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ESTADO-NAÇÃO E GEOESTRATÉGIAS

2. A geoestratégia internacional da Borracha e seu rebatimento na territorialidade Amazônica

As estratégias internacionais agem segundo seus interesses. Daí afirmar que tais estratégias partem de relações dissimétricas, nas quais o poder as permeia.

No que diz respeito ao Ciclo da Borracha não foi diferente. A economia da borracha e o interesse mundial que a envolveu, ainda são o acontecimento mais importante da história política, social e econômica da Amazônia. Essa estratégia rebateu no território amazônico sem encontrar (muita) resistência por parte da classe dominante local e do Governo brasileiro, sendo a classe menos abastada a que mais sentiu as conseqüências negativas de tal esquadrinhamento.

A descoberta desse produto foi uma conseqüência natural da chegada dos colonizadores ao continente. Ribeiro ressalta que,

a descoberta da borracha como goma elástica ocorreu já na chegada de Colombo ao continente americano, [...] quando observou no Haiti as bolas especiais que as populações indígenas faziam, a partir do látex extraído de algumas plantas, Ribeiro (2007, p.141).

as populações indígenas fabricavam vários produtos de uso pessoal e de utilidade doméstica, como vasilhames, capas para proteção contra frio, inclusive de recém- nascidos. Chamava também atenção o fato de que o produto tinha grande elasticidade e impermeabilidade, Ribeiro (2007, p.141).

No entanto, foi na Amazônia que os colonizadores descobririam que ali existia o melhor tipo de goma elástica, a partir da qual a economia da borracha iria surgir.

Segundo Monteiro (1997), fugindo as normas de proibição de estrangeiros na Amazônia - sobretudo os rivais franceses da Guiana - deu-se a passagem da Expedição da Academia de Ciências de Paris (1745-49), chefiada por Charles Marie de La Condamine. Além das informações colhidas a favor dos interesses franceses, desta missão decorreram as primeiras anotações sobre a utilidade da Hevea brasiliensis, que produzia um látex de importância e valor superior às demais espécies existentes na Amazônia e sem similares no mundo.

A descoberta da borracha17 ganha destaque ao pontificar-se na economia mundial como produto estratégico para o desenvolvimento da nascente indústria.

Ribeiro (2007) também enumera uma série de descobertas em torno da borracha. Em 1823, Charles Mac Intosh desenvolve a impermeabilização da borracha, na Escócia. Em 1839 o norte americano Charles Goodyear18 desenvolve o processo de vulcanização, impulsionando ainda mais o interesse internacional pela borracha. Internamente, o ciclo da borracha teve impactos diretos sobre a Amazônia.

O processo de expansão econômica e populacional na Amazônia, a partir da incorporação da Província do Grão-Pará ao Brasil independente, tem início a reboque da valorização da borracha na Europa e nos Estados Unidos. Esse interesse modifica profundamente o território amazônico, pois que, “pela primeira vez em quatro séculos, o mundo passa a olhar a Amazônia” (Miranda, 2005, p.38).

Por volta de 1872 o comércio da borracha da Amazônia apresenta um grande impulso denotando um processo ascendente e irrefreável. Das centenas de produtos derivados, um ganhou mais relevo: a fabricação de pneumáticos, que viabilizou a indústria automobilística. A busca foi acelerada, culminando com

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A denominação de borracha é derivada de Portugal, onde um saco de couro, denominado de borracha, totalmente vedado, era utilizado para armazenar vinho ou água; com o látex foi possível a fabricação desse saco de forma mais adequada. Assim, o nome do “saco passou a ser aplicado à matéria-prima de que era fabricado, isto é, o látex da seringueira passou a chamar-se de borracha”, (Ribeiro, 2007, p.142).

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Goodyear denominou o processo químico de vulcanização, associando-o ao deus mitológico Vulcano, o deus dos vulcões, portanto, que precisava de elevadas temperaturas para sua elaboração, Ribeiro (2007, p.142).

a intensificação da procura da borracha no mercado mundial [...] na indústria dos calçados e finalmente nas indústrias automobilística e de bicicletas para uso como pneus, que levou a borracha a se constituir num produto de primeira necessidade, (MIRANDA, 2005, p.38).

Porém, a demanda crescente, aliada a um processo rudimentar e limitado da produção amazônica conduziu os países industriais a temerem pelo fornecimento do produto. O governo brasileiro não se antecipou aos fatos, o que fez a pressão internacional aumentar. As potências européias e os Estados Unidos pressionaram pela “Abertura dos Portos às Nações Amigas”, ou seja, a livre navegação pelo rio Amazonas.

E à medida que cresce a produção e o comércio da borracha, igualmente, cresce o interesse internacional pela região, e aliada à possibilidade do Brasil não conseguir abastecer os países industriais, a estratégia internacional passou a ser pela busca de outros locais fornecedores.

Mas, a melhor espécie da goma somente era encontrada na Amazônia. Daí que, em 1876, Henry Alexander Wickham, consegue contrabandear 70.000 mil sementes da Hevea

brasiliensis para o Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra. Pode ter sido o primeiro caso de

biopirataria na Amazônia. E a partir da aclimatação na ilha de Ceilão (atual Sri Lança) foi iniciado o bem sucedido sistema “plantations” do produto em diversos países da Ásia. E desse modo, “multiplicou-se a produção asiática e em poucos anos a produção amazônica era, apenas, um número insignificante no mercado mundial do produto”, conforme enfatiza Ribeiro (2007, p.143). Isto acarretou ao Brasil a perda do mercado da borracha, cujas conseqüências mais perversas incidiram sobre o território amazônico. A estratégia internacional usada e o “planejamento” adotado pelo Governo brasileiro tornaram a região marginalizada, fazendo a economia regional entrar em declínio, transformando o seringueiro e o nordestino em suas maiores vítimas.

Dessa feita, a transferência da sede do eixo econômico da produção da borracha amazônica para a Ásia foi uma importante geoestratégia internacional.

Outras duas estratégias internacionais, agora em escala continental, também, ocorreram derivadas da economia da borracha: a Guerra do Acre, e sua posterior anexação pelo Brasil; e a questão da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. No entanto, por terem provocado, por parte do Estado, a formulação de estratégias nacionais, tais questões serão vistas a seguir em conjunto com as conseqüências da migração do nordestino para a Amazônia, uma “desastrosa” estratégia nacional de ocupação do território.

3. A geoestratégia nacional da Borracha e seu rebatimento na territorialidade