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Até ficar de “baixa”

percursos e discursos

3. Até ficar de “baixa”

Zé Manel é um jovem de 23 anos de idade, com o 9.º ano de escolaridade. O pai, escriturário, tem 48 anos e a mãe, empregada de balcão, menos dez. Dos avôs, apenas o materno andou na escola, chegando à 4.ª classe. Zé Manel encontra-se sem emprego, no momento em que é entrevistado. Começou a trabalhar aos 17 anos, numa agência de viagens, como paquete. Do seu primeiro trabalho, arranjado através de uma amiga, recorda-se como se hoje ainda o realizasse.

Pronto, ia levar bilhetes, desde tratar dos vistos dos clientes nas embaixadas até levar bilhetes de avião ao aeroporto a clientes que saíam do trabalho e iam directamente ao aeroporto ter comigo e seguiam viagem; ia aos correios, levava as cartas, metia os selos...

E também se recorda do primeiro dinheiro que ganhou, do uso que dele fez, das compras sonhadas que antecipou, dos copitos que não bebeu e do mais que não comeu – vivia a dois Mars por dia – para poder adquirir uma guitarra eléctrica, já que o pai o convencera de que a bateria com que sonhara era mesmo um sonho de telhado.

Guardei tudinho (...). Gastava o dinheiro do passe, e por mês era assim, eu durante quatro meses andei a comer dois Mars por dia, a sério, para comprar uma guitarra eléctrica, ou não, uma bateria (...). Não disse nada a ninguém, e eu pimba, vou comprar uma bateria. Acabei por não comprar a bateria, porque disse ao meu pai e ele, “Tá bem, onde é que a pões, no telhado?” Pronto OK. Por isso andei a juntar, tudo, tudo durante quatro meses, 40 contos não dava para nada, a guitarra custava 70, e eu fui uma ou duas vezes, não estou a exagerar, beber um copo com um amigo ou qualquer coisa... de resto, juntei tudo ali, só gastava o dinheiro do passe, quatro meses para a guitarra.

Antes, contudo, tivera a precaução de se certificar de que o dinheiro que ganhava não era reivindicado para os gastos da casa, pois sempre fora educado numa cultura familiar de partilha.

Desde o 1.º ordenado, logo que cheguei a casa com o ordenado perguntei ao meu pai: “É preciso dar alguma coisa em casa?” e ele, o meu pai até disse: “Não, aquilo que ganhares é para ti. Felizmente não precisamos de ajuda da tua parte, portanto o que ganhares é para ti, estás à vontade”.

Zé Manel não gostava de fazer o serviço de paquete, mas a chefia da agência prometera-lhe que “se fosse tomando atenção às lides” passaria a “interno”. Lidou o

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melhor que soube com as tarefas que lhe distribuíram durante 10 meses, mas o lugar de “interno” foi atribuído a outro funcionário. Sentiu--se defraudado, e abandonou a agência, sem saber que outro rumo dar à vida, para além do da dignidade.

Saí assim à papo-seco, não sabia para onde havia de ir. E aí sim, comecei à procura de trabalho. Acabei por receber poucas, aliás, nenhumas ofertas e acabei por ir trabalhar para a EDP. Foi o meu pai, que trabalha lá, que meteu uma cunhazinha, que precisavam de uma pessoa com um contrato de três meses, só para acelerar lá o expediente e arquivo.

Quando lhe ofereceram o contrato por três meses, criaram-lhe a ilusão de uma possível renovação, “se tiveres disponível”... “eu estou já hoje disponível”, mas, findos os três meses, não lhe renovaram o contrato.

Fiquei pendurado (...), comecei a ver “Péra aí, não me chamam e eu tenho de me virar para outro lado.” Então comecei a ir ao jornal, à procura, havia poucas coisas, até para paquete eu me candidatei, era o tudo ou nada. Depois, nós começamo-nos a habituar a ganhar, e depois é assim: eu comecei a ganhar 40 e fiz um estilo de vida para esses 40, depois passei a ganhar mais do dobro, 90, depois com subsídio de alimentação, e fiquei a trabalhar um sábado inteiro ganhava-se 200% na altura e um dia de folga... Eu, maravilha... ali é que estava bem! Acabei por fazer um estilo de vida para os 90.

Os sociólogos que se especializam no estudo dos “estilos de vida” costumam trabalhar modelos com múltiplas variáveis para a determinação dos status sociais que aparecem associados aos vários estilos de vida. O nosso Zé Manel mede o estilo de vida a partir de uma variável simples, o rendimento. A salário elevado corresponde um estilo de vida elevado; quando perde o emprego, perde também o estilo de vida e ganha um ar de preocupação que não passa despercebido a familiares e amigos.

Foi um amigo do meu pai que, por acaso, soube que eu estava desempregado, porque o meu pai “É pá, o Zé Manel anda preocupado, nunca mais arranja nada...” (...) e então arranjou-me para a CME (Construção Metalo Electromecânica), vê-se às vezes aí nas obras da rua, o coisinho da CME, e eu acabei por ir para lá em Abril (...). Estive quatro meses desempregado. (...) Assinei o contrato como escriturário para o departamento de compras. Eu ia para o departamento de compras, fazer inventários (...), quer dizer, cada coisinha, até o rato do computador tinha uma chapa com o n.º de inventário, informatizava a saída do material, a entrada, o material avariado, o material que saía bom e chegava avariado. Nunca me aconteceu sair de lá uma coisa avariada e que chegasse boa (risos).

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No entanto, a dado passo, vê-se empurrado do escritório para o armazém, de escriturário passa a exercer funções de auxiliar de armazém. De início não protestou, foi aguardando, mas um dia encheu-se de coragem e acabou por questionar um Engenheiro:

Fui ficando lá, fui ficando lá, fui ficando lá, até que uma vez eu disse-lhe “Eu assinei um contrato e no contrato está lá que eu sou escriturário do departamento de compras, não é auxiliar de armazém, nem fiel de armazém, nem nada.” E ele acabou por dizer que “Para o mês que vem vais lá para o escritório”, para o mês que vem, para o mês que vem...

Mas como o “mês que vem” nunca mais vinha, e sentindo-se mais uma vez enganado, decidiu abandonar o trabalho de escritório que afinal era no armazém. Durante dois meses procurou novo trabalho, em vão. O paradoxal funcionamento do mercado de trabalho exige, simultaneamente, alguém que seja jovem e com experiência – atributos antitéticos e contraditórios. Por isso, é mais fácil chegar ao mercado de trabalho através de redes de conhecimento ou de cunhas. Passados dois meses, um amigo convida-o para a empresa que acabara de constituir, no ramo de administração de propriedades e prestação de serviços. À mão que o amigo lhe dá retribui o melhor que pode, sem mãos a medir em tudo o que possa ajudar ao sucesso da empresa.

Tive lá a ajudá-lo a abrir a empresa, a fazer modelos no computador de actas, modelos de balancetes do exercício de x ano, por aí fora, a fazer... fazia lá muita coisa, era secretariado. Ajudava-o nas contas, a imprimir as rendas, as quotizações, os clientes às vezes iam lá pagar, e eu recebia, íamos lá à caixa, ao fundo de maneio (...), ao fim e ao cabo, a gerência da empresa, conjuntamente com o meu patrão, que era o pai do meu colega. Aprendi bastantes coisas com ele.

A azáfama foi quebrada pela perda sentida da avó. Zé Manel foi mesmo “abaixo” – “foi uma perda que senti bastante” – até que é confrontado com a incorporação militar, e disse “Agora sim, agora eu preciso de férias”... O rito de passagem para as férias sonhadas foi certamente importante para o Zé Manel, pois recorda-se do dia exacto da incorporação. Mas com idêntica capacidade memorativa também se recorda do dia exacto em que deixou o quartel, o último dia de umas férias frustradas.

Em Janeiro, dia 8 de Janeiro, fui para a tropa, para Tomar (...), estive lá seis meses. Dois meses a fazer a recruta e depois fui para Santa Margarida, para o 2.º BMEC... 5 estrelas, não aconselho a ninguém, nem ao meu pior inimigo. E pronto, depois saí, ao fim dos seis meses... Depois, sim, depois precisei de férias. Saí a 7 de Julho.

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Da vida da tropa recorda o salário amargo – nem dava para um Mars – mas recebido a horas; pode-se dizer muito mal da tropa, mas a pagar “são certinhos, direitinhos”.

Na tropa ganhava 12 contos como recruta e... aí eu nem podia comer um mars para a guitarra se eu quisesse... quer dizer, eu chegava ao fim e ainda tinha de pedir uns trocos para a guitarra! (risos) E depois... 25 contos ou assim uma coisa. Mas tudo ali à maneira, tudo legal. Na tropa podem ser muito maus em muita coisa, mas em termos de pagar são certinhos e direitinhos, sem problemas.

Depois de cumprir o serviço militar, Zé Manel esteve cerca de meio ano desempregado. Férias prolongadas. Na verdade, Zé Manel não as desejava tão longas, queria apenas desfrutar de um ou dois meses de descanso – não os tivera na tropa – mas, entretanto, não conseguia arranjar emprego, mesmo invocando ter já cumprido o serviço militar. Antes, colocavam-lhe sempre o entrave do serviço militar; agora, que o cumprira, ninguém ligava a isso. Os efeitos do descanso já tinham sido contrafeitos pelo desespero da espera de emprego, cansou de responder a anúncios de jornal e, se tivesse queda para a escrita, podia escrever um romance a que caía bem o título:

“Ninguém escreve ao Zé Manel”.

Lá fui eu ao jornal, ao jornaleco, ver os anúncios, respondi a uma data deles e nunca recebi resposta, nunca ninguém me disse nada. Não sei se era por eu... para já tinha uma coisa a meu favor que era o facto de eu já ter cumprido a tropa. Antes, tudo bem, não me respondiam porque, pronto, brevemente eu ia para a tropa e podiam querer uma pessoa que ficasse lá permanentemente, à vontade, sem compromissos obrigatórios, como é a tropa. E eu acabei por... não percebi bem, mas nunca me responderam. E enviei bastantes.

Pede o apoio do pai, talvez na EDP lhe conseguissem arranjar qualquer coisa, “nem que fosse contínuo, andar lá de um lado para o outro para ver se estava tudo bem”. O pai não lhe arranjou nada na EDP, mas conseguiu colocá-lo numa empresa de segurança, como estafeta interno. O trabalho não lhe desagradava, até ao momento em que se cansou de não fazer nada.

Eu estava no 1.º andar, no r/c não havia nada, e eu tinha um determinado horário... para já eu estava a fazer doze horas, das 8 da manhã às 11 da noite (...). Não fazia nada! Só tinha que estar lá dentro. Muitas palavras cruzadas fiz eu! (...) Não tinha hora de almoço, eu tinha que comer o mais depressa possível, porque aquilo era doze horas, doze horas de trabalho, eu comia em meia hora qualquer coisa no refeitório.

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Das jornadas de doze horas de trabalho sem tempo para comer, Zé Manel passou a fazer turnos à noite, vendo sobrar-lhe o tempo para as palavras cruzadas. De privação em privação, se dantes não tinha tempo para comer, agora não tinha lugar para evacuar, a não ser atrás de uma barraca. Cansava-se de nada fazer, sentia-se estúpido e inútil. Embora a vida possa ser considerada uma busca do impossível através do inútil, Zé Manel afastava a possibilidade de a transformar em inutilidade.

Aí não fazia nada, (...) estava sozinho num portão, onde não tinha condições nenhumas, nem para necessidades fisiológicas. Quer dizer, tinha de ir atrás da barraca fazer um chichizinho, se fosse algo mais sólido não fazia, tinha de esperar... Quer dizer, poder podia, ligava para lá “Tenho de ir à casa de banho, dê aqui um pulo alguém, senão” (...), mas não tinha condições, só tinha uma televisão a preto e branco que só dava o canal 2, que não dava nada de jeito, nem um filmezinho, nem em francês nem nada... muitas palavras cruzadas, muitos jornais, andava super-actualizado nessa altura (...). Depois saí, porque já... quer dizer o dinheiro fazia-me falta, só que eu não passava daquilo, eu podia ter a 4.ª classe, saber ler e escrever, contar até 100, não era preciso mais (...). Sentia-me um bocado estúpido, sentia-me um bocado inútil, assim aparvalhado, a sério.

Zé Manel pretendia um trabalho onde pudesse realizar-se profissionalmente. Muitas vezes, o problema do trabalho não está apenas na falta dele. Trabalho sempre se encontra, com mais ou menos dificuldade, a carregar tijolos ou a teclar dados para um computador. O problema do trabalho não é só de haver ou não haver, é também de ser ou não ser alienante. Ter uma ocupação como aquela que tinha era como se estivesse desempregado. E os turnos baralhavam-lhe a cabeça, afastavam-lhe as amizades, não fazia mais nada que ler o jornal e ver o canal 2 de uma televisão a preto e branco que lhe ensombrava a imaginação.

Eram tantas horas seguidas, e baralhava-me os sonos de tal maneira, que eu depois chegava--me ao pé do pessoal e, às vezes, para ter uma simples conversa, eu não era capaz de ter, parece que não sabia falar, se me falassem de notícias, coisa que eles não liam o jornal, porque tinham coisas muito mais interessantes do que ler o jornal durante o dia, não, eu desde a economia até ao boletim meteorológico eu lia, até lia aqueles que deixaram de fumar, a necrologia, isso! (risos). A falar a sério, eu devorava o jornal, a sério! Quer dizer, eu tinha tempo para ler, também era a única coisa que eu tinha para fazer. Pronto (...), já estava a entrar em stress. Aquilo de não fazer nada, a pessoa também farta-se, não é? Eu queria algo um bocado mais estimulante, para me sentir minimamente realizado profissionalmente. E ali, não (...). Aí sim, aí tive um ano e meio desempregado.

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Um desemprego de cura, pode dizer-se. Entre dois trabalhos maus o lema é escolher o menos mau; mais vale o mau que se conhece do que o bom por conhecer. Zé Manel volta a trabalhar na empresa do amigo, a de administração de propriedades. O trabalho era bem mais interessante do que o necrólogo trabalho por turnos; conseguiu solucionar os problemas do computador da empresa que os técnicos ditos especializados não conseguiram solucionar, mas a remuneração era miserável, deixava-lhe a vida sem “estilo” nenhum, de acordo com a sua teoria singela de estratificação social, postulando que a cada classe de rendimentos corresponde um estilo de vida.

Ele já estava farto de gastar dinheiro em técnicos de computadores, o computador não tinha nada de especial (...). Não me perguntem quanto é que eu ganhei, que eu até tenho vergonha... porque eu ‘tava’ a trabalhar para um amigo. Eu digo--vos, pronto, não se esforcem... 30 contos por mês, para amigos! E eu a fazer as contas de quanto é que eles recebiam por mês e por ano... Quer dizer, eu ali com a contabilidade toda à minha frente e eles “É pá, não há dinheiro e tal!” Desculpem lá! Então sou eu que não sei ler, não sei contar. Estão aqui trezentos ou quatrocentos contos por mês, devem ser virtuais! E pronto, eu fui para lá, ajudei e não sei quê. Afinal aquilo era um problema do computador que apagava uns ficheiros que não devia de apagar e apagava modelos que não devia de apagar. Pronto, modelos base, que a partir dali só era preciso preencher os espaços, portanto já estavam definidos. Isto, coisa que eu já tinha feito há uns anos atrás.

Pagavam-lhe pouco com o argumento de não haver dinheiro e ele a fazer os registos diários da contabilidade da empresa que diariamente deitavam por terra o argumento. Há empresas que vivem num mundo virtual. Afinal, até o próprio Zé Manel acaba por procurar alternativas virtuais à realidade presente. Os seus projectos de futuro servem mais para alimentar o presente do que para programar o futuro. São projectos de um imaginário que ilusiona o presente, confundindo-o com o futuro. Entretanto, Zé Manel persiste em agarrar a ilusão de encontrar um trabalho onde seja possível conciliar realização profissional e remuneração razoável.

Continuei a mandar anúncios de jornal (...), fui a algumas entrevistas, houve várias que deram-se ao luxo de “Ah, você tem um currículo muito bom! Se calhar a gente chama-o, mas é mal empregado estar aqui a fazer isto ou aquilo!” Várias coisas, não fixei, como não fui para lá trabalhar, caguei! Esqueci e parti para outra! Era mesmo assim, porque se eu fosse a pensar, podia estar aqui ou estar acolá, ao fim de ano e meio batia a bota. Dava em maluco.

Ao Zé Manel tudo lhe interessa, mas nada o prende. E não vale a pena pensar, muito menos lembrar, fracassos que lhe rondam a vida e que os espanta batendo a bota. Dava em maluco. Mas Zé Manel dá voltas e mais voltas às circunstâncias imediatas

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que o põem tonto de tanta volta, consciente de que é necessário fazer algo, mesmo quando parece não haver nada a fazer. Enquanto persiste em responder a anúncios de jornal, continua a trabalhar na empresa do amigo, sem saber muito bem se a sua situação se pode classificar de empregado ou de desempregado. Zé Manel vê-se mais como desempregado, embora os recenseadores das estatísticas oficiais não tivessem dúvida em o considerar como empregado. Se os inquiridores do Instituto Nacional de Estatística o apanhassem na situação em que está, Zé Manel seria inevitavelmente inventariado como trabalhador nos Censos de 2001, pois, segundo os critérios oficiais, trabalhara “durante pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração ou ganho em dinheiro ou em géneros”.

Tive lá um ano a receber trinta contos. Tudo bem, eu não recebia subsídio de alimentação, nem nada, era tudo por fora, não tinha contrato, nem recibos verdes, não fazia descontos para a SS. Pronto, eu para qualquer... qualquer fiscalização eu estava desempregado.

Conforme passa o tempo, conforme deambula de um trabalho a outro, conforme a precariedade se instala na sua vida, os efeitos da instabilidade deterioram a sua auto-- estima, dificultam os seus projectos de vida. Até que, finalmente, encontra resposta a um anúncio de jornal a que o pai respondera, fingindo que era o Zé Manel. A crença nos azares é um hábito de memória, mas agora, com a ajuda do pai, tinha conseguido enganar o azar. A sorte é uma réplica do mito renascentista da deusa Fortuna que, por sua vez, procede da figura mítica grega Tique. Tique viajou por todo o mundo e era representada por uma roda (a roda da fortuna), circulando em constante movimento e distribuindo com despreocupação os seus numerosos bens. Mas nunca a fortuna bateu à porta de Zé Manel, ou melhor, bateu por equívoco, por intermediação do pai, e assim foi que o chamaram da Sondaglobal (nome fictício), uma empresa de marketing e sondagens de opinião.

Foi o único anúncio de jornal que me responderam, e não foi enviado por mim, foi pelo meu pai, sem eu saber... Pronto ele também viu alguns e enviou, que eu nem sabia... Só quando eu recebi a chamada é que... o telefonema deles, o contacto para eu ir lá à entrevista, o meu pai disse-me “fui eu que mandei!”, olha, porreiro! (...) Sondaglobal é uma empresa de Marketing, mais à base dos estudos de mercado (...), pronto fui um dia à entrevista, numa 4.ª feira, e entrei na 2.ª feira logo a seguir. Tive lá como auxiliar administrativo, contrato de seis meses a recibos verdes (...). Ao fim e ao cabo assinava sempre o contrato por mês (...), para as funções que o outorgante um quisesse, ou seja, eu tanto podia estar a fazer de auxiliar administrativo, como podia estar a fazer serviço de paquete, como a carregar mercadoria, resma de papel ou assim uma coisa. Tive lá durante 4

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meses como auxiliar administrativo. É assim, eu ajudava à informatização dos estudos, ou seja, o consultor falava com o cliente, recebia... era-lhe adjudicado o estudo. Ele fazia o questionário, depois da aprovação do cliente dava ao chefe de campo. O chefe de campo tinha por função uma série de coisas e a minha era ajudá-lo a fazer amostras, se houvesse cotas, a distribuir as cotas (sexo, idade, zona em si, Norte Interior, Porto, Grande Porto, Lisboa, Norte de Lisboa, Sul de Lisboa, Algarve, outra terra, dependendo do estudo), era a informatização toda disso, era tirar as fotocópias (...), fotocopiávamos as entrevistas todas, numerávamos e depois contactávamos os entrevistadores, fazia-se uma acção de formação, uma acção de formação não, um briefing, pronto, explicava-se o inquérito, quais eram as perguntas chave, como é que se podia influenciar ou não.

Zé Manel integrou-se bem na empresa, orgulhava-se do sentido de responsabilidade com que exercia as tarefas que lhe confiavam, era exigente consigo mesmo. Reconhecia ter tido muitos azares (a crença nos azares era hábito da memória). Mas, se acreditasse que cada um tem o que merece, culpar-se-ia do fracasso do destino. A