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9. A atuação do Poder Público em face dos problemas socioambientais

1.4. Avaliação econômica do Direito

A análise econômica do Direito vem ocupando maior destaque nos meios acadêmicos, ultimamente. Esse interesse tem sido demonstrado mais por advogados, especialmente os da América do Norte, do que por economistas. Entretanto, a união da Economia e do Direito está surgindo espontaneamente também nas economias européias, nascidas depois do colapso do comunismo, como inspiração à reestruturação econômica e política de novas sociedades conscientes da importância da proteção dos direitos de seus cidadãos.84 Veljanovski define a economia do Direito como “a aplicação da teoria econômica (principalmente a teoria dos preços) e dos métodos estatísticos ao estudo da formação, estrutura, processos e impacto da lei e das instituições jurídicas”.85

Para Posner, são profundas as relações entre as origens jurídica e econômica, a ponto de ser possível deduzir da teoria econômica as características formais básicas do próprio Direito.86 No entanto, muitas normas reguladoras são vistas por economistas como barreiras à competição econômica e, assim, comprometedoras do processo criador de riqueza. Economistas colocam no primeiro plano do debate os custos e os benefícios das leis, premissas que, para eles, são relevantes nas situações de recursos escassos. Na verdade, é possível verificar que, freqüentemente, políticos, grupos de pressão, funcionários públicos e,

83 Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 1997, pp. 140, 141 e 236.

84 A propósito, a literatura técnica indica que, nos anos recentes, a inovação mais importante da economia foi a

nova economia do Direito, cujo objeto é a totalidade dos sistemas legal e regulador, independentemente de a lei

controlar, ou não, as relações econômicas (Cf. VELJANOVSKI, Cento. A Economia do Direito e da Lei: uma

introdução, 1994, p. 78).

85 VELJANOVSKI, Cento. Ob. cit., p. 21.

86 POSNER, Richard. Economic Analysis of Law, 1977, p. 45. Evocando o trabalho de Posner, Frank H. Stephen (Teoria Econômica do Direito, 1993, p. 99) afirma que a sua abordagem é no sentido de que as decisões judiciais ou as normas legais podem ser racionalizadas a partir de um raciocínio econômico.

mesmo, advogados e juristas consideram a lei como se ela não tivesse custos. Ademais, nem sempre legisladores se encontram preparados para enunciar claramente o texto da lei ou para avaliar até que ponto leis específicas alcançam seus fins.

Veljanovski acentua que a ponte intelectual entre o Direito e a Economia tem, como um dos seus arcos de sustentação, a noção de custos de transação. Do ponto de vista econômico, custos de transação são os gastos associados às transações entre agentes econômicos, de modo geral, que não se expressam nos preços acordados entre as partes. O agente pondera as perdas decorrentes dos danos e os custos de evitá-los. Daí concluirmos que os indivíduos reagem às leis de maneira a poderem minimizar os ônus que elas lhes causam.87

Uma diferença significativa entre as concepções dos advogados e dos economistas reside basicamente no fato de que os últimos vêem as leis como geradores de custos ou de ganhos. Os advogados concentram suas preocupações nos resultados dos conflitos de interesses e atividades que ocorrem em sociedade. Suas atenções estão voltadas às ações das partes e como a solução do impasse poderá afetar o bem-estar dos litigantes envolvidos. Os economistas preocupam-se com os efeitos da lei sobre o comportamento dos agentes econômicos. Analisam a maneira pela qual a decisão judicial pode afetar as pessoas, em geral, e o que isso representa em termos de carga de trabalho dos tribunais.

Ainda segundo Veljanovski, advogados e formuladores de políticas públicas não estariam suficientemente familiarizados com as questões da economia e, freqüentemente, pouco ligados em números. Para os economistas, a abordagem jurídica é excessivamente descritiva e legalista. Eles encaram as leis como um sistema para alterar incentivos; já os advogados identificam-nas como regras e procedimentos. Os economistas estariam centrados em eficiência econômica e os advogados em justiça, fim do Direito. A propósito, o autor vê o Direito “como um método de realocar as perdas, dando incentivos para as pessoas reduzirem as perdas e usarem os recursos mais eficientemente”.88

Entretanto, advogados e economistas interagem na tarefa de formulação de políticas públicas. Direito e Economia tratam essencialmente de problemas inter-relacionados, por exemplo, com a escassez e seus conflitos de interesses, além de como canalizar o egoísmo no sentido de obter resultados socialmente desejáveis. Tanto é verdade que a teoria econômica estuda a interação e o comportamento de unidades da economia — empresa, consumidor e

87 VELJANOVSKI, Cento. A Economia do Direito e da Lei: uma introdução, 1994, p. 46. 88 VELJANOVSKI, Cento. Ob. cit., p. 52.

trabalhador. E, assim, quando o mercado e o Direito interagem, vislumbram-se soluções aos conflitos de interesses individuais.89

Não é nova a aplicação da teoria econômica ao Direito. Já afirmavam Posner e Calabresi, adeptos da análise econômica do Direito, que nova é a multiplicidade de problemas jurídicos a que hoje se aplica a teoria econômica. Os autores destacam a reconhecida importância da ciência econômica, em ramos jurídicos especiais, como o Direito Tributário, as sociedades por ações, as discussões sobre utilidade pública e outros temas correlatos.90 A respeito, Faria realiza um estudo econômico do Direito relacionado ao Sistema do Common

Law e sua transposição para o Direito Brasileiro, e afirma ter sido com Posner que a

interpretação econômica do Direito ganhou maior destaque e projeção nos Estados Unidos da América.91

Até a década de 60, a economia do Direito era vista, pela maioria das pessoas, como algo periférico.92 Nos anos 70, surgiu a contribuição acadêmica da análise da eficiência econômica efetuada por Posner.93 Nesse período, cresceu expressivamente o movimento da economia do Direito. Com o passar do tempo, e cada vez mais, os acadêmicos norte- americanos começaram a usar a economia para dar sentido racional às leis e avaliá-las. Com isso, no final da década, tornava-se respeitável a abordagem econômica do Direito entre as pessoas dedicadas ao estudo das leis.

A economia do Direito consolidou-se nos anos 80. Muitos acadêmicos norte- americanos, famosos nesse campo, na administração do presidente Ronald Reagan, atribuíram importância às mudanças inspiradas na supply-economics (suprimento de bens econômicos) e o assunto destacou-se nos debates políticos e legais sobre reformas governamentais, no Ocidente e no Oriente. No Reino Unido, somente nessa década a economia começa a ser utilizada para analisar o Direito e a regulamentação. As privatizações ocorridas na

89 É preciso dizer também que a economia tem estreita relação com as escolhas que os indivíduos fazem na condição de juizes, de litigantes ou de advogados em face de danos, diante da lei, mas também de fatores como custos, renda etc. A propósito, para Cento Veljanovski (A Economia do Direito e da Lei: uma introdução, 1994, p. 53), o Direito Consuetudinário Anglo-Americano tem sido profundamente influenciado pela Economia, especialmente quanto a contratos e delitos de responsabilidade civil extracontratual.

90 POSNER, Richard. Economic Analysis of Law, 1977, p. 77; CALABRESI, Guido. El Coste de los Accidentes:

Análisis Económico y Jurídico de la Responsabilidad Civil, 1984, p. 35.

91 FARIA, Guiomar T. Estrella. Interpretação Econômica do Direito, 1994, p. 105. Conforme a autora, a interpretação econômica do Direito teria surgido como uma tentativa de compreender o universo jurídico partindo de pressupostos econômicos, sob o enfoque do economista e vice-versa.

92 Cf. VELJANOVSKI, Cento. A Economia do Direito e da Lei: uma introdução, 1994, p. 68.

93 A teoria de Posner sugere que as doutrinas e as regras processuais dos sistemas legais podem ser submetidas à explicação e à racionalização econômicas. Esse tipo de avaliação econômica do Direito tenta explicar a natureza das doutrinas legais partindo do conceito da eficiência econômica. Assim, o autor argumenta que a economia poderia explicar as doutrinas legais, a despeito de tais doutrinas carecerem de fundamentação econômica explícita (POSNER, Richard. Ob. cit., p. 88).

administração de Margareth Thatcher, e as regulamentações daí decorrentes, alertaram para a necessidade de se ter em conta aspectos econômicos como custos, benefícios, impactos etc.94

A contribuição de Calabresi residiu em mostrar o poder de alguns simples princípios de economia para racionalizar toda uma lei e desenvolver uma base coerente para o seu aperfeiçoamento. Calabresi tratou da responsabilidade civil por acidente, ao analisar a lei dos

torts – ilícitos civis integrantes do campo jurídico da instituição inglesa –, do ponto de vista

econômico. 95 A teoria do autor destacou-se pela influência que veio a ter juntamente com o Teorema de Coase.96 Para Stephen, o objetivo da lei sobre acidentes era o de atribuir responsabilidades pelas perdas resultantes de acidentes. Ele entendia que se poderiam minimizar os custos dos acidentes caso se responsabilizasse pelas perdas a parte que poderia ter evitado o acidente.97

Posner e seguidores demonstram o caráter jusfilosófico da análise econômica do Direito, que não se restringe a avaliar a eficácia econômica das normas e das decisões judiciais, nos campos do direito conhecidos como sensíveis às teorias econômicas e às mudanças nas relações de mercado: o Direito Comercial, os contratos, a sociedade etc. Vão além, sobretudo porque analisam a relação entre a teoria econômica e o processo jurisdicional (civil e penal), o Direito Constitucional, o sistema legislativo, a organização do Judiciário, as relações de família e de parentesco etc.98

Veljanovski registra que um indivíduo comete um crime porque dele obtém um fluxo de benefícios líquidos maior do que conseguiria na utilização legítima de seu tempo e esforço. O autor menciona, ademais, que as pessoas se convertem em criminosos, não porque suas motivações básicas diferem das motivações das demais pessoas, mas porque diferem seus custos e benefícios.99

94 Cf. VELJANOVSKI, Cento. A Economia do Direito e da Lei: uma introdução, 1994, p. 102.

95 CALABRESI, Guido. The New Economic Analisys of Law: Scholarship, Sophistry or Self-Indulgence?,1981, p. 44.

96 Maiores detalhes sobre o Teorema, ver COASE, Ronald. The Problems of Social Costs, 1983, p. 35; STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito, 1993, pp. 26-38.

97 Além disso, Frank H. Stephen (Ob. cit., p. 202) lembra que o argumento de Guido Calabresi era de que a função principal do Direito aplicado aos acidentes, além de exigir justiça, é reduzir o valor dos custos de acidentes e dos custos para evitar acidentes.

98 Resumidamente, a posição de Richard Posner e seus colegas é a seguinte: i) a distribuição da Justiça e a maximização da riqueza são expressões de reciprocidade absoluta; ii) a busca estatal do bem-estar − welfare

state − expressa modernamente o sun cuique tribuere − a cada um o seu tributo; iii) a reparação dos danos

causados pelos ilícitos civis − torts − e também nos casos de responsabilidade objetiva − strict liability − não têm caráter compensatório; e iv) as condutas causadoras de lesões pessoais e danos materiais somente poderiam ser desencorajadas − deterred − empregando-se o critério de eficiência econômica − pareto optimality (Cf. POSNER, Richard; LANDES, William M. The Economic Structure of Tort Law, 1987, p. 105).

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A análise dos custos ajuda na definição da forma que a punição deve tomar. A detenção e a condenação de transgressores podem ser dispendiosas, requerem trabalho e considerável tempo e equipamento. Já multas previnem pela ameaça da sua imposição, sem custos maiores para os aplicadores. Veljanovski esboça uma tese favorável às multas, afirmando que pode ser mais barato utilizá-las do que prisão e outras sanções semelhantes.100 Conforme o autor, as multas são de cálculo fácil101 e envolvem uma simples transferência de dinheiro do agressor para o governo. Essa quantia poderia ser usada para financiar os custos da polícia e dos tribunais, por exemplo. Já as prisões adicionam custos evitáveis, tais como investimentos em presídios, salários etc.102