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5.2 A ESTRUTURA DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

5.2.5 Aprendizagens sociais significativas

O pensamento habermasiano evidencia que o homem poderá retomar o seu papel de sujeito através do diálogo e das ideias de verdade, liberdade e justiça que estão implícitas nas estruturas da fala cotidiana (GONÇALVES, 1999). Porque, desta forma, os indivíduos tomam consciência da importância da sua atuação social, uma vez que:

[...] os rumos da sociedade dependerão da capacidade dos indivíduos, de se perceberem enquanto sujeitos e atores sociais, exercitarem a democracia em todos os níveis, refletindo sobre os problemas da sociedade, interferindo, participando, dialogando, enfim, buscando o consenso em torno dos interesses coletivos. É, pois, tarefa da educação construir competências e articular os saberes necessários para que os sujeitos possam refletir e atuar na esfera política, desenvolvendo a capacidade de gerir, orientar, discutir, organizar o exercício da direção política, para que possa participar de modo autônomo, em diferentes espaços e fóruns de atuação política (LUDWIG et al., 2007, p. 55).

Baseado na obra de Habermas e seus conceitos fundamentais, Berten (2006, p. 17-21) explicita os processos de aprendizagem que envolvem a espécie humana:

Não se pode ter aprendizagem se não há um interesse , uma motivação. As motivações podem ser de dois tipos: podem ser ligadas a uma determinação natural da espécie humana como seria um impulso vital ou podem emanar da situação, do contexto, da educação. [...] O desenvolvimento da capacidade de juízo moral pressupõe a possibilidade de distinguir entre juízos morais corretos e errados. Isto é possível por que os juízos morais têm um conteúdo cognitivo, esse conteúdo não pode ser as preferências ou decisões subjetivas, pois no quadro comunicativamente e, portanto, argumentados.

Conforme apregoa Habermas, não é o desenvolvimento científico e tecnológico propriamente dito que gera e traz em si a causa dos graves problemas da sociedade industrial moderna, porém a unilateralidade dessa perspectiva como projeto para a humanidade marginaliza a discussão sobre questões essenciais para o desenvolvimento do homem e da sociedade contemporânea, bem como para a definição dos rumos da sua história.

As contribuições da teoria da ação comunicativa desenvolvida por Habermas trazem a possibilidade de repensar e modificar o quadro de desigualdades sociais, originadas pelo sistema estratégico do capital.

É uma teoria que contribui para a educação, quando cuida da formação das competências comunicativas e viabiliza participar na sociedade de maneira crítica e reflexiva, haja vista que o agir comunicativo se coloca bem adiante das atuais exigências de ideologia do mercado impostas à educação. Assim, o paradigma da intersubjetividade traz aportes para outro tipo de relação educativa, numa posição diametralmente oposta ao paradigma da consciência ou da dominação (LUDWIG et al. 2007, p. 58).

Resta uma esperança a sociedade contemporânea, pois as condições sociais são passíveis de reflexão e intervenção, sendo dinâmicas por natureza, permitindo a sua mutabilidade justamente por resultarem de um processo histórico em constante transformação. Nesta esteira de pensamentos Martini (2001, p. 190) dá o norte para esse necessário processo de reflexão e mutação para o qual o trabalho filosófico de Habermas significa uma aposta decisiva na capacidade humana de apreender com os erros e buscar a emancipação por meio de aprendizagens sociais significativas .

Habermas identifica como esfera pública o espaço do convívio comunitário, onde os cidadãos livres se encontravam para compartilhar valores, apreciar as suas opiniões e transformar a cultura, ele também identifica a comunicação como aquela responsável pela formação de identidades, comportamentos e sociabilidades, sendo capaz de agir para a construção e transformação de espaços públicos, ampliando assim o conceito de sociedade, cidadania, subjetividade e, por conseguinte, o próprio conceito de esfera pública. Assim, faz-se necessário:

[...] reflectir e alertar para uma nova e emergente problematicidade ética, oriunda das disfunções organizacionais, provocadas, na maioria dos casos e, entre múltiplos factores, pela diversidade e crescente complexificação dos processos de trabalho que se têm vindo a instalar nas modernas organizações públicas; a natureza e dimensão das questões éticas, difere de organização para organização, na exacta medida, das diferenças, e natureza organizacional que elas assumem; e, em segundo lugar, discutir o papel que a ética pode ter, como instrumento prático, entre outros factores, na regulação, transparência, confiança e na relação que se estabelece entre

responsabilidade organizacional/individual e o facto de se ser colaborador no exercício de funções públicas numa organização que tem como objectivo a prossecução do interesse público (SANTOS, 2011, p. 125).

Habermas (2012) acredita na possibilidade de emancipação humana e de desenvolvimento democrático, ambos pautados tanto em microrrevoluções realizadas no cotidiano da vida sociedade quanto em aprendizagens sociais dos sujeitos que interagem na medida em que são considerados capazes de travarem performances linguísticas e ações baseadas no diálogo livre de coação:

O esforço de Habermas para desenvolver uma nova visão da racionalidade, baseada em performances lingüísticas, ou seja, em ações entre sujeitos capazes de participar de jogos de linguagem, isentos de poder para entrar em acordos, por meio da livre apresentação de razões. Habermas ao pretender dar novos rumos para a tradição da teoria crítica, baseada em uma filosofia da história, cética do seu próprio dinamismo de busca do esclarecimento, diante de uma modernidade orgulhosa de suas realizações científicas e técnicas, retoma um movimento de crítica da metafísica, centrada no sujeito moderno auto-reflexivo, aproximando-se do pragmatismo e da virada lingüística da filosofia. Visando esse objetivo Habermas, como crítico da cultura, como filósofo e teórico social propõe uma teoria da racionalidade e da sociedade que centra as potencialidades utópicas de emancipação nas micro- revoluções do cotidiano e nas aprendizagens sociais de sujeitos, capazes de linguagem e ação, participantes de um mesmo mundo da vida, o qual podem problematizar, tanto para buscar mais conhecimento (pretensões de validade cognitiva), para combinar normas de convivência (pretensões de correção moral) ou para expressar sua subjetividade de forma descentrada, (pretensões estético- expressivas) (MARTINI, 2001, p. 189).

Pode até haver um equívoco do leitor quanto à pretensão de Habermas, porém sua intenção verdadeira não é extirpar do mundo por completo a racionalidade instrumental, porque ela é inerente às ciências empíricas, ao mundo do saber e do agir técnico. Todavia, em relação às ciências humanas e, em especial, à filosofia e ao direito, a racionalidade instrumental, notadamente monológica, com uma visão reducionista do homem, não deve prevalecer porque não dá conta de atender as variadas facetas e necessidades da realidade humana e, justamente por isso, deve dar espaço para uma razão que privilegie o diálogo e a interação entre os sujeitos.

Segundo Habermas (2012), o direito positivo contemporâneo enfrenta a tensão entre facticidade e validade, assim como os conteúdos ideais do agir comunicativo, porque estão inseridos nas práticas cotidianas. Vale lembrar que a racionalidade comunicativa se distingue da razão prática por não se centrar, nem em um sujeito abstrato e individualizado, nem em um macro sujeito, ontologicamente atribuído a uma classe social (MARTINI, 2001, p. 201).

Habermas (2012), ao criticar a moderna racionalidade instrumental, procura superá-la, recomendando o restabelecimento da racionalidade comunicativa no âmbito das ciências

humanas, principalmente em suas respectivas esferas de decisão do âmbito da interação social, por crer na possibilidade de transformação da sociedade contemporânea que está em profunda crise, buscando uma solução para os graves problemas da humanidade, tais como a miséria e o desemprego, a violência e a injustiça, a falta de acesso à educação e à saúde.

Habermas (1980) assevera que na crise há uma força objetiva que priva um sujeito de alguma parte de sua soberania normal, fazendo com que este sujeito experimente um sentimento de impotência em razão da sua condenação à passividade, ainda que temporariamente privado da possibilidade de ser um sujeito em plena utilização dos seus poderes. Assim, a crise não pode ser separada do ponto de vista de quem a está sofrendo, por esse motivo, a solução da crise concretiza uma libertação do sujeito colhido por ela.

Para Habermas a sociedade é constituída tanto de estruturas objetivas quanto de intersubjetividades resultantes do uso da linguagem e da ação. A construção da subjetividade se dá no social, pois, na vida em sociedade é que o homem adquire a consciência de si mesmo através do contato com o outro, desenvolvendo uma interação reflexiva, resultante do agir comunicativo, almejando a construção de um mundo objetivo (LUDWIG et al., 2007, p. 52).

Todavia, esse processo somente será viável quando se esquadrinhar nos indivíduos o desenvolvimento de uma ética de responsabilidade social, que sustente ações que almejem alcançar o bem estar da sociedade como um todo, para trazer novas perspectivas de vida a todos, incluindo a esperança de uma vida melhor para as futuras gerações.

A sociedade é um ambiente conflituoso por natureza, tomada por uma tensão permanente. Desse modo, Andrade (2006, p. 127) adverte que a superação do conflito é ilusória, e é por causa dele que existem tentativas de acordos e consensos da linguagem.

Brennand (2006, p. 34) assevera que Habermas entende que a irracionalidade que domina as sociedades capitalistas atuais poderá ser corrigida com a inserção da razão comunicativa nos juízos que orientem as ações dos atores sociais. A partir desse ideal ela acredita ser possível pensar outra forma de democracia, que permita que os cidadãos sejam capazes de ações coletivas coordenadas conforme germinou Habermas (2012).

A partir de agora, após a mencionada exposição teórica, chegou o momento apresentar novos juízos e de fazer inferências sobre a gestão da formação nas organizações policiais, tomada justamente sob o olhar que deriva dos pilares da segurança humana e do agir comunicativo, expostos do decorrer desse capítulo que se encerra.

Após realizar uma narrativa e uma descrição sobre as realizações da gestão da segurança pública no Brasil, em seus variados aspectos, e de dissertar sobre dois dos conceitos que considero formar os pilares de um novo modo de pensar a gestão da formação policial.

Neste capítulo, passo a tecer considerações sobre aplicabilidade da segurança humana e do agir comunicativo às ações formativas de polícia investigativa propriamente ditas e ao gerenciamento delas, bem como à gestão cotidiana de organizações policiais numa perspectiva aprendente.