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Um modo de vida original: Ninó para aqui, Ninó para al

percursos e discursos

2. Um modo de vida original: Ninó para aqui, Ninó para al

Ninó tem 28 anos e é estudante universitária, finalista da faculdade de Agronomia. O pai era despachante oficial, mas, de um momento para o outro, viu-se no desemprego. A mãe é costureira. Quando o pai ficou sem emprego, Ninó tomou a decisão de trabalhar, embora não abandonasse os estudos. Tinha 17 anos. Desde então, o seu percurso profissional tem sido um constante rodopio de trabalhos precários: Ninó para aqui, Ninó para ali. Começou como repositora de produtos em hipermercados.

O primeiro trabalho de todos os que eu fiz foi de reposição para a Revlon. A minha vizinha do lado era repositora e vendedora da Revlon, trabalhava mesmo para a empresa. E depois precisou de uma menina que a ajudasse e então levava-me todos os dias de manhã... A gente saía de casa todos os dias p’raí às seis e meia da manhã (...), fazíamos Continente, Jumbo e Makro (...). Começávamos às sete para fazermos os três até às nove que era quando aquilo abria. Foi um trabalho que gostei porque estava com ela (a vizinha), e gostava dela, mas muito desanimador. Foi talvez o trabalho até hoje que mais me entristeceu... Foi por isso que eu saí logo! Estive lá dois, três meses. Havia (...) meninas da minha idade... umas já com filho, outras que “O meu marido não me liga nenhuma...”, outras... “Saí de casa.” Aquele ambiente... ali, de manhã... o supermercado estava sozinho... a pôr as coisas todas... com aqueles dramas todos! (...) Chegava muito triste...

É interessante a forma como Ninó aprecia o seu primeiro trabalho. Os aspectos intrínsecos da actividade desenvolvida, decorrentes da reposição monótona de produtos num supermercado, são francamente sobrelevados pelos aspectos extrínsecos, na dimensão dos relacionamentos sociais. Ninó refere ter gostado do trabalho porque desfrutava da companhia da vizinha, mas, ao mesmo tempo, atormentava-se com os dramas vividos e contados, quotidianamente, pelas suas companheiras de trabalho. A tristeza reposta dia-a-dia no supermercado vazio deixava- a triste, essa foi a razão alegada para abandonar o seu primeiro trabalho. Ninó trabalhou depois na área de publicidade:

Fiz promoção no Continente da Amadora, às fraldas Johnson. Dava vales de desconto na compra de um pacote de fraldas, por exemplo. (...) Era só aos fins-de-semana, sexta, sábado e domingo. (...) Se fazia o turno da manhã, era das 9 da manhã às 4 e meia da tarde; se fazia o turno da tarde, era das 4 e meia da tarde às 10 da noite. Foi p’raí um mês (...). Não me lembro quanto é que ganhei... acho que era 3 500$00 por dia, sei que na altura já era relativamente bom. Consegui este trabalho através de uma amiga que também andava comigo no 12.º; éramos três a trabalhar ao mesmo tempo.

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Como se verá ao longo do seu relato de vida, Ninó usa canais informais de busca de trabalho. Da mesma forma que a teoria do capital humano mostra as vantagens que eventualmente resultam de uma boa formação académica, a teoria do capital relacional mostra as vantagens proporcionadas por redes sociais de acesso ao mercado de trabalho. E assim continuou em trabalho de promoção:

Foi também para outra empresa de promoção, Creyf. (...) Trabalho de um mês no Centro Cultural de Belém, era interno, só para estomatologistas, medicina dentária... um congresso... eles compravam material (...) do ramo, aquelas cadeiras. Aquilo havia muitos estrangeiros... e eu estava lá à porta e apresentava (...), ou se quisessem um café, nós tínhamos uma máquina de café e dávamos um café... Pronto... a dar apoio mesmo à entrada. Estava sentadinha numa mesinha e eles chegavam (não me lembro da marca!) e perguntavam-me o que estava lá dentro. Eu dizia “Se não se importa, entre. Estamos a vender este tipo de material.” Apresentação! Isto foi p’raí no ano a seguir, em 89. Eu fazia estes trabalhos... Não era consecutivamente... era quando apareciam e quando eu também podia. Se, por alguma razão, estava a estudar ou porque era uma altura mais apertada... não ia. Mas normalmente aproveitava sempre.

A vida real assemelha-se, por vezes, ao equilíbrio de um surfista na crista das ondas: observa-se a onda, entra-se nela e vê-se qual a melhor oportunidade de sair dela com sucesso, para logo de seguida se aproveitar a que vem a seguir. Da promoção de produtos de estomatologia Ninó passou para a promoção de artigos de bebé.

Foi na FIL, para a Sobrinca, (...) era só material de criança, e também (...) havia muitos estrangeiros e sempre que eles queriam saber, sei lá... o preço do carrinho-de-bebé, ou da alcofa, ou não sei quê, eu encaminhava-os para dentro. Sempre que eles só queriam um panfleto ou uma coisa qualquer, eu dava-lhes ali e pronto.

Entretanto, Ninó terminara o 12.º ano e enfrentara-se com uma encruzilhada de vida. Tinha sido colocada na Costa da Caparica, em Engenharia do Ambiente, na última opção de Licenciatura que desejava cursar. Não era o que queria. Anulou a matrícula e decidiu esperar mais um ano para ingressar no curso pretendido. Faria melhoria de notas, apostando forte numa nova disciplina: Química. E continuou com trabalhos esporádicos e amealhando algum dinheiro.

Fiz o 12.º e entrei para Engenharia do Ambiente para a Costa da Caparica, para a Nova. Não era isso que eu queria... isso era a minha 6.ª opção... não era isso que eu queria. Fui lá, anulei a matrícula e entrei depois para o que eu queria no ano a seguir... para Engenharia Agro--Industrial que era mesmo o que eu queria. E pronto... No ISA, no Instituto Superior de Agronomia.

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Ninó começou a fazer as suas primeiras despesas com dinheiro próprio; comprou roupa nova, fez as suas primeiras férias no Algarve e tirou a carta de condução, não obstante a “má cara” dos pais que não sabiam para que ela queria a carta, já que não tinha posses para comprar carro:

Com esse dinheiro tirei a carta. (...) Os meus pais na altura fizeram assim uma má cara... Disseram “Carta para quê se não tens carro?! Depois não usas a carta... perdes” (...). Mas eu quis tirar a carta e tirei a carta com esse dinheiro. Mais... roupa... férias... Que foi a primeira vez que eu fui passar férias ao Algarve! Porque os meus pais não me davam 30 ou 40 contos, assim, para eu ir passar férias ao Algarve. E eu fui durante quinze dias passar com os meus amigos... fui também porque trabalhava e tinha esse dinheiro. Senão, não conseguia...

E continuou ligada a agências de publicidade e de promoção. Também fez por se promover...

Chegava lá, dava o meu curriculum, dava fotografia e não sei quê, dizia a minha disponibilidade e pronto. Sempre que havia algum trabalhinho que eles vissem que tinha a minha disponibilidade, eles telefonavam-me e perguntavam-me se eu queria.

Tinha também contactos com empresas de trabalho temporário, como a ManPower. Há empresas que têm uma carteira de clientes. Ninó tinha uma carteira de empresas.

Fiz o trabalho de um mês inteiro das minhas férias, foi o mês de Agosto, para os Laboratórios Azevedos. Estive na parte da contabilidade, no departamento de contabilidade. Estive a fazer classificação de documentos... para introduzir no computador. (...) Todos os anos no mês de Agosto eles metem, por causa das férias do pessoal, metem uma pessoa. (...) Na ManPower foi a primeira vez que me emitiram o cartão da Segurança Social... aquele pequenino... Porque pela primeira vez fiz um contrato... de um mês, mas um contrato... então descontei pela primeira vez para a Segurança Social... emitiram-me esse tal cartãozinho da Segurança Social.

E foi após este trabalho de Verão que se viu colocada na Faculdade de Agronomia. Tinha conseguido a concretização do seu sonho, apesar da dispersão de ganchos e biscates que ia fazendo. Também frequentara um Externato particular onde obteve apoio para melhorar a média de acesso à Universidade. A entrada na Universidade não significou o fim das promoções publicitárias.

Sempre a fazer promoções... promoções... E estive também (...) na Feira do Livro. (...) A minha prima trabalhava na Editorial Notícias e foi através dela que eu fui para a barraquinha da Editorial Notícias. Não ganhava mal! Fazia a feira toda... aquilo só abria às quatro da tarde e fechava às

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dez horas. (...) Ia tendo esses trabalhinhos, essas coisas assim (...) e esses trabalhos esporádicos eram bem pagos. Um dos quais (...) foi para a SIBS, para o PMB, onde estive também numa Feira do Livro (...). Estive na FIL também, numa daquelas barraquinhas em que dávamos t-shirts, canetas, se as pessoas carregassem cinco contos, mil escudos, dez... no PMB... E aí também ganhei muito bem. Também foi através de uma amiga minha da faculdade. O cunhado dela era (...) da SIBS.

Ninó explica que “desde que a gente começa a trabalhar a primeira vez” depois “é um bocadinho viciante”. Mas Ninó tivera fortes razões para começar a trabalhar. A irmã tinha deixado de estudar quando concluíra o 12.º ano e decidira começar a trabalhar. Ninó não se sentia bem ao ver que a irmã já não dependia financeiramente dos pais, enquanto que ela continuava a ser sustentada por eles. E a situação económica da família não era boa. O pai, que era despachante oficial, viu-se com as empresas falidas, sem saber como encontrar trabalho.

Há quem veja como conflitual a dependência dos jovens em relação aos pais, por um lado, e, por outro, os ideais de independência associados à juventude. Nada de mais equívoco134. A dependência económica em relação aos pais não inviabiliza a

independência de muitos jovens, nomeadamente no domínio dos consumos e lazeres. No entanto, quando as famílias não têm condições de assegurar a independência dos filhos, estes vêem-se na necessidade de “fazer pela vida”, como aconteceu com Ninó, ao sentir a obrigação de ajudar os pais, aproveitando os biscates que lhe iam aparecendo.

Fiz alguns trabalhos para a Select... Já fiz para o BPI e para a Roda dos Milhões. Para o BPI... estava no Banco e fazia cartões Visa Universo. Correu bem... Aí era das que estava no ranking principal!... Como o meu namorado já trabalhou no BPI, um amigo dele é que disse (...). Para a Roda dos Milhões era andar de quiosque em quiosque a ver se as pessoas tinham recebido a revista... quantas tinham recebido e quantas já tinham vendido, e fazer uma estimativa, se estava ou não a sair bem. Foi durante um mês e começou logo na semana a seguir a sair a revista. Isto também foi para a Select e fiquei lá inscrita. Eu tenho lá a minha disponibilidade. Qualquer coisa que eles achem que eu possa fazer ou estou interessada, eles contactam-me. (...) Também já estive em perfumarias a dar amostras... a fazer promoções, mas nas lojas. (...) No ano da Expo 98... Como vinha aí a Expo, resolvi que tinha de ir trabalhar para a Expo. Resolvi porque... nesse

134 Ann Nilson, “Jovens para sempre? Uma perspectiva de individualização centraa nos trajectos de vida”,

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mês não tinha assim nada para fazer. Isto é assim... p’raí há coisa de quatro anos que eu não tenho férias!

Ninó renunciou às férias para poder ter a ilusão de um carro e para juntar um pé--de- meia para a entrada da compra de uma casa, recorrendo a crédito bancário, evidentemente. Para o efeito, ou melhor, para disciplinar os gastos e fomentar as poupanças, decidiu abrir uma conta bancária com o namorado. O pé-de-meia não é ainda coisa que se veja, mas a casa já a imaginação a arquitectou, e mais facilmente a decorou.

Eu sabia que naquele Verão podia ir trabalhar para a Expo. Foi através de uma colega minha do basket... que soube de uma empresa americana... Havia duas funções que eu queria fazer na Expo... era trabalhar, ganhar dinheiro, e praticar o meu inglês que é péssimo e cada vez mais uma pessoa precisa do inglês... para ler os livros da faculdade e tudo! Ela conhecia essa tal empresa, sabia que era para a restauração, para a parte das comidas e então... Eu fui com ela, a uma entrevista lá com um americano, e ficámos as duas. Só que isso começava em Maio. Até Junho/Julho, eu disse que fazia só os fins-de-semana (consoante me corressem os exames), sexta, sábado e domingo. A partir daí ficaria sempre por inteiro. E assim foi. Comecei primeiro em Maio a fazer os fins-de-semana (à tarde e noite) e depois... fiz Julho, Agosto e Setembro por inteiro. Acabei por estar num quiosque de restaurante, em frente ao Pavilhão de Macau e onde havia waffles e gelados. Foi uma experiência única... Trabalhei bastante! Ao fecho, tínhamos que limpar aquilo tudo, lavar chão, bancadas. Foi talvez o trabalho mais diferente que eu fiz dos outros todos. Foi uma experiência muito gira... conheci pessoas muito diferentes... e portugueses muito diferentes! Até porque nos meus outros trabalhinhos as pessoas têm mais ou menos os mesmos objectivos de vida. E ali, não!

Mas nem tudo foi “giro” fácil no rodopio de Ninó de aqui para ali. A memória recorda- lhe uma experiência negativa a partir da qual extraiu uma lição: a razão nunca se deve calar.

Tive um pequeno problema... despediram pessoas por roubarem dinheiro e ainda duvidaram de mim, mas depois rectificaram tudo porque eu também tratei logo de tudo. Falei com um advogado meu amigo e, de certa forma, sentiram-se ameaçados... porque eu mandei logo uma carta a dizer que tinha sido despedida ilicitamente. Depois pediram-me desculpas e puseram--me num outro sítio porque eu já não ia ficar com a mesma pessoa que eu julgava que confiava em mim, mas, se calhar, foi ela a responsável... Depois fui trabalhar para um restaurante que era o Rodes. Eu acho é que ninguém deve ficar calado. Porque neste tipo de trabalho, há muita “sacanagem”!

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Também fiz o TeleBanco (...). Há duas vertentes lá... o outbound e o inbound. O outbound é quando tu recebes telefonemas, o inbound é quando tu fazes telefonemas. Eu comecei por fazer inbound... telefonava para casa das pessoas, pedia... era para o cartão Shell Smart... e pedia o número do bilhete de identidade ou do cartão de contribuinte, consoante o que faltasse na ficha da pessoa que estivesse em questão (...). Depois passei para aquilo que dava o cartão Shell Smart que era telemóveis com não sei quantos pontos... Aí já estava no outbound que era muito mais fácil. Fui para lá... foi uma amiga que eu conheci que trabalhava lá e então telefonou-me. Comecei por trabalhar só à noite, das seis às onze, todos os dias menos sábados e domingos. Depois o outbound passei a fazer sextas, sábados e domingos... também o turno da noite porque era o que dava mais dinheiro.

No meio de tantos e variados malabarismos para arranjar dinheiro não podia faltar o circo.

Fiz o Coliseu de Lisboa (...). O que eu faço é... Há uma equipa de arrumadores ou assistentes de sala. Temos várias funções: ou vamos levar as pessoas aos sítios, nas plateias, nos balcões ou nos camarotes, ou estamos nas portas ou no bengaleiro... É um trabalho muito giro, é uma equipa muito gira também. É uma coisa que se leva muito bem e é um óptimo dinheiro extra sempre ao final do mês. Também é um trabalho que eu gosto muito de fazer. E também não se ganha mal... à volta de 1000 escudos à hora. Eu também estou no Coliseu porque a minha irmã trabalha no Coliseu. Faz parte da equipa técnica e foi ela que me arranjou para eu vir para cá.

Entre os últimos trabalhos de Ninó contam-se, finalmente, biscates que têm alguma relação com a sua área de estudo: Agronomia.

O último trabalho que eu fiz (foi) na Geometral. Fui para este trabalho através da faculdade... fomos uma equipa de dez... fomos contar oliveiras!... Através do computador... fomos para o projecto olivícola. Há várias empresas que estão a fazer a contagem de oliveiras neste projecto. Mas a nossa área era só Trás-os-Montes! Pronto... picávamos as árvores com o rato. A intenção deste trabalho foi mais a nível curricular... não foi tanto por dinheiro porque eles também não pagavam tão bem como isso (...). Eu tenho uma amiga minha que estava a trabalhar na CAP. Entretanto saiu da CAP e soube que no mês de Julho ia começar o recenseamento dos touros de lide. E então ela... Encontrei-a numa despedida de solteira de uma amiga nossa e ela disse-me que ia haver um trabalho giro e que ela agora também ia começar a fazer... que era fazer o recenseamento dos animais e que por cada animal recebia-se 50 escudos... que até era capaz de se ganhar dez contos por dia. Eu disse logo “Ó Rita... não te esqueças de mim, se alguma coisa acontecer... se precisarem de mais uma pessoa, lembra-te de mim!” E assim foi (...). Isto era no Porto Alto (...). Comíamos lá qualquer coisa, dividíamos a gasolina... O trabalho depois durou dez, doze dias e acabou por não ser 50 escudos por boi ou vaca... acabou por ser 75 (...). Deu 370 contos. Fiquei toda contente! Foi o trabalho do ano!

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Ninó procura conciliar os biscates com os estudos e planifica, na medida do possível, essa conciliação.

Neste momento não estou a fazer mais nada, para além de estar no Coliseu como arrumadora, quando há espectáculo! Mais ou menos todos os meses, a médio prazo vejo se tenho ou não que estudar... Agora, por exemplo, tenho cadeiras para fazer em Novembro. Sei que em Dezembro tenho muito trabalho no Coliseu, com os circos... por isso não vou ter problemas de trabalho nem de dinheiro... Depois, em Janeiro, vou ter a outra época de exames, acaba em meados de Fevereiro. Eu já falei com a empresa em que estou inscrita, uma delas que é a Select, que em Fevereiro estou disponível para trabalhar. E pronto... já assegurei mais ou menos que no mês de Fevereiro e Março vou ter esse trabalho. Depois, tenho que acabar a tese de trabalho final (...). Depois, aí logo vejo se consigo conciliar ou não.

Ninó sustenta que um jovem que queira trabalhar encontra sempre trabalho, desde que não se preocupe com as características intrínsecas desse mesmo trabalho.

Eu acho que se as pessoas quiserem trabalhar e não estiverem muito preocupadas com o trabalhar muito e se é vergonha ou não estar num supermercado, ou se é isto ou aquilo (...), acho que se consegue lindamente estes trabalhinhos. Há n empresas, cada vez há mais coisas para fazer, até numa loja... Agora... trabalho qualificado... e a nível do meu curso... Eu por exemplo, sem ser este trabalho da Geometral e dos touros de lide, não tenho visto grande coisa para fazer. Porque eu não vou dizer que não preferia estar a fazer coisas na minha área... Só que não é assim tão fácil. E tenho tido a noção através de alguns colegas meus e do meu curso que é Engenharia Agro- Industrial que não têm tido... É assim: estão todos a trabalhar. Alguns muito bem... outros menos bem. E os que estão menos bem são talvez, a meu ver, os que estão nos hipermercados que ganham relativamente bem (220/230 contos)... só que trabalham de dia e de noite e não têm qualquer tipo de vida pessoal.

A necessidade premente de se fazer dinheiro rápido para não se diferirem projectos de vida, como o casamento ou o nascimento de um filho, leva alguns jovens a aceitar qualquer tipo de trabalho, muito abaixo das qualificações que possuem.

A partir da altura em que tu tens de abdicar de tudo, da tua família... de teres um filho... Tens de pensar se não é melhor ganhares 180 e teres essas coisas todas e não ganhares tanto. Eu acho que esses é que podem ser mais explorados. Para o tempo que trabalham! Acho que deviam ganhar mais. E com as qualificações que têm! (...) Eu em lado nenhum entro porque tenho esta qualificação! (...) O mercado de trabalho está um bocado difícil... está um bocado difícil (...). Não podemos ser muito exigentes, não é? Conheço muitas pessoas que quiseram ir trabalhar comigo, inclusivamente... depois não aguentavam estar em pé (...). Mesmo quem queira ser uma mera secretária ou mesmo quem tenha só o 12.º ano, é complicado porque as pessoas querem é ou

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seis meses ou um ano e depois mandam as pessoas embora. Isto faz com que haja uma inconstância muito grande das pessoas... que não tenham nada seguro, definitivo.

A precariedade no emprego nem sempre é vista pelos jovens como torturante. A instabilidade é, por vezes, encarada como um desafio, uma possibilidade de se ganhar experiência, experimentando coisas novas e diferentes. Contudo, se de uma precariedade episódica ou conjuntural se passa a uma precariedade ininterrupta e perenal, aí começa a surgir uma sensação de grande desconforto, nomeadamente entre jovens, como Ninó, que esperam um dia poder vir a desenvolver um trabalho no âmbito