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A valoração econômica e a reparação do dano ambiental

9. A atuação do Poder Público em face dos problemas socioambientais

1.7. A valoração econômica e a reparação do dano ambiental

Um dos maiores desafios hoje no Brasil, e também em nível global, diz respeito à valorização do dano ambiental. Referida avaliação é aspecto da maior complexidade. Inexistem mercados que possam ser utilizados para fixar-se o exato valor da grande maioria dos bens e serviços ambientais, o seu valor econômico total. Essa constatação exige se criem soluções alternativas que possibilitem incorporar o respectivo valor nas análises econômicas.109

Na definição de Milaré, dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida.110 Consoante a Lei nº 6.938/81, art. 3º, I, dano ambiental é a alteração lesiva ou prejudicial ao meio ambiente (conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas) de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, afetando interesses individuais, coletivos ou difusos. Com clareza, analisam o assunto Capone e Mercone:

“O ambiente, pela sua natureza, não é uma res in commercio isto é, um bem destinado juridicamente ao comércio. Todavia, em caso de lesões, ao fim da sujeição do responsável a sanções, impõe-se uma quantificação em termos econômico-monetários do bem ambiental danificado pela transgressão. Mas a transformação em quantia pecuniária do assim chamado valor ambiental é, por assim dizer, uma operação que corre sobre um plano ontologicamente diverso daquele do bem; o dinheiro e o ambiente não são bens em si fungíveis; a lesão do ambiente não é uma lesão meramente patrimonial; o ambiente não está à venda. A imposição de um ‘ressarcimento do dano ambiental’ não é o preço para a cessão do meio ambiente, mas um modo de sanção punitiva a cargo do responsável pelo ilícito ambiental”. 111

A propósito, Motta e Pearce indicam poder-se representar, economicamente, o valor do meio ambiente pela seguinte expressão: valor econômico total = valor de uso + valor de opção + valor de existência. Valor de uso é definido como aquele atribuído pelos efetivos usuários

108 NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento e Ecologia, 1975, pp. 56 e 61. 109

Cf. BELLIA, Vítor. Introdução à Economia do Meio Ambiente, 1996, p. 92.

110 MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública por dano ao ambiente. 2002, p. 145. 111 CAPONE, Dario; MERCONE, Mario. Diritto ambientale, 1996, p. 520.

do bem, que usufruem o recurso ambiental em risco, por exemplo, determinado manancial que abastece uma cidade ou a vista privilegiada para o mar gerada pela localização de alguns imóveis. Valor de opção é o aferido pelas pessoas que, no presente, não usufruem o bem, mas tendem a lhe atribuir valor para uso futuro. Em outras palavras, fazem uma opção para uso futuro, ao contrário de uso presente (este compreendido no valor de uso). Valor de existência diz respeito à efetiva existência do recurso, independentemente do seu uso atual ou futuro. Consoante tais autores, a sociedade tende a atribuir maior valor a ativos como florestas e animais em extinção, apesar de nenhuma intenção de utilizá-los ou apreciá-los. Isso se deve à avaliação que as pessoas costumam fazer da singularidade e da irreversibilidade da destruição dos recursos naturais, associadas à insegurança quanto à extensão dos seus efeitos negativos.112

Quase toda a atividade humana gera resíduos ou interfere de uma ou de outra forma nas condições do meio ambiente. A poluição constitui-se na deterioração das qualidades do meio ambiente, inabilitando o habitat à prestação de vários serviços ao homem. Esse fato requer medidas adequadas de controle. Além disso, implica uma atitude de moderação e de equilíbrio, pois a eliminação total da poluição poderia acabar inibindo boa parte da produção e, conseqüentemente, alterando o seu consumo. A sociedade estaria disposta a pagar tal preço por um meio ambiente imaculado?113

A solução para tais dificuldades é complexa, porquanto não se trata somente de fechar empresas, mas de criar-se mecanismos que permitam a tomada de decisões convenientes em face das atividades humanas que envolvem o sistema econômico com implicações ecológicas. Acerca disso, assevera Nusdeo que “o caminho a seguir é o de não ignorar ou menosprezar o problema, mas sim o de o enfrentar em suas causas básicas, como a disposição de arcar com os correspondentes sacrifícios, aliás mais do que compensados pelos êxitos a serem obtidos, ainda quando modestos”.114

Para uma adequada política ambiental, o ideal é definir precisamente a relação entre os ganhos a serem obtidos em termos de ar mais puro, de paisagens preservadas e de água mais límpida, e os custos envolvidos, definidos por restrições a alguns tipos de atividade, preços

112 MOTTA, Ronaldo Serôa da. Análise custo-benefício do meio ambiente, 1990, pp. 109-134; PEARCE, C.

Environmental policy, benefits: monetary evaluation, 1989, p. 165.

113 NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento e Ecologia, 1975, p. 26.

114 NUSDEO, Fábio. Ob. cit., pp. 37 e 41. Vale lembrar o caso de Pittsburgh, estudado e divulgado por órgãos das Nações Unidas, que se mostrou um dos mais consagrados sucessos registrados em todo o mundo na luta antipoluição. A decisão acertada asseguraria à economia atingir um ponto de ótimo – Ótimo de Pareto, em que se verifica o máximo rendimento obtido dos fatores de produção disponíveis, considerando um determinado nível tecnológico, e a maior satisfação possível para todos os consumidores – dado também o seu nível de renda.

mais altos para certos produtos e, especialmente, impostos mais elevados. A dificuldade se apresenta exatamente no estabelecimento preciso dessa relação, aliado à definição clara de como os custos se distribuirão pelos vários setores da sociedade.115 Afinal, quanto custa o prazer de nadar ou de pescar nas águas de um lago cristalino?

A resposta ganha importância não apenas por seus aspectos de distribuição de renda ou de bem-estar, mas, sobretudo, por suas implicações econômicas vinculadas à incidência maior de moléstias, ausências ao trabalho, além da procura mais intensa por serviços médico- hospitalares oficiais, apenas citando-se algumas das mais imediatas. Não é fácil chegar-se a um preciso levantamento dos custos associados à degradação ambiental, eis que eles se distribuem por um número significativo de indivíduos, tornando o seu acompanhamento problemático, se não impossível. Declara Nusdeo que

“o processo de ruptura das cadeias de interdependência ecológica, uma vez iniciado, pode cumulativamente prosseguir por tempo dilatado, até que seus efeitos se manifestem plenamente. Nestes casos, serão as gerações futuras a receber o impacto de decisões mal pensadas pelas gerações anteriores, incapazes de lhes avaliar todas as conseqüências”.116

Além disso, danificar o meio ambiente significa lesá-lo, como bem incorpóreo, qualificado juridicamente como bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF), e aos elementos corpóreos e incorpóreos que o integram – os denominados bens ambientais -, os quais receberam tratamento legal específico, devido à sua função ecológica e ambiental, como recursos ambientais (Lei 6.938/81, art. 3º, V).117 Em quaisquer situações, na sua dimensão coletiva, como interesses difusos, são bens coletivos, que independem da titularidade do domínio reconhecida sobre o elemento material específico atingido.118

Já se disse que a valoração de bens e serviços ambientais é tampouco correta, porquanto não podemos dar valor a bens intangíveis, como a vida humana, paisagens, ou benefícios ecológicos de longo prazo. Entretanto, essa não é uma verdade absoluta, pois valoramos bens

115 Cf. NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento e Ecologia, 1975, p. 65. 116 NUSDEO, Fábio. Ob. cit., p. 69.

117 Cf. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, 2002, p. 46.

118 Ainda quanto à valoração da natureza, informa Gustavo Souto Maior (O Valor da Natureza. Gazeta Mercantil de 13/01/00) que uma equipe de treze pesquisadores, à frente o cientista Robert Costanza, da Universidade de Maryland, estimou o valor econômico de dezessete serviços que o meio ambiente pode proporcionar (regulação hídrica, de gases, climática e de distúrbios físicos, abastecimento d’água, controle de erosão e retenção de sedimentos, formação de solos, ciclo de nutrientes, tratamento de detritos, polinização, controle biológico, refúgios de fauna, produção de alimentos, matéria-prima, recursos genéticos, recreação e cultura), em 16 biomas espalhados pelo mundo. Para a consecução dos objetivos da pesquisa, foi necessário sistematizar informações dispersas em mais de uma centena de estudos de valoração econômica de bens e serviços ambientais que foram agrupadas e analisadas. Ao final, o resultado encontrado para o valor médio dos serviços proporcionados pela natureza, nos ecossistemas pesquisados, foi de US$ 33 trilhões ao ano e, como bem aponta o estudo, é de fundamental importância investigar até que ponto modificações na quantidade e qualidade dos vários tipos de capital natural e de serviços ambientais podem acarretar impactos no bem-estar humano.

e serviços intangíveis, a cada momento, por exemplo, ao fixarmos padrões para construção de estradas, pontes e similares. Aí valoramos a vida humana, pois estamos gastando mais dinheiro em construções. Como anota Souto Maior,

“qualquer decisão quanto ao uso da terra envolve estimativas de valor, mesmo quando valores monetários não são utilizados. Argumenta-se que devemos preservar os ecossistemas por razões morais, não lhes cabendo atribuir nenhum tipo de valor econômico. A preservação seria uma questão afeta aos direitos de todas as espécies, tendo a ver com as nossas obrigações morais para com as futuras gerações. Os bens e serviços ambientais seriam fins em si próprios, e não um instrumental para se obter determinado objetivo, no caso o desenvolvimento. Ora, se todos os bens têm direito à existência, presume-se que não é possível optar por um em detrimento de outro, estando, assim, todas as perdas moralmente condenadas.” 119

Infelizmente, bens e serviços ambientais têm muito pouco peso nas decisões políticas, por não serem quantificados e transacionados em mercados. Ambientalistas entendem que isso pode ter como conseqüência o comprometimento da sustentabilidade da vida na terra, já que os ativos ambientais não possuem substitutos. Por isso, é preciso raciocinar no sentido de que não existem fontes inesgotáveis de matéria-prima e energia para alimentar o sistema.120

Felizmente, a maior conscientização da coletividade vem aumentando as ações protetoras do ambiente e, conseqüentemente, as ações judiciais ambientais, nas quais as indústrias muitas vezes são responsabilizadas por danos ao meio ambiente e condenadas a pagar indenizações, além de ficarem sujeitas a penalidades administrativas, como multa, ou ter obras embargadas, o que podem ser considerados como fatores de depreciação patrimonial.121 Há que se destacar que algumas medidas governamentais acertadas têm mostrado bons resultados. Tanto que, no tocante à fauna brasileira, dados estatísticos indicam que já se conseguiu livrar da ameaça de extinção diversas espécies de animais.122

Diversos estudos foram feitos para determinar o valor econômico das terras úmidas, em diferentes partes do mundo. Metodologias foram elaboradas por economistas para avaliar os aspectos mais intangíveis do ambiente, tais como os fatores recreativos ou estéticos, embora ninguém tenha elaborado um método geral capaz de evidenciar a utilidade global da valoração econômica para o manejo/gestão das terras úmidas de todo o mundo.123

119 SOUTO MAIOR, Gustavo. O Valor da Natureza, 2000, p. 5. 120 SOUTO MAIOR, Gustavo. Ob. cit., p. 5.

121 Cf. SANTOS, Antônio Silveira Ribeira dos. Contabilidade ambiental: novo paradigma de qualidade, 1997, p. 95.

122 A seguir, o custo para salvar cada animal, ou seja, o valor despendido com os cuidados dispensados entre o nascimento e o ponto em que atinge a fase adulta e pode viver livre na natureza: i) Arara-azul = R$ 3.600,00; ii) Tartaruga marinha = R$ 4.000,00; iii) Baleia jubarte = R$ 5.500,00; iv) Peixe-boi = R$ 24.000,00; v) Mico- leão = R$ 50.000,00 (Revista VEJA Especial, 2000, p. 82, Nota “Ministério do Meio Ambiente e programas de preservação das espécies”).

123 Cf. BARBIER, Edward B. et alii.Valoração Econômica das Terras Úmidas. Guia para decisões e planejamento, 2001, p. 1.

É preciso também destacar que os equipamentos relacionados aos problemas ambientais são aquisições que vêm acrescentar-se ao patrimônio das empresas, de forma que podem ser enquadrados como ativos. Assim, algumas indústrias já vêm contabilizando tais fatores nos seus balanços, o que se mostra oportuno e atual, tanto que o Instituto Brasileiro de Contadores (IBRACON) estabeleceu as Normas de Procedimentos de Auditoria, conhecidas por NPA 11 – Balanço e Ecologia, apresentando roteiro a ser observado pelos contadores nos casos de implicações com o meio ambiente. As empresas que conhecem bem seu ativo e passivo ambiental certamente serão bem vistas pelo mercado, pois poderão apresentar uma maior realidade ambiental em eventuais licitações ou concorrências, ganhando todos, principalmente a sociedade. Segundo Santos, a NPA 11 estabelece como

“componentes dos Ativos Ambientais o imobilizado referente aos equipamentos adquiridos, visando à eliminação ou redução de agentes poluidores com vida útil de um ano; os gastos com pesquisas e desenvolvimento de tecnologias a médio e longo prazos; os estoques relacionados com o processo de eliminação dos níveis de poluição; creches; empregos gerados; áreas verdes, etc. Quanto ao Passivo Ambiental, conceitua-se como toda agressão que se pratica ou praticou contra o Meio Ambiente; o valor dos investimentos para reabilitá-lo; as multas; indenizações; gastos com projetos e licenças ambientais; restrições a empréstimos, etc.124

A ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer em ações que visem à reparação do dano, nos termos da Lei 7.347/85, art. 3º. O pedido de condenação em dinheiro pressupõe a ocorrência de dano ao meio ambiente, e só faz sentido quando a reconstituição não seja viável, fática ou tecnicamente. A propósito,

“na condenação em pecúnia, a aferição do quantum debeatur indenizatório é matéria inçada de dificuldades, pois nem sempre é possível, no estágio atual do conhecimento, o cálculo da totalidade do dano. Quanto vale, por exemplo, uma floresta nativa que sucumbiu sob a violência do corte raso? À falta de uma resposta satisfatória, ‘poderão ser utilizados os critérios de arbitramento ou de fixação da indenização com base no valor do lucro obtido pelo causador do dano com sua atividade.’”125

A regra consiste sobretudo em garantir-se a fruição do bem ambiental, buscando-se, por todos os meios razoáveis, ir além do ressarcimento do dano ambiental. Dessa forma, caso a ação vise à condenação em obrigação de fazer (ex. plantar árvores nas áreas de preservação permanente; realizar reformas necessárias à conservação do bem tombado) ou de não fazer (ex: parar a exploração de recursos naturais em unidades de conservação; estancar o lançamento de efluentes industriais em um rio), a sentença judicial exigiria o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva. A ação, portanto, apresenta duplo objetivo: estancar o fato gerador (por intermédio do cumprimento de obrigação de fazer

124

SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro. Contabilidade ambiental: novo paradigma de qualidade, 1997, p. 95.

ou não fazer) e exigir do infrator o ressarcimento monetário pelos danos verificados (pedido indenizatório).126

Conforme salienta Kiss, em relação às questões de indenizações expressas em valores econômicos, há casos de reparação impossível, mesmo com o substitutivo monetário, como a destruição de paisagens naturais ou arqueológicas, ou mesmo inteiros ecossistemas. E os ecossistemas mais ameaçados são exatamente aqueles em que inexistem valores monetários envolvidos, em especial as espécies vegetais e animais não explorados economicamente, como as briófitas de nenhum valor estético e a maioria dos insetos e outros seres vivos repulsivos.127