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TERRITORIALIDADE AMAZÔNIA E GLOBALIZAÇÃO O 5º PELOTÃO ESPECIAL DE FRONTEIRA: VETOR ESTATAL NA CABEÇA DO CACHORRO

1. Panorama Internacional

Com efeito, o fim do regime bipolar que, sob a denominação de Guerra-Fria, que marcou o pós-II Guerra, trouxe uma nova ordem mundial. Após a queda do Império Soviético, os Estados Unidos tornaram-se a única superpotência do globo e passaram a agir como “polícia do mundo”, visto que existe “um poder absoluto, global, monitorado pelos EUA, estrategicamente sedimentado no trunfo da informação”, no dizer de Sá (2005, p.98). O fim da Guerra-Fria e a ampliação da agenda de segurança internacional são vistas a tempos pelos militares brasileiros como inquietantes, pois, diminuem o grau de previsibilidade das situações nas quais o Estado pode ser chamado a agir. Do ponto de vista estratégico militar, o panorama internacional pode ser refletido como no dizer de Frederico:

O Estado permanece com o domínio territorial e perde, em termos de soberania, o papel de ser o único, exclusivo e impenetrável guardião de um conjunto de patrimônios humanos, naturais, culturais, lingüísticos etc. que estão dentro de suas fronteiras [...] o Estado está envolto em normas de convivência internacional, bastante divergentes dos antigos princípios da igualdade entre Estados, da não- intervenção e da autodeterminação dos povos, do direito do mar e do direito

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internacional privado [...] novos conceitos como ‘dever de ingerência’ e ‘patrimônio da humanidade’ revolucionaram as relações internacionais. Frederico (2001, p.26).

Assim, o uso do Poder Militar, como se fosse a própria política tem evidenciado as recentes intervenções.

Já a América Latina, que permaneceu, durante longos anos, como área periférica do interesse estratégico mundial, atualmente, tem sentido sensíveis alterações neste sentido. Nela, de fato, os organismos internacionais mais representativos perderam força: a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Tratado Interamericano de Ajuda Recíproca (TIAR)41.

No campo econômico, os pactos regionais42 não conseguem decolar, devido, principalmente, aos desequilíbrios intra-regionais.

E, no campo diplomático-político - com rebatimentos diretos na Amazônia - existem o Grupo do Rio e o Pacto Amazônico, este objetivando assegurar aos seus signatários plena soberania sobre seus territórios amazônicos, frisa Costa (2007). Mais recentemente o Brasil vem tentando implementar um novo organismo: trata-se do Conselho Sul-Americano de Defesa43, um arremedo da OTAN44. Não integrando esses grupos, os Estados Unidos não os vêem com bons olhos. Alguns estudiosos afirmam que a reativação da IV Esquadra45 da Marinha dos Estados Unidos pode ter entre outros motivos, a instabilidade regional sul- americana, com alguns Estados partindo para uma verdadeira “correria armamentista”.

Ainda a respeito dessa escala continental, Costa (2007) assegura que a questão da estabilidade no entorno da América do Sul, hoje, é uma questão fundamental para o Brasil, cujos reflexos repercutem diretamente na Amazônia. Porém, não sendo objetivo da presente pesquisa abordar tema tão instigante, permanece, o tema, como proposta para futuros estudos.

Esta configuração político-econômica de cunho estratégico é também conseqüência do processo de globalização que aqui é entendido como uma amplificação do que conhecemos como internacionalização, que na atualidade busca um processo de homogeneização dos

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Esse Tratado prevê a proteção dos países do continente contra ameaças externas (em especial a antiga URSS), levou um golpe fatal durante a Guerra das Malvinas em que a intervenção foi realizada pela Inglaterra, com apoio ostensivo e marcante dos Estados Unidos, um dos membros do TIAR.

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No campo econômico, os principais são: Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), Pacto Andino, Mercado Comum do Sul (Mercosul). A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que teria uma maior abrangência nem saiu do papel.

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O Conselho foi proposto pelo Brasil durante a reunião que criou a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 23 de maio de 2008. Caberia ao Conselho a coordenação das 12 nações sul-americanas com o intuito de construir a paz, preservar a integridade territorial e impedir a ingerência externa no subcontinente.

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Organização do Tratado do Atlântico Norte.

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Em 12 de junho de 2008, na Base Naval de Mayport, Flórida ocorreu a reativação da IV Esquadra (também conhecida como IV Frota). Segundo o Pentágono, a organização e o efetivo da Esquadra permanecem inalterados.

espaços, transformando-os num “sistema-mundo”. Embutido nesse processo acontece a fragmentação do espaço que gera segregações e exclusões ampliando as desigualdades sociais em todos os países, nas diversas escalas. Esta “distribuição” das desigualdades não é equânime.

No que diz respeito ao território, “hoje, entre os ‘grandes’, vem-se esboçando uma Geopolítica globalista, baseada no controle do universo geográfico por um poder central (dos ‘grandes’), que ditaria a todos os países a política mais conveniente à garantia da ordem econômica, da paz e da segurança da humanidade”, por outro lado esta política globalista também realiza “pressões intervencionistas que vêm sendo sofridas pelos governos considerados fora de sua receita de comportamento”, conforme relata Mattos (2002, p.25). Já para Raffestin (1993, p.131) “o mundo atual passa por um período denominado globalismo, cuja principal característica é a imposição de uma forma unitária, pelo triunfo de um modelo considerado, num dado momento, superior a todos os outros”. E “dentro de cada país, sobretudo entre os mais pobres, informação e dinheiro mundializados acabam por se impor como algo autônomo face à sociedade e, mesmo, à economia, (...) de cada nação” (SANTOS, 2005, p. 65).

E numa tentativa de “amortecimento das disparidades” geradas no bojo desse processo, os “interesses coletivos da humanidade” passam a ter como focos principais à proteção dos direitos humanos, a preservação do meio-ambiente, o combate ao crime organizado e ao terrorismo e, o controle sobre a proliferação de armas de destruição em massa. Ora, Azambuja (1971) afirma que por Humanidade entende-se o conjunto de todas as sociedades existentes na face da Terra, porém, tais interesses são cirúrgicos, e sempre permeados de intencionalidades.

A partir desses mesmos interesses, Da Silva (1999) relata que um rol de países desenvolvidos, encabeçados pelo G-746, relacionaram as ameaças que seriam justificativas para intervenções, inclusive militares, nos territórios dos países periféricos: - a ocorrência do narcotráfico; - a destruição das florestas tropicais; - a imigração ilegal; - o terrorismo internacional; - e a proteção de comunidades indígenas. Desse modo, utilizando um discurso que, aparentemente, busca a defesa de tais interesses coletivos, os países centrais, agem mais em função de suas causas próprias em detrimento dos ditos interesses da coletividade.

Miranda (2005) menciona um artigo do senador da República Cristovam Buarque, publicado em 2000 e de muito sucesso na internet, relatado durante debate numa universidade

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Grupo dos sete países mais desenvolvidos formado por EUA, Alemanha, Japão, Itália, Canadá, França e Inglaterra. Atualmente, a Rússia também integra o grupo, formando o G7+Rússia ou G8.

norte-americana, quando lhe foi perguntado, em “tom provocativo”, o que pensava da internacionalização da Amazônia, e que falasse não como brasileiro e sim como humanista. Assim ele respondeu:

De fato, como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio: ele é nosso! Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental, que sofre a Amazônia, posso imaginar que a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade. Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. Petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres, humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio da Amazônia, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Agora mesmo as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas presidentes de alguns países tiveram dificuldade em comparecer pessoalmente por constrangimento na frente dos Estados Unidos. Por isso, eu acho que New Iorque, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Florença, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. Cada cidade com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la na mão dos brasileiros, internacionalizemos todos seus arsenais nucleares. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Começaríamos usando esse dinheiro para garantir que cada criança do mundo tivesse possibilidade de se alimentar e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando em que país tenham nascido, como o patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa! (Cristovam Buarque Apud Miranda, 2005, p.205-207).

Por trás das palavras de Cristovam Buarque podem existir duas realidades: inicialmente, o descaso histórico do Governo Brasileiro e da sociedade, como um todo, no trato da Nação, e da Amazônia, em particular; segundo, a prepotência do discurso globalizado que defende abertamente a internacionalização daquele espaço.

Desse modo, os países centrais tentam impor uma supremacia aos países periféricos, nos campos político, econômico, militar e cultural, sem ao menos dar conta de suas próprias obrigações, assevera Mattos (2002). A esse respeito, para muitos estudiosos, hoje, o aquecimento global é o maior problema enfrentado pela humanidade. Porém, o Protocolo de Kyoto, que criaria mecanismos para a desaceleração do processo, ainda nem foi ratificado pela nação que mais emite poluentes no planeta. E as demais nações industrializadas somente assinaram o tal acordo pela simples razão egoísta de sobrevivência. Pois, como afirma Brandão (2006, p.A3) “se o aquecimento global afetasse somente africanos, asiáticos ou latino-americanos, o mundo rico estaria indiferente a tudo”. Então, de quê interesses coletivos se fala?

Tais interesses coletivos têm conduzido o mundo para um novo direcionamento de conflito, alterando do tradicional Leste versus Oeste, para Norte versus Sul, caracterizado pelos desníveis sociais e tecnológicos entre as nações envolvidas.

O princípio da não-intervenção vem sendo posto de lado. O declarado “caráter humanitário das intervenções” torna-se mais freqüente. O Protocolo de Washington47 autoriza a intervenção militar, caso o meio-ambiente esteja sendo posto em risco.

Coaduna com essa perspectiva global uma certa atitude interna que tem caracterizado a atuação do Estado brasileiro no trato do território. Neste ponto, a presença estatal na Amazônia tem sido mesmo pontual.

Por extensão existem questões inerentes ao paradigma em voga que suscitam um melhor entendimento da dinâmica espacial da Amazônia e, todas estão a reboque do atual processo de globalização. Desse modo, as questões ambiental, a presença dos estrangeiros e ONG, fundiária, indígena, do garimpo, do narcotráfico, a cobiça internacional e a densidade populacional e rede urbana são questões que serão analisadas na presente pesquisa, porém, de forma abreviada.