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3.2 A TÔNICA DA ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

3.2.1 A hodierna conjuntura da segurança pública no Brasil

Junto ao período redemocratização que ocorreu na segunda metade de década de 1980, o Brasil passou a conviver com a criminalidade em seu cotidiano. O tráfico de drogas e armas do final da década de 1960 trouxe mais roubos, sequestros, latrocínios e homicídios nos anos 80 e 90. E a desigualdade social potencializada pelo regime militar acentuou-se com a globalização, o neoliberalismo e as atuações do FMI e Banco Mundial, contribuindo para o aumento da criminalidade.

Com a diminuição das distâncias espaciais e temporais resultantes da globalização dos riscos sociais, surge a remodelagem do que se entende por fronteiras e por diferenças. O incremento da complexidade e o domínio instrumental do homem sobre a natureza aumentaram a expectativa social no período moderno quanto à certeza do futuro e às questões de segurança, tão ausentes em outros períodos.

A transição da sociedade moderna para a sociedade contemporânea se verifica a partir da criação do risco (COSTA, 2004), resultante de um conjunto de fatores dos quais se destacam: a expansão das relações sociais, a mobilidade das camadas sociais, o intercâmbio cultural e o exercício das liberdades individuais. A partir de então, torna-se um desafio cotidiano viver e trabalhar em uma sociedade onde o risco é uma manifestação constante e não pode ser visto de maneira linear, estando toda a ordem de criminalidade impregnada no risco cotidiano.

Neste contexto, o Estado Social assume feições de um Estado Penal, no qual a população deposita suas expectativas de redução do pânico social gerado pelo fenômeno da violência e de resposta rápida à criminalidade, exigências estas difundidas pelos meios de comunicação de massa (COSTA, 2004).

O cenário social brasileiro contribui para uma atuação populista do Congresso Nacional, que explora a atividade legislativa como moeda de barganha eleitoral. A mídia agrava o quadro na medida em que apresenta um discurso de repressão estatal e combate à criminalidade com aplicação de leis severas, a sociedade acredita e pressiona as autoridades que, por sua vez, se aproveitam da situação para não investirem em políticas públicas (COSTA, 2004).

As cobranças da sociedade quanto à atuação policial são inevitáveis com a hipertrofia do sistema legislativo brasileiro, pois a quantidade de condutas que passam a ser rotuladas como criminosas vem aumentando significativamente.

Desta forma, a política criminal estatal se confunde e com a política específica de segurança, que se apresenta como primeira forma de combate à miséria e a criminalidade, deixando de lado a implantação de medidas nas prioritárias áreas da educação, saúde e trabalho (COSTA, 2004).

A opção das autoridades estatais pelo confronto aberto contra os criminosos consagra um método de intervenção policial, com a acusação recorrente de civis não ligados à criminalidade, que são mortos pelas forças policiais.

Sérios problemas surgem dessa opção, dentre os quais destaco, a delimitação do objeto de intervenção que fica circunscrito às zonas periféricas, que são transformadas em campos de batalhas, cujo objetivo deixa de ser a proteção dos moradores e a garantia de suas vidas.

Tanto o déficit como o excesso de controle social pode prejudicar o avanço da democracia e a justa medida para o exercício do controle deve ser buscada via políticas públicas de segurança, que devem ter caráter distributivo e não retributivo, que discrimina e segrega, haja vista que:

Enquanto prevalecer, nos mais diversos níveis, a idéia [sic] de que violência não é um problema coletivo, senão um inimigo a ser exterminado do convívio social, inexistirá programa de segurança pública eficaz ou verba suficiente para o aparelhamento das forças de segurança ou para a construção de estabelecimentos prisionais. O que se fará, apenas, é acirrar o que hoje se identifica como uma verdadeira guerra civil (IBCCRIM, 2007, p.1).

A diminuição da violência está diretamente relacionada ao desenvolvimento e incremento das políticas sociais, mas a implantação de políticas verdadeiramente emancipatórias não se trata propriamente no desenvolvimento de uma política de segurança, mas é um pressuposto para a efetivação destas.

Aos discursos políticos e às políticas públicas no Brasil, no final da década de 1990, foi incorporado o modelo teórico-metodológico desenvolvido por David Garland (2008), que descreve as políticas públicas de segurança formuladas e implantadas no Brasil pós- democratização. As estratégias de segurança pública de Garland (2008) podem ser assim resumidas:

1. Estratégias de parcerias preventivas: resgate das formas de controle social informais, para juntamente com o controle formal, conter a criminalidade (coprodução da segurança), modelo gerencial para conter gastos (parceria público/privado), polícia comunitária no centro das políticas de segurança;

2. Estratégias de segregação punitivas: enfatiza ações repressivas, aumento de penas e do encarceramento, colocando o Estado com exclusividade e autossuficiência no controle da criminalidade.

Porém, ambas as estratégias enfatizam a cultura do controle social e a proteção do público, enfatizando a intimidação e priorizando as atividades da polícia para coibir desvios sociais.

A ênfase na cultura de controle amparada em tais estratégias não surgiu pela elevação das taxas de criminalidade nem pela incredulidade no sistema, mas sim como decisão

endógena do sistema político que redefiniu o papel das instituições e redirecionou a forma de controle do crime.

Como solução, buscou-se resgatar os controles informais e dividir as responsabilidades com os diversos atores da segurança pública, criando parcerias preventivas, que são importantes, mas não bastam para o mundo globalizado. São necessárias políticas punitivas do Estado contra a criminalidade econômica e a criminalidade organizada, com atenção especial à corrupção. Porém, a segregação punitiva somada a políticas públicas que reduzam a desigualdade e a discriminação, minimizam os efeitos negativos da globalização, dos crimes transnacionais e das próprias estratégias aplicadas.

A partir do final da década de 90, o governo federal, por meio da SENASP, e os governos estaduais, por intermédio das Secretarias de Segurança Pública, formularam e implementaram políticas públicas de segurança.

Tais políticas acabaram assumindo uma estratégia ambígua, que privilegiava a estratégia de parcerias preventivas, por um lado, e a segregação punitiva, por outro, engajando-se assim aos modelos de sistema de justiça criminal anglo-saxônicos neoliberais, que reduziam gastos com políticas públicas assistencialistas e aumentavam com as políticas de cunho punitivo e repressivo.

Ressalto que políticas públicas de cunho social são necessárias por si só e independentes dos objetivos de uma política de segurança que possa prevalecer no país. Todavia, quando assim não são projetadas, deixando de ser valorizadas em seu próprio contexto, sendo colocadas a serviço das políticas de segurança, as políticas públicas de cunho social tornam-se meros instrumentos de controle.

Quanto ao controle a ser realizado sobre as ações de segurança, de Mesquita Neto (1999) sugere que sejam realizados quatro tipos de controles, a saber:

1) Controle externo e formal/legal (Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, especialmente do Ministério Público);

2) Controle interno e formal/legal (ação disciplinar dos superiores e das Corregedorias); 3) Controle externo e informal/convencional (imprensa, opinião pública, universidades, grupos de pressão e organizações de direitos humanos nacionais e internacionais);

4) Controle interno e informal/convencional (profissionalização das Polícias e dos policiais).

Neste cenário da política nacional de segurança pública são percebidas lacunas e falhas, que podem ser exemplificados por alguns equívocos na gestão da segurança pública que são apontados por Durante e Balestreri (2006).

Nesse diapasão de ideias, os mencionados autores destacam a ausência histórica de princípios claros de gestão em termos políticos e estratégicos que pudessem embasar as políticas de segurança pública nacionais, bem como a falta de diretrizes efetivas que elegessem uma visão sistêmica e integradora de todas as organizações de segurança pública, e ainda a ausência da firme vontade política para submeter-se às decisões de caráter técnico e científico.