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A fotografia no jornalismo discutindo a relação realidade/ficção

PARTE I: PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 2 – GÊNERO MIDIÁTICO

2.1 A fotografia no jornalismo discutindo a relação realidade/ficção

Nos anos 70, como nos informa Martins ([2008]/2019), a imagem fotográfica gerava dúvidas e debates entre os pesquisadores, sobretudo pelo seu conteúdo, que ia além do factual e do documental para também caracterizar significados. Dessa forma, a fotografia deixava de ser meramente fonte factual para se tornar referência de conhecimento. Em sua obra, Sociologia da fotografia e da imagem, Martins ([2008]/2019) ultrapassa a dicotomia entre as abordagens da fotografia como conhecimento e como construção. Para além de registro, cópia ou ilustração da realidade, o autor sugere a fotografia como documento do imaginário social. Nesse sentido, a fotografia é uma construção do fotógrafo, do fotografado e das representações nos vários campos da sociedade. Todavia, como defende Buitoni (2011), a força e a confiabilidade de alguns campos se originam justamente pela

crença na fotografia como testemunho do real, baseada no seu processo técnico de produção, como é o caso, por exemplo, do judicial e do jornalístico.

No final do século XIX, a fotografia se liga à área do Jornalismo. As fotos que registram os acontecimentos tornam-se valor não mais pelo objeto em si - os retratos, símbolos de status, exibidos nas paredes. A partir da consolidação do fotojornalismo90, as fotos, consideradas a expressão visual da realidade, são valorizadas pelo seu conteúdo comprobatório da verdade. Jornais e revistas as utilizam como testemunhas dos fatos, “num horizonte de registrar um lampejo da realidade” (BUITONI, 2011, p. 53). Ao adotar a fotografia como reprodução confiável do real, o discurso jornalístico assume as qualidades de objetividade, transparência e verdade.

Até o início da década de 1960, a foto jornalística carrega, implicitamente, uma grande dose de verdade91. O fotojornalismo traz como proposta editorial não mais ilustrações, mas a documentação dos acontecimentos. A disseminação dos filmes em rolo, o registro de movimentos, as câmeras portáteis, os flashes de lâmpada facilitam o trabalho dos repórteres fotográficos, que passam a registrar o flagrante dos acontecidos. A foto se torna, então, a testemunha do instante jornalístico.

A partir de 1970, os fotógrafos se interessam por ler o mundo e absorver a realidade subjetivamente: “abandona-se o clique preciso e autêntico do real, dando vazão a questionamentos, posicionamentos díspares e relativizações do fato representado” (PEREIRA; RECHENBERG, 2015, p. 2). Pesquisadores começam a pensar na relação entre a fotografia e a realidade.

Apesar de discussões teóricas sobre sua representação do real, até hoje, a foto de imprensa “como espelho da realidade ainda conserva um fundo de justificativa para o senso comum” (BUITONI, 2001, p. 55). Contemporaneamente, para além dessas discussões, as fotos de imprensa, sob a forma heterogênea de subgêneros, tais como fotonotícia ou fotolegenda, fotossequência, fotorreportagem, foto simbólica, entre outros, carregam ideologias, críticas, argumentações, opiniões, visões e representações de mundo.

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Assim como Sousa (2002), consideramos que o fotojornalismo pressupõe a conciliação de fotografias e texto.

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A fotonotícia (FIG. 11), com ou sem título e legenda, comunica o fato quase que visualmente e é dotada de um teor informativo.

FIGURA 11 - Fotonotícia: Equipes se enfrentaram debaixo de chuva em Itu

Fonte: http://globoesporte.globo.com/sp/vale-do-paraiba

regiao/futebol/times/bragantino/noticia/2013/01/em-itu-audax-sao-paulo-vence-jogo-treino-contra-o- bragantino.html. 13 jan. 2013.

A fotossequência (FIG. 12) é formada por 3 ou 4 instantâneos que captam gestos ou movimentos, tomadas em imagens de curto espaço de tempo (BUITONI, 2011).

FIGURA 12 - Fotossequência

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Fonte: Revista Bravo, dez. 2012.

A fotorreportagem (FIG. 13, 14 e 15) é um conjunto de fotos que formam uma narrativa, geralmente em torno de um tema principal (BUITONI, 2011). A reportagem visual Uma aldeia espanhola, de Eugène Smith, publicada na revista Life, no início dos anos de 1950, traz uma série de fotos sobre a vida na aldeia Deleitosa, na zona Cáceres. Apesar de a sua edição nos EUA vender a tiragem de 27 milhões de exemplares, a fotorreportagem foi censurada e proibida na Espanha. Somente após

meio século é que suas fotos foram mostradas no território espanhol, no ano de 1999 (CITIZEN GRAVE PARA TODOS, 2013).

FIGURA 13 - Carpideiras no velório de Juan Larra

Fonte: Citizen grave para quase todos, 2013.

FIGURA 14 - Sem título

Fonte: Citizen grave para quase todos, 2013.

FIGURA 15 - Pesando tomates

A foto simbólica (FIG. 16) é a “imagem que perde a capacidade de informação imediata para tornar-se um símbolo universal de uma realidade ou uma metáfora de situações, debates, críticas de protagonistas ou partidos” (BUITONI, 2011, p. 96). Assim sendo, segundo Buitoni (2011), pode expressar opiniões e ser considerada, também, foto-ilustração92 (da qual trataremos no ítem 2.3. No Brasil, temos uma imagem de agricultores, com suas ferramentas em punho, que é considerada a foto simbólica da luta dos trabalhadores sem-terra. Captada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, em 1984, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel (PR), a foto tem simbolizado o movimento dos sem terra (MST). Embora identificada com a luta de trabalhadores rurais, em uma breve pesquisa pelo Google images, encontramo-la acompanhando matérias diversas - Operariado brasileiro no início da república93, Trabajadores94, Clase revolucionária industrial95, Revolução verde96, O Homem-massa e a Democracia Romantizada97, o que a caracteriza, definitivamente, como uma imagem símbolo de luta dos trabalhadores.

FIGURA 16 - Foto simbólica

Fonte: https://direitasja.com.br/2012/06/01/o-homem-massa-e-a-democracia-romantizada/

Segundo Pereira e Rechenberg (2015), a imagem simbólica compõe novas significações da coisa fotografada, libertando-se do estatuto de testemunha da

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Denominada, também, ilustração fotográfica, refere-se a um tipo fotojornalístico que, distante da ideia de recorte do real, cria realidades próprias, operando como uma espécie de ficção (SANTOS, 2009b). 93 https://algumahistoria2017.wordpress.com/2017/05/23/operariado-brasileirono-inicio-darepublica/ 94 https://algumahistoria2017.wordpress.com/ 2017/05/23/operariado-brasileiro-no-inicio-da-republica/ 95 https://www.pinterest.com/pin/393994667379001187/?lp=true 96 https://www.researchgate.net/figure/fig10_325358067 97 https://direitasja.com.br/ 2012/06/01/o-homem-massa-e-a-democracia-romantizada/

verdade98. Dentre esses subgêneros, a fotorreportagem, também denominada ensaio fotográfico ou reportagem visual, tem sido considerada a responsável pela valorização da foto no jornalismo e, consequentemente, pelo fortalecimento do fotojornalismo.

Os anos 1940-50 marcam o surgimento de um novo tipo de relação entre imagem e texto no fotojornalismo. A fotorreportagem, que dá à foto a mesma (ou maior) importância do que ao texto, encontra o veículo ideal para sua expressão: as revistas ilustradas. Entre esses veículos e o público são estabelecidos laços de cumplicidade, uma espécie de compartilhamento de objetivos, crenças, criando a ideia de pertencimento identitário. Revistas e seus respectivos públicos partilhando das mesmas visões de mundo (SCALZO, 2004).

Os anos 1950‐60 representam a era de ouro do fotojornalismo de revista, com Life, Paris Match, L´Express, Der Spigel, Stern, Caras y Caretas, entre tantas a circularem na Europa e nos Estados Unidos. Nesse período, surgem o mito do fotógrafo herói de guerra e o conceito de momento decisivo99 (COSTA, 1992 apud MONTEIRO, 2016). No Brasil, o fotojornalismo alcança seu apogeu, nas décadas de 1940 a 1960, com as revistas O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, priorizando a narrativa fotográfica, “aprofundando mudanças (...) no sentido de fazer a fotografia transcender as funções ilustrativas ou de simples registros de ocorrências” (GAVA, 2006, p. 46). A foto se transforma em protagonista, tornando-se a própria notícia, revelando os sujeitos, comprovando os fatos. Ao ser estampada na imprensa, ela se transmuta em acontecimento.

A revista O Cruzeiro não somente fortalecia o fotojornalismo como também valorizava a combinação humor e jornalismo, o que aumentava seu prestígio junto aos leitores da época.