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A garantia constitucional de existência digna e qualidade de

9. A atuação do Poder Público em face dos problemas socioambientais

1.10. Desenvolvimento econômico e preservação ambiental

1.10.3. A garantia constitucional de existência digna e qualidade de

Assegurar existência digna é a finalidade maior da ordem econômica, é a sua essência. Mas também o é da política ambiental. Por isso, a livre iniciativa só se compreende, no contexto constitucional, atendendo àquele fim.

Para atingirmos o fim essencial do texto constitucional de realizar uma existência digna ao cidadão, são igualmente importantes e necessários os princípios da livre iniciativa e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A respeito, dispõe o caput do artigo 170 da CF que é finalidade da ordem econômica assegurar a todos existência digna, presentes os ditames da justiça social. O dispositivo constitucional protetor do meio ambiente (art. 225) trata da natureza como sendo um fator básico da produção econômica. O capítulo dispõe, ainda, sobre a proteção e limites de sua apropriação. A propósito, Derani aduz que

“a razão de garantir a livre disposição das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado tem em vista, em última instância, a mesma finalidade de uma existência digna a todos – deduzida necessariamente do fato de que ‘sadia qualidade de vida’ (art. 225) é elemento fundamental para a composição de ‘uma existência digna’”.187

O objetivo constitucional do artigo 225 não difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, compõe a dignidade da existência, princípio também previsto no artigo 170. Na verdade, os preceitos expressos no capítulo do meio ambiente estão associados aos princípios-base da ordem econômica.188

Bonavides expressa a importância da presença do princípio da dignidade humana ao afirmar que “a dignidade humana é a raiz da árvore desta ordem jurídica.”189 Também Grau, inspirado por Fábio Comparato, assegura que “embora a dignidade humana assuma concreção como direito individual, enquanto princípio constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos”.190 Canotilho remarca que o princípio não apenas fundamenta e confere unidade aos direitos fundamentais – direitos individuais, direitos sociais e

186 Cf. ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Direito de Propriedade e Meio Ambiente, 2000, p. 95. 187

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 1997, p. 233.

188 DERANI, Cristiane. Ob. cit., p. 234.

189 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 1994, p. 259. 190

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988-Interpretação e Crítica, 2001, pp. 216-

econômicos – mas também à organização econômica.191 Essa assertiva é particularmente evidente na Constituição de 1988, que apresenta a dignidade humana não apenas como fundamento da República (art. 1º, III), mas também como a finalidade para a qual a ordem econômica se deve voltar (art. 170). A propósito, da Conferência de Estocolmo resultou a seguinte definição de qualidade de vida, oferecida por Mateo:

“o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio para as gerações presentes e futuras”.192

Para Derani, deve-se considerar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresentado no artigo 225 da CF é um direito fundamental, não obstante esteja apartado do conjunto elencado pelo artigo 5º da Carta Constitucional.193 Juntamo-nos a essa teoria que procura um sentido material às normas de direitos fundamentais, cujo argumento expressa que é direito fundamental também “aquele direito constitucionalmente atribuído, em cujo conteúdo se pode identificar uma coordenação de prescrições de direitos fundamentais básicos (liberdade, igualdade, fraternidade), e cuja realização revela-se na concretização total ou parcial destes direitos fundamentais”. 194

Nessa perspectiva, há que se considerar que o modo de produção apresentado na Constituição é o ponto que liga a liberdade para empreender e a liberdade das presentes e futuras gerações de desfrutarem de um ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, a análise de uma questão precisa ter presente seu reflexo na outra, procurando a compatibilização do exercício de ambas. Assim é que o meio ambiente ecologicamente equilibrado revela-se como um patrimônio coletivo, bem de uso comum do povo, bem jurídico constitucionalmente protegido. O seu desfrute é necessariamente comunitário e reverte ao bem-estar individual. Enquanto bem jurídico, o meio ambiente apresenta-se como garantia das condições básicas necessárias para a manutenção e desenvolvimento da vida em geral e da humana em particular.195

Quando ganhou o caráter de norma constitucional, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tornou-se um bem jurídico correlacionado com os demais bens

191 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Contributo para a

Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, 1994, p. 163. Também nesse sentido MOREIRA,

Vital. Economia e Constituição – para o conceito de Constituição e Economia, 1979, p. 97. 192 MATEO, Ramón Martin. Tratado de Derecho Ambiental, pp. 77 e 99.

193 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 1997, pp. 218-219, nota 341, citando GRIMM,

Dieter.Grundrechte und soziale Wirklichkeit – Zum Problem eines interdiziplinärem Grundrechtsverständnisses, in: Grundrechte und soziale Wirklichkeit, 1989, pp. 41-76.

194 DERANI, Cristiane. Ob. cit., p. 219.

jurídicos presentes na Constituição. Ao serem reconhecidas como bens constitucionais, as bases naturais da vida espelham a sua real importância como fator estrutural e conformador de uma sociedade.

Derani deteve-se especificamente no princípio da dignidade humana, por entender ser este o vínculo axiológico da realização da ordem econômica com a prática de proteção ao meio ambiente. Leciona a autora que razões existem para que a defesa do meio ambiente encontre-se no inciso VI do artigo 170. É uma chamada para a própria interpretação do artigo 225 da CF, que constitui o capítulo do meio ambiente. Quando esse dispositivo constitucional expressa que todos têm direito à sadia qualidade de vida, descreve uma faceta importante para a formação e garantia da dignidade humana.196 Acompanhamos esse entendimento, acrescentando somente que a efetividade na aplicação desse princípio fundamental – elo da compatibilização dos arts. 170 e 225 da CF - só se completará quando o país priorizar um conjunto de medidas para melhor atuação do Poder Público nas questões ambientais e econômicas.

Grau alerta que, “embora assuma concreção como direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos.”197 Assim, para o autor, o princípio da dignidade da pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e, em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, que todos devem usufruir. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização desse programa – dessa política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. O exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo inadequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição.198