• Nenhum resultado encontrado

Metafunção interpessoal e categorias interativas

PARTE I: PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3 DA RECORRÊNCIA MULTIMODAL: ANÁLISE DAS CATEGORIAS DA GD

3.2 Metafunção interpessoal e categorias interativas

Se esta reunião demorar mais um minuto, vou ter um troço...

Não há processos de conversão e de simbolismo geométrico nas FZ. Isso significa que não há, respectivamente, retroalimentação/encadeamento de imagens (KRESS; VAN LEEUWEN, ([1996]/2006) nem imagens de padrões pictóricos ou abstratos (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996]/2006; BRITO; PIMENTA, 2009).

Em síntese, as imagens narrativas, esquematizadas no quadro 4, representam a experiência em uma interação entre dois ou mais objetos/pessoas representados, em processos de ação e reação. Também consideramos narrativas as imagens em que os participantes expressam ou pensam algo, respectivamente, processos verbais e mentais (MANGHI H, 2017).

Ao contrário da narrativa, a representação conceitual não mostra vetores porque não há participantes agindo. O participante representado é mostrado em determinada ordem ou agrupamento (FARIA, 2018), de acordo com classe, estrutura ou significação, dividindo-se em processos classificacional, analítico ou simbólico197. Pela ausência dessa representação no nosso corpus, não discutiremos detalhadamente seus processos. Consideraremos, então, na nossa análise, os processos de ação, reação verbal e mental relacionados à metafunção representacional.

3.2 Metafunção interpessoal e categorias interativas

A partir da função interpessoal hallydaiana, a GDV compreende o significado

197

Enquanto Brito e Pimenta (2009) consideram os processos classificacional e analítico, Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006), Fernandes e Almeida (2008),Faria (2018), Mota-Ribeiro (2011) e Soares (2017) defendem que a representação conceitual ocorre, além dos dois processos acima, também em um processo simbólico.

como troca, portanto, estabelece estratégias de aproximação/afastamento entre o produtor e o leitor da imagem. Pensar a metafunção interativa na imagem é observá-la a partir de quatro recursos (ou dimensões, como denominado por Kress e Van Leeuwen, [1996]/2006): contato ou olhar, distância ou afinidade social, perspectiva ou atitude e modalidade198, conforme relacionamos no QUADRO 5, Metafunção interpessoal.

Quadro 5 - Metafunção interpessoal

Interação entre participante e observador contato ou olhar pedido (demanda ou oferta) distância ou afinidade social enquadramentos (plano fechado, médio, aberto) Perspectiva ou atitude ponto de vista de frente (ângulo frontal e horizontal) de lado (ângulo oblíquo) de cima e de baixo (ângulo vertical) Modalidade valor de verdade

Fonte: Elaboração nossa, 2019.

O contato ou olhar se relaciona aos atos de imagem (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996]/2006). “Um ato é uma unidade de significado, são corpos posicionados num determinado local e num determinado tempo” (SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 310). Na dimensão/categoria contato, classificamos as imagens a partir do modo semiótico do olhar (demanda ou oferta). Em uma imagem de demanda, o participante olha direto, pedindo (demandando) algo para o leitor. Esse participante é denominado por Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006) como Participante Interativo199 (PI), estabelecendo entre eles uma relação direta e imaginária. Segundo os autores da GDV, o tipo de relação pretendida pode ser identificada pela expressão facial ou gestual do PR: um sorriso demanda uma relação de afinidade; um olhar frio pode indicar desdém e demanda uma relação hierárquica, em que o PI se sente inferior ao PR; um dedo apontado demanda um chamado do tipo “ei, você aí, junte-se a mim”; um olhar sedutor demanda sedução etc. Ao contrário, em uma imagem de oferta, o participante representado não encara

198

A categoria modalidade será discutida no próximo item.

199 (…) participantes interativos (PI) – as pessoas que comunicam com outras através das imagens, o produtor e o observador de imagens (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996]/2006, p.114, tradução nossa). No original: interactive participants – the people who communicate with each other through images, the producers and viewers of images (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996]/2006, p.114).

o leitor. Nesse caso, o leitor é o observador e o participante se torna o observado, “a oferta”. Para exemplificar, fotopotoca 04-49 (FIG. 97) mostra o participante representado (Jânio Quadros) olhando de frente, demandando o leitor, enquanto na fotopotoca 04-59 (FIG. 98), o mesmo participante representado não olha diretamente para o participante interativo, portanto, o processo é de oferta.

FIGURA 97 - Fotopotoca 04-49 – Demanda

O doutor me garantiu que eu não sou o Abraão Lincoln

FIGURA 98 - Fotopotoca 04-59 - Oferta

Ai, meu Deus! Aquele camarão...

A dimensão/categoria distância ou afinidade social trata da exposição do PR diante do PI (perto ou longe), percebida pelos enquadramentos e moldura das imagens. Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006, p. 124, tradução nossa) asseveram

que, assim como o olhar, “a escolha da distância pode sugerir diferentes relações entre PR e observadores”200. “Quanto menor for a distância colocada entre o

participante representado e o leitor (observador), maior será o grau de criação de uma relação social imaginária” (BRITO; PIMENTA, 2009, p. 97). Por outro lado, participantes distanciados do leitor podem indicar relações distantes de respeito, preconceito. Segundo a GDV, a distância entre o participante representado e o leitor é marcada pontualmente pelo conjunto de cortes, que geram planos, na imagem desenvolvida pela linguagem fotográfica e cinematográfica (enquadramento). Dessa forma, a imagem aproximada (ou close-up) mostra, em um plano fechado, a cabeça e os ombros do PR; o medium shot (close-up grande) mostra, em um plano médio, o PR até os joelhos; e o long shot mostra o PR em um plano aberto, incluindo todo o corpo do PR. Exemplificando, a FIG. 99 mostra a imagem em um plano fechado, a FIG. 100 é um plano médio e a FIG. 101 apresenta um plano aberto.

FIGURA 99 - Fotopotoca 04-52 – Close-up/Plano fechado

Chii... lá vem aquele cartola!

200

The choice of distance can suggest different relations between represented participants and viewers (KRESS; VAN LEEUWEN ([1996]/2006, p. 124).

FIGURA 100 - Fotopotoca 03-40 – Plano Médio

Ô chimarrãozinho danado de ruim...

FIGURA 101 - Fotopotoca 03-42 - Plano aberto

É... o cinema brasileiro tem jeito não...

A dimensão/categoria atitude ou perspectiva é observada nas imagens pelo ponto de vista (ângulo) no qual o participante é mostrado: de frente, de lado (enviesado) de cima e de baixo e que se relacionam, respectivamente, aos ângulos frontal/horizontal, oblíquo, vertical. Como explicam Santos e Pimenta (2014, p. 310), essa categoria indica uma atitude “mais ou menos subjetiva” por parte de quem produz a imagem. A seleção de um ângulo, um "ponto de vista", implica na possibilidade de expressar atitudes subjetivas201 em relação aos participantes representados, humanos ou não (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996]/2006). Dito de outra forma, o ângulo frontal sugere envolvimento entre o PR e o PI, com a imagem no nível do olhar estabelecendo uma relação igualitária de poder. O ângulo oblíquo

201

De acordo com Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006), essa subjetividade não significa atitudes individuais. Geralmente, são atitudes determinadas socialmente, apesar de codificadas como se fossem individuais e únicas.

estabelece uma sensação de alheamento (FERNANDES; ALMEIDA, 2008). O ângulo vertical propõe e/ou ratifica relações de poder. Assim, a câmera alta capta o PR de cima para baixo, conferindo poder ao PI, enquanto a câmera baixa – em nível inferior ao olhar do PR – de baixo para cima, dá a ele uma posição de superioridade diante do PI (BRITO; PIMENTA, 2009; FERNANDES; ALMEIDA, 2008). Segundo Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006 p. 140, tradução nossa), “diz-se que o ângulo alto faz o sujeito parecer pequeno e insignificante, um ângulo baixo faz com que pareça imponente e impressionante202”. A fotopotoca 03-41 (FIG. 102), por exemplo, mostra o PR, Jânio Quadros, sob um ponto de vista horizontal, sugerindo empatia com o seu observador; a fotopotoca 03-37 (FIG. 103) exibe o PR, de lado, alheio ao PI e a fotopotoca 01-58 (FIG. 104) mostra o PR de baixo para cima, câmera baixa, portanto, em uma posição de poder.

FIGURA 102 - Fotopotoca 03-41 – Ângulo frontal

“Oh que saudades eu tenho...”

FIGURA 103 - Fotopotoca 03-37 – Ângulo oblíquo

Não devia ter comido tanta cebola hoje no jantar.

202

A high angle, it is said, makes the subject look small and insignificant, a low angle makes it look imposing and awesome (KRESS; VAN LEEUWEN ([1996]/2006, p. 140).

FIGURA 104 - Fotopotoca 01-58 - Ângulo vertical – Câmera baixa

Audácia...

A foto da fotopotoca 03-56 (FIG. 105) foi realizada em ângulo vertical, câmera alta, de cima para baixo, estabelecendo, assim, uma relação de poder, em que o PR está ao alcance do observador (FERNANDES; ALMEIDA, 2008) que detém o poder.

FIGURA 105 - Fotopotoca 03-56 - Ângulo vertical – Câmera alta

Agora, vai embora e não conte para ninguém.

Segundo Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006), o ponto de vista é imposto não apenas aos participantes representados, mas também ao observador, e a sua "subjetividade" é, desse modo, subjetiva, no sentido original da palavra: a sensação de estar sujeito a algo ou alguém. Assim sendo, a imagem é considerada subjetiva quando o PR pode ser visto apenas sob um ângulo específico e pode ser objetiva quando revela tudo o que existe para ser visto ou tudo o que o produtor da imagem julgue ser necessário. Enfim, apresentamos, de forma sucinta, no QUADRO 6, a

relação entre as dimensões/categorias da metafunção interativa (olhar, distância social e perspectiva) e seus respectivos significados.

Quadro 6 - Categorias e significados interativos

Fonte: Traduzido e adaptado de Kress e Van Leeuwen ([1996]/2006, p.148).