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3.1 CAMINHOS DA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

3.1.3 A formação profissional policial nos anos 2000

Em 2000, com Plano Nacional de Segurança Pública se iniciou uma manifesta preocupação quanto à formação, qualificação e valorização profissional dos agentes de segurança pública, almejando o aperfeiçoamento dos conhecimentos policiais e uma ação policial mais eficiente e eficaz.

Ressaltou-se a existência de um consenso mundial no sentido de entender que a eficiência da polícia está diretamente ligada a sua proximidade da população e ao grau de confiança alcançado junto à comunidade.

Dava-se ênfase aos programas de capacitação na área de segurança pública, a reestruturação e modernização da Academia Nacional de Polícia criando condições para que ela viesse a atuar como centro de capacitação continuada dos agentes de segurança pública.

Para orientar a formação de seus agentes e para garantir uma reforma substancial nas polícias estaduais, nesse período foi desenvolvido um documento denominado de Bases Curriculares para a Formação dos Profissionais de Segurança do Cidadão.

Este documento acabou servindo de suporte para orientar nos estados o planejamento dos cursos de formação, a organização curricular e as intervenções pedagógicas dos centros de formação e academias de polícia, responsáveis pela formação profissional policial inicial e continuada nas organizações policiais.

Em outras palavras, uma ferramenta que auxilie na homogeneização dos cursos, traçando um modelo curricular básico, contendo um núcleo comum a todas as formações a ser acrescido de uma parte diversificada, formada por outras disciplinas que seriam delimitadas de acordo com as características específicas de cada curso de formação e as peculiaridades regionais.

Mesmo porque se pretendia apoiar a padronização da capacitação das polícias estaduais, particularmente na gestão de segurança pública, na mediação de conflitos, nas operações que envolvessem o policiamento de manifestações de massa e investigação policial e, especialmente, na implantação de polícias comunitárias, além de buscar promover a integração entre as academias de polícia civil e militar.

Em 2003, se verificou uma revisão no modelo que orientava a política de segurança pública no país, inaugurando um novel modo de se pensar e fazer segurança pública no Brasil, com a elaboração do Projeto Segurança Pública para o Brasil.

A partir desse projeto, se reconheceu, categoricamente, a importância do aperfeiçoamento da formação profissional e da educação continuidade como instrumento fundamental para a modificação das polícias brasileiras, com a superação do modelo tradicional de formação policial priorizado no Brasil.

O Projeto Segurança Pública para o Brasil aduziu que a falta de estímulo e requalificação dos agentes da segurança faz com que eles percam seu interesse profissional, caindo na apatia e desconsiderando a importância e significação da sua função.

Neste projeto ressalta a necessidade de constituição de um sistema educacional único para todas as polícias e outros órgãos da segurança pública, através do qual passará a existir uma visão de mundo comum em todas as polícias e um mínimo técnico que possibilitará o diálogo entre instituições, superando disputas e rivalidades institucionais.

Com a criação do SUSP, em 2004, os governos estaduais e municipais passaram a apresentar projetos na área de segurança pública, inclusive para formação e valorização profissional. As propostas eram contempladas com recursos financeiros do FNSP, logo após passarem pela análise e aprovação da SENASP.

Após estudo realizado pela SENASP em parceria com o UNODC/ONU, foram diagnosticadas deficiências na educação oferecida na seara da segurança pública (BRASIL, 2006) tais como:

 Precariedade na organização da formação (fragmentada e com escassa qualidade);  Ausência de padronização dos conteúdos formativos válido em todo o país;

 Fragilidade dos princípios pedagógicos que, apesar das tentativas de alinhar a formação aos princípios democráticos e científicos condizentes com uma concepção moderna de Segurança Pública, não se concretizaram em novas práticas formativas;

 Qualificação insuficiente dos instrutores (nos aspectos metodológicos e às habilidades didáticas);

 Precariedade ou subutilização das estruturas de formação (ex.: escassez de recursos materiais e, em alguns casos, ainda que suficientemente dotadas, elas funcionam abaixo da sua capacidade de atendimento);

 Ausência de integração entre as instituições de ensino no contexto estadual, repercutindo negativamente na possibilidade de difusão de práticas integradas entre as agências policiais;

 Resposta insuficiente a demanda por formação, que supera amplamente a atual capacidade de atendimento pelas instituições de Ensino;

 Ausência de uma política de valorização profissional.

Com base no que foi diagnosticado e na realidade que se constatava, partindo do compromisso com uma formação que possibilitasse aos operadores de segurança pública a compreensão sua função social e os capacitasse tecnicamente para o exercício de suas funções, a SENASP deflagrou uma ampla reestruturação na educação em Segurança Pública:

 Criando o Sistema Integrado de Formação e Valorização Profissional, o qual despontou, ao longo de quatro anos (2003-2006), na elaboração da Matriz Curricular Nacional para Ensino Policial, extrapolando as premissas utilizadas pelas Bases Curriculares;

 Propondo programas de valorização profissional e de integração das Academias com Centros de Formação;

 Instituindo a Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública e a Rede de Educação à Distância para Segurança Pública, numa perspectiva de ensino democrático e continuado;

 Difundindo os conceitos de direitos humanos;  Apoiando e realizando ações formativas.

Assim, a mudança de arquétipos e a reformulação dos cursos das academias não bastam, haja vista que esse sistema trouxe como vértice uma Escola Superior de Segurança e Proteção Social, apta atuar nas unidades da federação em parcerias e convênios com Universidades nacionalmente reconhecidas pela qualidade no seu ensino.

Contudo, essa medida não significa a deslegitimação das academias e centros de formação policial, que continuarão a desenvolver seu trabalho técnico, seguindo os parâmetros nacionais fixados, a partir do ano de 2003, pela Matriz Curricular Nacional (MCN) para as instituições policiais, seguindo, dentre outros, o princípio da integração, que consiste na necessária aproximação entre as Academias de Polícia e as Universidades ou Centros de Ensino.

Em 2005, foi elaborado o documento denominado Diretrizes Pedagógicas para as Atividades Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública, que trouxe em seu texto orientações para o planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades formativas, de acordo com as diretrizes da SENASP.

Porém, naquele mesmo ano, foi editada a Nova Malha Curricular, na qual foram estabelecidas grandes redefinições na formação dos agentes de segurança pública, diferentemente das Bases Curriculares, a Malha Curricular fez um redirecionamento às disciplinas que deveriam compor o núcleo comum dos cursos de formação, acrescentando alguns conteúdos volvidos à preservação de provas, gestão pública e análise de cenários e riscos.

Em 2005, o Governo Federal desenvolveu a Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública, atualmente denominada de Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP). A RENAESP é um projeto da SENASP de formação continuada voltado aos operadores de segurança pública e aos profissionais da sociedade civil organizada com interesse na temática.

Trata-se de uma ação realizada em parceria com instituições de ensino superior, públicas e privadas, devidamente credenciadas pela SENASP, visando promover cursos de pós- graduação lato sensu nas modalidades presencial e a distância, além de cursos de educação à distância através dos telecentros, sendo concedidas bolsas-formação para policiais civis e militares, inscritos nos cursos aludidos cursos.

Em 2006, foi estabelecida a Matriz Curricular em Movimento (MCM), produto de uma reflexão articulada sobre a MCN, realizada durante seis seminários regionais promovidos pela SENASP em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, por isso a utilização da expressão em movimento .

Nos encontros promovidos por esses seminários a equipe técnica da SENASP e os docentes das academias e centros de formação participantes tiveram a possibilidade de refletir sobre a Matriz Curricular Nacional. Nessa oportunidade também foram apresentados os fundamentos teórico-metodológicos contidos na Matriz, além de se discutir sobre as

disciplinas da Malha Curricular, a transversalidade dos Direitos Humanos, a prática pedagógica, bem como o planejamento e a execução das ações formativas.

As diretrizes pedagógicas desenvolvidas pela SENASP e a Malha Curricular em Movimento convergem no sentido de dar a possibilidade aos agentes de segurança pública de passarem por uma formação continuada, reforçando a necessidade de aproximação e realização de parcerias entre as Academias de Polícia, os Centros de Formação com Instituições de Ensino Superior, os Institutos de Pesquisas, Organizações Não Governamentais (ONGs) não somente durante os cursos de formação policial.

Em 2008, para incentivar a qualificação e valorização do profissional de segurança pública, o PRONASCI criou um sistema de Bolsa-Formação, através do qual os operadores de segurança pública recebiam uma bolsa que totalizava o valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para se qualificarem em cursos oferecidos por órgãos reconhecidos pelo Ministério da Justiça ou credenciados na Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (BRASIL, 2007b).

No ano de 2008, também foi criada uma versão modificada e ampliada da Matriz Curricular Nacional para ações formativas dos profissionais da área de Segurança Pública, que trouxe alterações nas Diretrizes Pedagógicas e na Malha Curricular, na qual constaram algumas alterações nas cargas horárias e o acréscimo de duas novas disciplinas, a saber, Prevenção, Mediação e Resolução de Conflitos e Mobilização Comunitária.

Finalmente, após ser revisada, modificada e ampliada no ano de 2008, a Matriz Curricular passou ser denominada de Matriz Curricular Nacional para ações formativas dos profissionais da área de Segurança Pública, na qual foram feitas alterações nas cargas horárias das disciplinas constantes no programa, em razão da ênfase dada às disciplinas que trabalham as temáticas direitos humanos, ética, resolução pacífica de conflitos, valorização profissional e saúde do trabalhador.

A matriz curricular foi constituída para servir como um referencial nacional para a formação em Segurança Pública, figurando efetivamente como um marco de referência para as ações formativas empreendidas por todas as polícias, dando prosseguimento ao trabalho iniciado pelas Bases Curriculares.

Desde 2003, com a edição do Projeto Segurança Pública para o Brasil, no qual se fez consignar que a atual formação das polícias é positivista, discriminatória e se funda na antiga Lei de Segurança Nacional e, sobretudo, na Doutrina de Segurança Nacional, que entendiam o cidadão como potencial inimigo interno (BRASIL, 2003a, p. 31), dessa forma, o governo

federal demonstrou que a sua intenção era inserir a educação das polícias em um novo patamar, superando o modelo tradicional até então adotado no País.

A qualificação e a formação dos operadores da segurança pública passaram a ser valorizadas e observadas de maneira diferente; recebendo a influência de temas como a ética, cidadania e para a educação em direitos humanos, que tradicionalmente eram ignorados ou menosprezados pelas Academias de Polícia. Assim, se passou a incentivar a busca por parcerias com as Universidades e outras instituições de educação, sendo este um dos maiores diferenciais dessa nova fase da educação policial que se verificava no cenário nacional.

A elaboração de documentos aptos a nortear a formação policial, assim como o realce dado a formação continuada e permanente e a aproximação das organizações policiais com as Instituições de Ensino Superior, são exemplos da mudança de direcionamento na formação policial que se verificou no âmbito federal.

Todas essas ações corroboram para evidenciar a busca do Governo Federal em superar, por intermédio da formação e da qualificação profissional, um modelo anacrônico de policiamento.