito, origem social no operariado. Desmobilizam-se de projectos universitários na medida em que se deixam encantar pela “cenoura da formação”.

Em terceiro lugar, a formação profissional aparece associada a tempos de espera que, de tão longos, podem desmotivar alguns jovens dos seus projectos de profissionalização, dessocializando-os do mundo do trabalho. Em causa está o período de espera que medeia entre a inscrição num curso de formação profissional e o início do mesmo e, por outro lado, o período de espera após a formação até se conseguir emprego. De facto, se, em 1987, 15% dos candidatos à formação esperavam mais de 6 meses pelo início da formação, em 1994 essa espera afectava 28% dos candidatos. Por outro lado, os jovens possuidores de uma formação profissional engrossam cada vez mais as fileiras do desemprego de longa duração. Ou seja, são cada vez mais longos os períodos de espera que medeiam entre a obtenção de uma formação profissional e a de um emprego.

Em quarto lugar, a formação profissional parece possibilitar a existência de um

mercado de trabalho secundário, caracterizado por baixos custos salariais e grande

precariedade. De facto, e como os técnicos competentes o reconhecem, “tem vindo a crescer com algum significado, o número daqueles que ficam a trabalhar na empresa onde realizaram uma formação complementar após o curso”64. A questão que

64 OEVA, A inserção profissional…, p. 5.

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importaria investigar é a seguinte: em que condições? Sob que regimes contratuais? Em que medida as empresas e patrões não acabarão por explorar indevidamente a situação de fragilidade em que muitos jovens se encontram, quando procuram, a todo o custo, fugir do desemprego? Que estas interrogações não são de todo descabidas prova-o a apreensão dos legisladores quando, ao instituírem os sistemas de

aprendizagem (decreto-lei n.º 102/94), alertavam para a necessidade de evitar a

“utilização abusiva” desses sistemas, “ocultando verdadeiros contratos de trabalho sob a forma de contratos de aprendizagem”. Que os abusos persistem prova-o o elevado número de empregadores que “empregam” aprendizes ou estagiários nove meses após a formação concluída. O abuso resulta numa “contradição” coerente: “Existe da parte dos empregadores um discurso contraditório. Ao mesmo tempo que reclamam jovens com formação elevada que lhes permita dominar rapidamente um trabalho complexo, estão dispostos a utilizar esses mesmos jovens em trabalhos simples, desde que sejam abundantes e constituam mão-de-obra barata”65.

Em quinto lugar, a formação profissional dirige-se principalmente aos que já têm

emprego. Aqui, vale a pena recuperar a profecia na sua forma mais aureolada.

Exactamente aquela que sustenta que o desemprego se combate com formação profissional. Até pode ser que sim. Mas como, quando a formação profissional se dirige não aos desempregados mas, principalmente, aos que já têm emprego? Acresce, por outro lado, que, de entre os que não têm emprego e que frequentam a formação profissional, cerca de 20% são estudantes – isto é, não propriamente desempregados. Alguns deles são jovens que coleccionam das mais variadas formações profissionais, não com a intenção de se integrarem no mercado de trabalho mas, antes, de se integrarem no mercado de consumo. São jovens que vão financiando os seus consumos com bolsas da formação profissional.

Em sexto lugar, e por último, muito embora teórica ou ideologicamente se possa apregoar uma relação positiva entre formação e emprego, o certo é que, comparando as taxas de desemprego dos formandos antes e depois da formação, constata-se que os ganhos são ridículos. A probabilidade de um desempregado ficar desempregado

após a frequência de uma formação profissional é elevada (gráfico n.º 1). De facto, entre

65 OEVA, A inserção profissional…, p. 7.

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1991 e 1994 pode dizer--se que a formação profissional em pouco contribuiu para a diminuição do desemprego entre os formandos.

GRÁFICO N.º1

PERCENTAGEM DE DESEMPREGADOS ANTES E DEPOIS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Fonte: Gráfico trabalhado a partir de dados divulgados pelo IEFP – Direcção de Serviços de Estudos do Mercado de Fonte: Emprego – OEV

Pondo em causa algumas profecias associadas à formação profissional – que não em relação a esta, em si mesma – estamos finalmente em condições de perceber porque é que os jovens dela se alheiam. Com efeito, dados de um recente inquérito baseado numa amostra representativa da população juvenil portuguesa (de 15 a 29 anos) revelam que apenas 14% dos jovens inquiridos frequentaram um curso de formação profissional e, de entre aqueles que não o frequentaram, apenas 10% o admitem fazer. As principais razões que a larga maioria dos jovens alega para nunca ter frequentado qualquer curso de formação profissional são as seguintes: “nunca precisei” (37%), “ainda me encontro a estudar” (28%) e “nunca me ocorreu” (19%). Em relação aos jovens inquiridos que se encontravam desempregados as principais razões foram: “nunca precisei” (36%), “nunca me ocorreu” (36%), “os cursos eram em áreas que não me interessavam” (11%), “não tinha conhecimento da existência de cursos de formação” (8%) e “não tenho tempo” (3%). Ou seja, a formação profissional apresenta- se, para a maioria dos jovens portugueses, à margem dos seus projectos formativos e das respectivas trajectórias profissionais66.

66 M. V. Cabral e J. M. Pais (coordenadores), Jovens Portugueses de Hoje... Ver, em particular, o capítulo elaborado por Natália Alves.

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Interessa também referir que os jovens portugueses, no inquérito acabado de citar, parece atribuírem uma menor valorização à formação profissional do que os jovens inquiridos há uns anos atrás (1987). Há cerca de 15 anos, verificava-se um desfasamento entre a percentagem de jovens envolvidos na formação profissional (11%) e a percentagem daqueles que gostariam de vir a frequentar um curso de formação profissional (38%). Em contrapartida, em 1997, a percentagem dos que frequentam um curso de formação profissional (14%) é superior à percentagem dos que admitem fazê-lo (10%). Será que os jovens de hoje se encontram menos crentes na possibilidade de a formação profissional lhes proporcionar uma inserção mais fácil no mercado de trabalho?

A posição dos jovens em relação à formação profissional convida a uma reflexão sobre se as políticas de combate ao desemprego devem orientar-se para a formação ou para o fomento directo do emprego. Certamente que as mudanças estruturais no mundo do trabalho exigem novas qualificações da força de trabalho e uma adequada formação profissional. O tecido produtivo não se moderniza sem recursos humanos qualificados. Contudo, e como os próprios jovens portugueses acabam por reconhecer, os problemas de inserção no mercado de trabalho não derivam apenas, nem principalmente, da profecia que sustenta uma inadequação dos sistemas educativo e formativo ao sistema produtivo. Como os jovens inquiridos portugueses o reconhecem, o problema do desemprego justifica-se principalmente pela falta de empregos. Na opinião dos jovens, as causas individuais do desemprego são francamente sobrelevadas por causas estruturais. São poucos, aliás, os jovens que alinham na profecia que sustenta que “a escola não prepara para o mundo do trabalho” (11%). A maioria dos jovens portugueses pensa que, se há desemprego, é simplesmente porque “há cada vez menos empregos”.