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5.2 A ESTRUTURA DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

5.2.4 Os mundos de Jürgen Habermas

Intercedidos por atos de fala, os sujeitos instituem entre si as comunicações que sempre estão relacionadas a três mundos propostos por Habermas: o mundo objetivo das coisas, o mundo social das normas e instituições e o mundo subjetivo das vivências e dos sentimentos. Podendo existir uma variação na presença maior ou menor de um dos mundos nas falas dos sujeitos, mas os três sempre se fazem presente nas comunicações humanas, havendo apenas uma variação no tocante às pretensões de validade correspondentes a cada um desses mundos.

Desse modo, as pretensões de validade cognitivas referentes à verdade das afirmações feitas pelos participantes no processo comunicativo correspondem ao mundo objetivo. Assim, na medida em que interagem, as pessoas coordenam suas ações, partilhando conhecimento do mundo objetivo e implicando no êxito no obedecer das regras, ou na frustração de suas ações conjuntas sempre que houver a violação das regras técnicas.

Já as pretensões de correção moral, que são pretensões de validade referentes à correção e à adequação das normas dizem respeito ao mundo social, também proposto por Habermas, no

qual também ocorre a interação entre as pessoas que se orientam segundo normas sociais que já existem previamente ou que são produzidas durante a interação. No convívio social as expectativas recíprocas de comportamento, sobre as quais todos os participantes têm conhecimento, são definidas por tais normas. A avaliação para obtenção de sucesso com a ação não ocorre nesse contexto, porque há o reconhecimento intersubjetivo e o consenso valorativo, que quando violados geram sanções aos sujeitos.

Por fim, sempre que interagem, as pessoas se revelam ao manifestarem suas intenções, necessidades, interesses, receios, vivências etc., apresentando pretensões de veracidade na medida em que expressam sua subjetividade e permitem que sua interioridade se torne evidente, isso significa para Habermas que os participantes do diálogo estejam sendo sinceros na expressão dos seus sentimentos, formando o mundo subjetivo das vivências e sentimentos por intermédio de pretensões estético-expressivas:

Habermas, em sua teoria moral, está preocupado com a vulnerabilidade estrutural do ser humano. [...] de salvaguardar a dignidade de cada indivíduo em particular e, por outro, de salvaguardar as relações intersubjetivas através das quais os indivíduos se conservam como participantes de uma comunidade (BRENNAND, 2006, p. 38).

Quando Habermas (2003) se propõe a apresentar um conceito de racionalidade, realça que existe um estreito vínculo entre racionalidade e saber, dizendo que as ações e manifestações oriundas de um saber são racionais.

Derivada dos fundamentos que podem ser alegados em favor das suas respectivas pretensões de validade, é possível afirmar que existe racionalidade numa ação/manifestação linguística constatativa sobre estados de coisas, cuja pretensão de validade é a verdade, através da qual um sujeito dirige a outros sujeitos uma afirmação/negação sobre o mundo objetivo, agindo com base em um saber cognitivo (1).

Também é encontrada racionalidade na realização de uma ação interventiva no mundo, não linguística, visando a um fim, cuja pretensão de validade é a eficácia, na qual um sujeito, na hipótese de ser interpelado sobre sua ação, possa apresentar um saber teleológico (2).

Pode existir uma ação regulada por norma, fundada em um saber normativo (3), cuja pretensão de validade é a correção. Por exemplo, cumprir regras e lei de convívio social.

Outra forma de manifestação racional é a ação/manifestação normativa, assim denominada porque se refere a uma norma, funda-se em um saber moral (4), não em um saber normativo, cuja pretensão de validade é também a correção. Por exemplo, quando a

manifestação questiona a utilidade ou aplicabilidade da norma, não almejando a sua ausência, mas sim o seu aperfeiçoamento.

Existem ainda, as manifestações expressivas, que se referem a estados subjetivos, baseadas no saber subjetivo (5) e sua pretensão de validade é a veracidade. Por exemplo, quando se expressa um sentimento e se age de modo corrente de acordo com essa manifestação.

Na manifestação valorativa, quando se externa um valor a determinado objeto ou se atribui adjetivação a uma situação vivenciada, a sua pretensão de validade é a originalidade e essa manifestação estará baseada em padrões de valoração (6).

Não havendo confirmação de qualquer uma das pretensões de validade em cada caso, ou se não fundadas em seus respectivos saberes, poderá haver o questionamento quanto à validade daquela manifestação.

As manifestações constatativas e as ações interventivas no mundo se referem mais diretamente ao mundo objetivo das coisas e constituem o chamado discurso teórico, conforme indica Habermas. Já as ações reguladas por normas e as manifestações normativas constituem o discurso prático, pois se referem ao mundo social das normas e instituições, enquanto que as manifestações expressivas e valorativas constituem o discurso estético-expressivo, uma vez que contemplam o mundo subjetivo das vivências e dos sentimentos.

Resumidamente, ao se manifestarem rumo à interação no agir comunicativo, os sujeitos explicitam três pretensões de validade (HABERMAS, 2012), a saber:

1. Que o enunciado apresentado seja verdadeiro (verdade);

2. Que a manifestação seja apropriada em relação ao sistema de normas vigente ou que o próprio contexto normativo seja fidedigno (legitimidade ou retidão ou correção);

3. Que a intenção explicitada pelo sujeito concorde com a sua intenção de fala (veracidade ou sinceridade).

Devido às pretensões de validade verdade , correção e sinceridade , acima mencionadas, é que o discurso jamais poderá ser comparado a uma conversa qualquer despretensiosa, porque todos os indivíduos que dele participam sempre deverão estar cientes daquela normatização e da informação de que transgredir qualquer uma daquelas pretensões acaba tornando inválido o consenso obtido.

Num discurso não há hierarquia ou autoridade imposta e o seu escopo condiz no consenso intersubjetivo que as pessoas alcancem em torno da verdade de fatos e normas. Para Habermas, os discursos que acontecem na esfera pública são fundamentais para a realização de ações políticas dos cidadãos.

É no mundo da vida que se desenvolve o diálogo para o aproveitamento da racionalidade comunicativa, este mundo se compõe de três elementos: a cultura, a sociedade e a personalidade.

A personalidade é o atributo particular de cada indivíduo, podendo diferenciá-lo em seus atos de fala. A sociedade representa o conjunto de normas às quais os sujeitos são submetidos. A cultura aparece implícita em cada diálogo, figurando como fonte de conhecimento, modificando-se conforme tipo de sociedade característica que demonstra como a teoria da ação comunicativa pretende se adequar a cada contexto.

O mundo sistêmico apresentado por Habermas (2012) se refere ao Estado e burocracia, o locus da racionalidade instrumental, onde o poder sobre o outro e as diretrizes estratégicas baseadas na relação de meios e fins tomam conta do agir humano, não havendo preocupação em relação aos sujeitos e seus processos reflexivos.

Para Habermas (2012), a expressão colonização do mundo da vida refere-se à incursão do sistema nas instâncias no mundo da vida, ou seja, da utilização da racionalidade instrumental em áreas onde deve prevalecer a racionalidade comunicativa.

O sistema econômico e o sistema político, estando dominados pela racionalidade instrumental, invadem âmbitos que não lhes são próprios, de modo a se valer de seus próprios critérios finalísticos para influenciar outras esferas, tais como, a científica, a moral e a religiosa. Desse modo, surgem as causas a todos os problemas sociais enfrentados nos tempos do capitalismo:

Na teoria da ação comunicativa, Habermas (1987) apresenta uma diferenciação entre sistema e mundo da vida como diagnóstico dos problemas contemporâneos. O sistema é composto por dois subsistemas: o Estado e o mercado. Os mecanismos de coordenação da ação nestes subsistemas são respectivamente o poder e o dinheiro, caracterizando, portanto, uma ação baseada na racionalidade estratégica e/ou instrumental. Já o mundo da vida caracteriza-se pela ação comunicativa. Trata-se da esfera das tradições, da cultura compartilhada, da solidariedade e cooperação (LUCHMANN, 2002, p. 7).

Existe o mundo da vida no qual estão inseridas as tradições, a cultura e a linguagem, nele prevalece o agir que é coordenado pela comunicação, nele se constata a linguagem entre os sujeitos em interação orientados para a busca do entendimento mútuo. Esta interação está pautada em estruturas consensuais que possibilitam os sujeitos convencer os outros através do imperativo do melhor argumento, onde a comunicação leva a uma busca de acordos (OLIVEIRA; FERNANDES, 2011, p. 124).

Para Habermas, os sujeitos se revezam nas posições de falantes, ouvintes e participantes reflexivos, tendo o direito e o dever de problematizarem suas experiências, ainda que partam de

dissensos. Contudo, sempre se manifestam em busca de um entendimento mútuo, onde o palco discursivo é o mundo da vida, um espaço no qual as manifestações individuais devem estar isentas de qualquer tipo de coerções, tanto em nível cognitivo, como normativo e estético expressivo (MARTINI, 2001, p. 201).

Os exercícios discursivos de veracidade, legitimidade e retidão, de respeito à fala do outro e à participação, encarados como direito e dever dos sujeitos, bem como a cooperação para a busca do melhor argumento, simultaneamente éticos e pragmáticos, constituem-se em aprendizagens sociais que podem reconstruir racionalmente um saber do mundo da vida, estimulando a comunicação e impedindo o avanço monológico e estratégico-instrumental do sistema (MARTINI, 2001, p. 201).

Habermas assevera que se as regras implícitas da ação comunicativa forem efetivamente seguidas, desta relação estabelecida entre mundo da vida e sistema poderão surgir grandes possibilidades de solidariedade, emancipação humana e crescimento de uma sociedade democrática. Por que, no entender do filósofo, o mundo da vida tem uma riqueza comunicativa expansiva questionadora que influencia positivamente os sujeitos participantes, além da comunicação tem um poder reflexivo ao passo em que cria condições para mudar os pontos de vista, justamente porque a ação comunicativa pode criar um novo padrão de aceitação e entendimento entre os sujeitos (OLIVEIRA; FERNANDES, 2011, p. 124-125):

É no mundo da vida que brotam as demandas dos sujeitos por um mundo melhor, por alternativas de vida, por formas mais concretas de atendimento às necessidades, tanto materiais quanto morais. A partir das experiências, construídas pela comunicação, os indivíduos associam-se, passam a apresentar numa esfera pública mais ampla aquilo que consideram como justo e lutam para modificar o panorama social. Há um espaço, engendrado no mundo da vida, para a emancipação dos sujeitos, para o fortalecimento dos laços de solidariedade e das construções das identidades plurais.

Criar um novo padrão de aceitação e entendimento entre os sujeitos significa gerar mudanças que levam à interação comunicativa, dando causa, por conseguinte, a mais e mais mudanças na linguagem entre os sujeitos, impulsionando-os para a vivência diante da pluralidade e da diversidade constatada no mundo da vida (OLIVEIRA; FERNANDES, 2011, p. 125). Nesse diapasão de ideias:

No espaço do mundo da vida, Habermas acredita encontrar a construção de novas solidariedades a partir de sujeitos autônomos e competentes, que são capazes de discutir e revalidar as regras sociais e, com isso, revitalizar a própria sociedade. A construção da solidariedade pressupõe, dessa forma, a formação do indivíduo que pensa, age e se comunica, buscando o diálogo e o entendimento, através do melhor argumento. Evidentemente, isso implica processos de comunicação, através dos quais

se questiona o mundo do sistema técnico-instrumental, em que se afirma a individualidade do sujeito e a sua autonomia (LUDWIG et al., 2007, p. 55).

Por intermédio de um processo continuado onde se operam as comunicações cotidianas, o questionamento das pretensões de validade inicialmente aceitas e, almejando a busca de soluções para o impasse, o discurso entre os indivíduos inseridos numa situação ideal de fala, onde o que impera é somente a força do melhor argumento e a busca pelo entendimento e pelo consenso, enquanto caminho a ser percorrido nunca como uma meta a ser alcançada, ainda que momentaneamente se entenda que a falta de consenso é o entendimento provisório viável.

A continuidade deste processo conduz os sujeitos à emancipação e, por conseguinte, a um ganho de autonomia em razão dos processos de autoentendimento, de intercâmbio dos sujeitos consigo mesmos (PINET, 2004, p. 52-53).