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Labirintos de vida e trajectórias ioiô

Jorge Luís Borges, como se sabe, era um cultivador de labirintos. O labirinto é uma das muitas figuras do caos, entendido como uma complexidade cuja ordem existe, embora de forma oculta. Por isso, os labirintos, enquanto estruturas de uma globalidade, são realidades complexas, porque não é fácil encontrar a porta de saída dessa globalidade.

Em El Aleph, de Borges, a personagem principal, Joseph Cartaphilus, descobre na “Cidade dos Imortais” um verdadeiro caos, uma “globalidade complexa”, uma tradução exemplar de complexidade híbrida e fluida69. Um emaranhado de tráfico. Um mundo

sem sentido. Mas os labirintos, em toda a sua complexidade, têm uma estrutura de sentido. E, por essa razão, os labirintos são típicas representações figurativas de uma

complexidade inteligente, como nos diria Luhmann.

Todas as lendas, mitos, usos e jogos, inspirados na figura do labirinto apresentam duas características que acentuam essa complexidade inteligente: por um lado, o prazer do extravio frente a sua inextricabilidade; por outro lado, a expectativa de se sair do labirinto com as astúcias da razão (ou do sentido).

A modernidade recente é um terreno labiríntico que se furta à planificação. Podem criar-se planos para impulsionar novos rumos à vida ou à sociedade, mas esses planos criam realidades que são sombras de realidades antagónicas criadas por efeito de arrastamento e, desse modo, “o improvável torna-se provável”.

Embora para alguns jovens os riscos ofereçam oportunidades e sejam aceites na expectativa de benefícios – assim acontece quando se fareja ou pedincha um tacho, ainda que haja o risco de não o obter – para muitos outros jovens a vida é como uma lotaria, onde os riscos estão fora de controlo e a segurança é uma questão de sorte. Os riscos ameaçam, mas é a insegurança que verdadeiramente torna a vida insegura. Com efeito, o conceito de risco recobre a consciência da possibilidade de ocorrência de determinadas ameaças, teoricamente antecipáveis através de alguma forma de cálculo ou previsão. Em certa medida, estamos perante incertezas que podem ser transformadas em probabilidades. Assim, há uma situação de risco quando um jovem conduz um automóvel a uma velocidade elevada, e o risco é ainda maior se não levou o carro à revisão ou se conduz bêbado. Em contrapartida, o conceito de insegurança

69 John Urry, “O Tempo, a complexidade e o global”, Boletim Informativo da Associação Portuguesa de

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recobre incertezas que, pela sua natureza, não estão sujeitas a racionalizações de cálculo ou a uma probabilidade de ocorrência70. Um jovem com trabalho precário e

vivendo em situação de marginalidade não está em condições de calcular riscos de vida, uma vez que a sua vida é toda ela já um risco. Enquanto que a segurança exprime uma condição de estabilidade ou permanência que faz com que um jovem tenha fundamentadas expectativas de continuidade de uma carreira, a insegurança expressa um sentimento de incerteza em relação ao futuro, ao desconhecido. Como sugerido pelo título significativo de um ensaio de Vasily Kandinsky (Y), vivemos numa época de Y: Y de incógnita, mas também de junturas e conjunturas, de conexão de espaços, temporalidades, situações, instituições.

Tem-se argumentado que vivemos numa modernidade de “reflexividade social” onde as decisões são tomadas na base de informações apropriadas, mas, paradoxalmente, quanto mais informado se está, menos segurança se sente. Este é outro traço dos modos de vida em labirinto. De facto, vivemos uma época marcada por “dilemas de insegurança”71 onde os esforços bem intencionados para alcançar a segurança se

traduzem, muitas vezes, num reforço da insegurança. A “modernização reflexiva” de que nos fala Ulrich Beck não significa apenas uma mera reflexividade; significa essencialmente uma autoconfrontação da modernidade consigo mesma em que a expansão das opções se cruza com a proliferação dos riscos, em que a insegurança amplia as variantes de probabilidades futuras. Parafraseando Adorno e Horkheimer, na sua Dialética da Razão, poderíamos dizer que o risco secularizou a “sorte” e o “destino” que caracterizavam as sociedades tradicionais mas, nesse processo, o próprio risco converteu-se em mitologia, já que a sua incalculabilidade o torna indeterminado, embora determinavelmente presente, como ameaça de futuro.

A abertura e indeterminação do futuro não significa uma irradiação do destino, mas a sua produção social enquanto utopia. O destino deixou de ser o fado da vida, convertido em fardo da mesma, para ser a própria vida à procura do seu próprio destino. Ou seja, passou-se de um destino que nos era dado metasocialmente – por uma qualquer “exterioridade” que se imporia sobre as nossas maneiras de ser, de pensar e de sentir (Deus, Natureza, ou “representações colectivas”, como diria Durkheim), para um destino que é produzido quotidianamente, num campo de oportunidades, reivindicações, utopias. Estes outros lugares ou topos sociais surgem na senda de

70 A distinção entre risco e insegurança é feita por John Vailt al (Eds.), Insecure Times. Living with

Insecurity in Contemporary Society, Routledge, London, 1999.

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fraccionamentos sociais, de ataduras de vária ordem (religiosas, morais, políticas) que se desatam, perdendo as suas urdiduras (de dureza e durabilidade). As ataduras são unificantes, criam laços, dão “nós” entre elementos que aderem a uma identidade (de nós). Os nós e os laços asseguram a atadura, promovem a concordância e a coesão das partes que se atam. As utopias de vida, ao constituírem-se em terrenos labirínticos, geram a alternativa, a ambivalência, a discordância, a “probabilidade do improvável” (Luhmann). A vida social moderna encontra-se sujeita a um profundo processo de reorganização social que acompanha uma expansão dos mecanismos de desmembramento institucional que libertam as relações sociais dos seus enraizamentos locais72.

O que constatamos é que os jovens, por se sentirem num labirinto de vida, tendem muitas vezes a negar a vigência da realidade através de projecções utópicas. Para alguns deles, a fidelidade ao real faz-se através das margens para as quais são frequentemente relegados, como acontece quando procuram uma integração profissional nas margens da economia formal. Uns afundam-se nas margens, outros procuram inovações de margem73, margens de descoberta de novos topos, novos

lugares, lugares de futuro que não existem enquanto o presente não se esvai. Quer isto dizer que nos labirintos da vida alguns jovens acham-se depois de se perderem. Aliás, a tormentosa navegação das descobertas quinhentistas sempre se fez através de grandes escolhos (obstáculos) que abriam as portas às escolhas, às tomadas de decisão. No entrecruzamento dos escolhos com as escolhas surge a utopia e seus malefícios derivados: o optimismo messiânico e o pessimismo desencantado. Isso vê- se nas utopias de muitos jovens, quando, perdidos no labirinto da vida, se procuram achar. Veremos que a vida de muitos deles é como jogar e ser joguete, é um embrulho, é um labirinto que enreda a vida. Os seus percursos, entrecruzam topias e utopias sucessivas. De lugar (topia) em lugar (novas topias) vão descobrindo que a utopia se traduz exactamente no seu significado: ausência de lugar, mapa metafísico da realidade. As suas vidas são labirintos de encruzilhadas e de utopias, mas as aparentes saídas do labirinto desembocam em novos labirintos de encruzilhadas e de utopias. Há que saber viver no labirinto da vida.

72 A. Giddens, Modermity ans Self-Identity, Polity Press, London, 1991.

73 Sobre a Antropologia das “margens” pode consultar-se um excelente número temático da Análise Social consagrado ao tema e organizado por João de Pina Cabral: Análise Social, vol. XXXIV, n.º 153, 2000.

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É porque vivem em estruturas sociais crescentemente labirínticas que os jovens contemporâneos se envolvem em trajectórias ioiô74. De facto, um dos aspectos

essenciais das culturas juvenis contemporâneas deriva das lógicas antinómicas que as caracterizam: ora rígidas, uniformes, coercivas; ora flexíveis, opcionais, sedutoras. Perante estruturas sociais cada vez mais fluidas e modeladas em função dos indivíduos e seus desejos, os jovens sentem a sua vida marcada por crescentes inconstâncias, flutuações, descontinuidades, reversibilidades, movimentos autênticos de vaivém: saem de casa dos pais, para um qualquer dia voltarem; abandonam os estudos, para os retomarem tempos passados; encontram um emprego, e em qualquer momento se vêem sem ele; as suas paixões são como “voos de borboleta”, sem pouso certo; se casam, não é certo que seja para toda a vida... São estes movimentos oscilatórios e reversíveis que o recurso à metáfora do ioiô ajuda a expressar. Como se os jovens fizessem das suas vidas um céu onde exercitassem a sua capacidade de pássaros migratórios. Por outro lado, assistimos também a um movimento de vaivém entre os atributos desta nova condição juvenil e a sua reconstrução social, enquanto referente imaginário, pelas estruturas mediáticas e de consumo.

Como dizia Aristóteles, na sua Poética, a metáfora é o transporte a uma coisa do nome que designa outra75. Nas origens, ioiô designa uma coisa: um disco preso por um

74 Apresentei este conceito em 1994, no III Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, «Dinâmicas Multiculturais – Novas Faces, Outros Olhares. As Ciências Sociais nos Países de Língua Portuguesa e os Desafios Contemporâneos», organizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. A comunicação encontra-se publicada: “A geração yo-yô: uma nova condição juvenil?”, Dinâmicas Multiculturais. Novas Faces, Outros Olhares, Actas das sessões temáticas do III

Congresso Luso-Afro-Brasileiro, Edições do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,

Estudos e Investigações, 7, Lisboa, 1997, pp. 111-125. O conceito de ioiô tem vindo a ser trabalhado em redes internacionais da Sociologia da juventude, em particular no âmbito da EGRIS (Europäisch

Gesellschaft für Regionale und Internationale Socialforschung) e do projecto Misleading Trajectories? Evaluation of Employment Policies for Young Adults regarding non-intended effects of social exclusion,

apoiado pela Comunidade Europeia (Programa TSER - Targeted Socio-Economic Research Programme). Sobre o tema podem consultar-se os meus seguintes contributos: José Machado Pais, «Growing up on the EC periphery: Portugal», in L. Chisholm, P. Krüger e M.du Bois-Raymond (Eds.),

Growing Up in Europe, Berlin e New York, Gruyter, 1995, pp. 195-208; “Junge Erwachsene in Europa-

Nene Übergänge Zwischen Jugend und Erwachsen-Sein” (em colaboração), Nene Praxis. Zeitschrift für

Sozialarbeit, Sozialpädagogik und Sozialpolitik, np 3/97, Dortmund, 1997, pp. 244-266; “Transitions to

Adult Life: the Games and the Thrills”, Leisure Studies, September 1998, vol. 1, n.º 1, pp.2-8; “Young Adults in Europe. New Trajectories Between Youth and Adulthood. An Intercultural Outline of the European Research Network EGRIS” (em colaboração), in CYRCE (Eds.), European Yearbook for Youth

and Research, Vol. 2, De Gruyter, Berlim/New York, 1999, pp. 61-88; “Transitions and youth cultures”, International Social Science Journal, 164, UNESCO, 2000, pp. 219-232 e “Misleading Trajectories:

Transition dilemmas of young adults in Europe” (em colaboração), Journal of Youth Sdudies, vol. 4, n.º 1, 2001, pp. 101.118.

75 Porquê recorrer a uma metáfora para caracterizar uma condição social? Por uma razão simples. É que as metáforas, como os tropismos, são por vezes preferíveis aos modelos teóricos carregados de abstracções, artificialismos, sofistificações. Estes, tais como os conceitos, implicam uma rigidificação (modelização) da realidade. As metáforas, pelo contrário, são movimentos deslizantes (ioiô) de uma ideia a outra, permitindo-nos mais facilmente percorrer a realidade. Dos modelos ficamos frequente-mente

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fio com o qual se podem fazer movimentos oscilatórios. Como brinquedo que é, façamos um uso metafórico (lúdico) do ioiô. Tomemos o nome da “coisa” para designar outra. Como? Utilizando a metáfora como uma lente interpretativa da actual condição juvenil e das ritualidades que a constituem. Estas formam a base geradora dos quotidianos juvenis, ajudando-nos a interpretar a gramática e o léxico das culturas a que dão origem, não obstante a tensão semântica associada a muitas dessas ritualidades.

As “voltas e mais voltas” retratam, expressivamente, muitos dos actuais quotidianos juvenis. Diversos são os factores que contribuem para este volteio. Em primeiro lugar, os jovens desenvolvem uma espécie de culto da sensação multiplicada. A expressão é de Baudelaire e aparece em O meu coração a nu, espécie de diário íntimo escrito nos anos 60 do século passado. Aí, Baudelaire glorifica a vagabundagem, a boemia, a extravagância, tudo o que possa chocar a moral burguesa, proporcionando ao mesmo tempo vivências experimentalistas, numa aversão clara a todos os situacionismos, teúdos e manteúdos. É nesta lógica “experimentalista” que se desenvolvem muitas sociabilidades juvenis; criativas por natureza, mas também geradoras de intolerância, agressão, delinquência até. Não por acaso se tem sugerido que grande parte dos delitos dos jovens ocorrem nos seus tempos livres76. Por outro lado, esta filosofia de “vida de

inconstâncias” muda, ainda que sem os suprimir, os constrangimentos do trabalho profissional, educacional e familiar. Os jovens tendem a tudo relativizar: desde o valor dos diplomas até à segurança de emprego. E não o fazem sem razões. Os diplomas são cada vez mais vistos como “cheques carecas” sem cobertura no “mercado de trabalho”. Mercado de trabalho, também ele sujeito a grandes inconstâncias, a “voltas e mais voltas”, a flexibilizações, segmentações e turn overs.

Os quotidianos juvenis rodopiam entre tempos monocromáticos e tempos policromáticos77. Os primeiros são de natureza institucional (escolar, profissional,

familiar) e privilegiam os horários, a segmentação, a pontualidade; os segundos são de natureza sociabilística e enfatizam a aleatoriedade, os sentimentos, a experimentação, a convivialidade. Os tempos policromáticos são os que proporcionam as voltas mágicas

prisioneiros, uma vez que nos obrigam a pôr entre parêntesis porções significativas da realidade, isolando uns aspectos, enfatizando ou negligenciando outros. A metáfora é instrumentalmente mais plástica, porque mais especulativa, daí podendo resultar a sua heuristicidade. Cf. Brenda Beck, “The metaphor as a mediator between semantic and analogic modes of thought”, Current Anthropology, vol. 19, nº 1, pp. 83-97.

76 Joffre Dumazedier, “New ‘Eloge de la Folie’”, in Leisure & Recreation, vol. 32, nº 4, 1990, pp. 6-10. 77 T. Edward Hall, The Silent Language, Doubleday, New York, 1973.

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no carrocel da vida, as voltas e mais voltas que o próprio fado da vida permite. E nas “voltas que a vida dá” é curioso constatar que o movimento (iô) de socialização de pais para filhos dá uma volta de retorno (ioiô) que assegura que também os pais sejam socializados pelos filhos, aculturizados por uma cultura juvenil, cada vez mais referencial, nomeadamente no domínio da moda e da valorização do corpo.

As “voltas e mais voltas” ocorrem ainda no campo das relações amorosas. Numa semana pode dar-se uma volta com um/a namorado/a para, na semana seguinte, se andar com outro/a. Há ritualizações associadas à sexualidade que produzem, entre os jovens, uma mediação entre desejos, angústias e desilusões78. Também é frequente,

quando o cansaço vem ao de cima, mandar-se o namorado/a “dar uma volta”, ou pô-lo a “girar” ou a “bugiar”, isto é, pô-lo à distância ou à ilharga. A metáfora das “voltas” aplica-se ainda às relações sexuais. A impetuosidade dos jovens (especialmente dos rapazes, segundo se gabam) reflecte-se na capacidade de darem “voltas e mais voltas”, especialmente nos febris fins-de-semana, com motas e namoradas. Amigos de escapes barulhentos, estes jovens abraçam estilos de vida “escapatórios”, que lhes garantam mobilidade, elasticidade. Quando se prendem (ao “nó” do casamento), alimentam sempre uma “presunção de divórcio”, isto é, uma crença de que, “se um casamento não funciona, não faz mal, porque há sempre possibilidades de separação”.

O importante é assegurar uma autonomia individual, uma liberdade existencial que confira espaços de manobra, onde voltear. Esta mobilidade é particularmente explorada no consumo. O consumismo não é apenas um espelho da produção. As formas e os significados culturais não se reduzem ao económico. No consumismo encontramos também dimensões ligadas aos sonhos, à consolação, às imagens, às identidades. No consumo volteia-se. É o que acontece nos ciclos da moda, com velhos estilos que voltam. Porque é que os jovens manipulam tão intensamente as fachadas visuais? Porque, por definição, a moda é instantânea, é movimento, é mudança. A moda é, em si mesma, a imposição da mudança como mecanismo de autonomização. Andar atrás ou na vanguarda da moda é estar no campo do eco dos “últimos gritos” da moda – os quais costumam “chocar” na exacta medida em que desestabilizam as convenções, o normal; e na medida, também, em que, através da moda, os jovens usam as armas do artifício de que a extravagância é a plena assunção: quando os sapatos de bico, linha italiana, estão de moda, eis que surgem os calçados “submarinos”, tipo “botas da tropa”; quando os cabelos compridos farfalheiam as cabeças, eis os cortes exóticos de “tigela”;

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etc. A moda assegura sempre a possibilidade de romper com o normal, com voltas permanentes à originalidade. A necessidade de se ser “original” não corresponde apenas ao domínio de um “narcisismo individualista”, em que o mundo é um espelho no qual o indivíduo se olha; o que está em causa é um “narcisismo relacional” em que o indivíduo se sente como o espelho em que os outros se olham.

O princípio da reversibilidade nos processos de transição para a vida adulta – nas vertentes educacional, profissional e conjugal – incita-nos a caracterizar metaforicamente a geração dos anos 90 como a geração ioiô. De facto, os umbrais tradicionais de transição para a vida adulta – abandono da família de origem, casamento, obtenção de emprego – são manifestamente reversíveis. As oposições estudante/não estudante, activo/inactivo, celibatário/casado encontram-se ultrapassadas por uma multiplicidade de estatutos intermédios e reversíveis, mais ou menos transitórios ou precários. As próprias sequências desses umbrais de passagem não são lineares ou uniformes: o abandono da família de origem nem sempre coincide com o fim da escolaridade ou com o casamento; a obtenção de uma experiência profissional pode ocorrer na fase de estudante; a coabitação pode ser anterior à obtenção de emprego estável. Enfim, os processos de transição são francamente heterogéneos e marcados por apreciáveis descontinuidades e rupturas79.

A geração ioiô, pela sua natureza, é uma geração em que o “tempo flecha” se cruza com o tempo cíclico, tempo de eterno retorno. Os jovens desta geração tão rapidamente abandonam a escola, adquirem emprego e se casam – deixando de ser jovens e passando a adultos – quanto, com a mesma rapidez, caem de novo no desemprego, voltam à condição de estudantes e se divorciam, redescobrindo a juventude. O princípio

da reversibilidade nos processos de transição para a vida adulta faz com que alguns

jovens abandonem a escola na expectativa de iniciarem uma carreira profissional para acabarem por regressar à escola, dadas as dificuldades de obtenção de emprego. Outros permanecem na escola, mas sentem-se nela a mais.

O princípio da reversibilidade verifica-se também no plano da vida familiar. Há umas décadas atrás, a forma dominante que correspondia ao abandono da família de origem tinha por finalidade o casamento. Contudo, hoje em dia, o celibato parece configurar outra possibilidade de abandono da família de origem. Mas a maioria dos jovens que vive fora da casa dos pais não deixa de viver na sua dependência econó-mica80. Por

79 J. M. Pais, Culturas Juvenis...

80 Schmidt, Luísa (1990), «Jovens: família, dinheiro, autonomia», Análise Social, vol. XXV (108-109), 1990 4.º-5.º), pp. 669.

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outro lado, o divórcio marca presença significativa entre os jovens casados, acontecendo que alguns que deixaram de viver com os pais, por se terem casado, regressam divorciados ao velho lar familiar. Aliás, os sentimentos de frustração entre alguns jovens adultos contemporâneos não derivam apenas de falsas expectativas de mobilidade social ou inserção profissional. As desilusões estendem-se também à vida conjugal. Há uma predominância crescente do mito do enamoramento, mas as possibilidades de insucesso são também crescentes. Divórcios, coabitações, recasamentos e outros acasalamentos formam a trama da paisagem conjugal de muitos jovens adultos81.

Outros factores têm contribuído para o alongamento da fase de vida a que corresponde a juventude, devido ao prolongamento das trajectórias escolares e ao retardamento de entrada no mercado de trabalho. Assistimos a uma crescente desactivação dos jovens do mundo do trabalho, devido ao desemprego. Em Portugal, a percentagem de jovens desempregados no conjunto da população desempregada é das mais elevadas da Europa, rondando os 50% (45.3% no ano de 2000), o mesmo acontecendo com a percentagem de jovens envolvidos em “trabalho temporário”. Por outro lado, nos últimos anos, o emprego precário tem aumentado numa proporção dez vezes superior ao aumento do emprego permanente. O volume de desemprego de longa duração entre jovens tem implicado o surgimento de fenómenos apreciáveis de exclusão: nomeadamente entre os que detêm baixos níveis de qualificação, os estrangeiros, certas categorias de mulheres (de indústrias decadentes, mães solteiras, etc.). A precariedade de emprego, por outro lado, faz com que muitos jovens andem,