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PLANEJAMENTO NO BRASIL E NOVAS ESTRATÉGIAS DO ESTADO E DO MERCADO

1. Planejamento no Brasil: para quê e para quem?

Na década de 1960, o Brasil experimentou um dos momentos políticos mais instáveis enquanto Nação. Nesse momento, o planejamento foi utilizado, deliberadamente, para provocar uma “ruptura” explícita do País em duas partes. Foram as “elites” responsáveis pela ilusória e trágica divisão cultivada, até hoje, e inflada pela truculência com que os militares se comportaram, tanto quanto pela irresponsabilidade anterior ou a reação posterior, muitas vezes desmedida, com que certas parcelas do poder civil reagiram.

Mas há uma outra forma de planejamento que o Estado pode e deve realizar em seu esquadrinhamento territorial. É um planejamento que desmonte o sistema territorial (pautado na grande propriedade agrícola) e o setor industrial-financeiro. Enfim, que faça o Estado criar “um espírito de nação segura sobre seu passado, certa sobre seu presente e convicta sobre seu futuro”, como bem defende Sá (in Sá & Corrêa, 2006).

Nesse planejamento, o Estado se apresenta como agente regulador das relações econômicas e sociais, condicionadas a uma redução das desigualdades e a construção de uma realidade mais equânime e projetada para o futuro, ou seja, uma distribuição da riqueza nacional em termos solidários.

Planejar é pensar e sonhar algo, sem, no entanto, enveredar por caminhos utópicos. Parece tarefa fácil, mas não é, principalmente, num contexto de mundo em permanente efervescência.

Contudo, um grande estadista brasileiro teve essa percepção. Mattos (2006) relata que José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, foi um exemplo de estadista. Vivendo na Europa durante a fase efervescente dos progressos da Revolução Industrial e da difusão das aplicações da eletricidade, sonhou com que os benefícios daquele momento histórico chegassem ao Brasil. Empolgava-lhe a idéia de que o País participasse da era de progresso que aquele processo começava a proporcionar aos europeus. No entanto, o planejamento errado fez o Estado abandonar os sonhos do velho patriarca, o que nos valeu profundo atraso na implantação, por exemplo, de uma indústria siderúrgica, inaugurada em 1942, no município de Volta Redonda, no Vale do Paraíba, com financiamento norte- americano, concedido em troca da adesão do Brasil aos aliados na Segunda Guerra Mundial.

Porém, a história nos relata planejamentos errôneos ou mesmo nocivos à Nação.

Exemplificando, o Brasil ainda não pode contar com uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), importante ferramenta do planejamento territorial. Ou seja, um País continental abre mão de ordenar seu próprio espaço. O que espera-se com isso? O que acontece que as coisas não andam por aqui? A respeito da PNOT o tema será abordado mais à frente.

Ainda, os sucessivos governantes, quando o fazem (planejamento), é única e, exclusivamente, para o período de sua gestão. No Brasil não há planejamento de Estado, mas, de Governo. E mesmo a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), já em vigor por intermédio do Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, quando em sua fase de gestação era considerada uma política do Governo. Essa política, também, será objeto de análise mais adiante.

Segundo Becker e Egler (1998) o Brasil apresentou três padrões econômicos ao longo da sua inserção na economia-mundo, desde a chegada dos primeiros assentamentos portugueses até a formação do Estado moderno e a industrialização. Para essa constatação os autores citados utilizam o quadro teórico das ondas longas proposto por Kondrotieff.

O primeiro padrão é o colonial, caracterizado pela implantação de empresas européias sobre um vasto território tendo por base o trabalho escravo. Aqui o planejamento foi unicamente voltado para a exportação sem o menor interesse na construção de infra-estruturas ou edificação da Nação. Esse período foi caracterizado pelo saque predatório das riquezas que estavam mais acessíveis.

O segundo padrão teve início com a independência e, é marcado pelo mercantilismo escravocrata nacional, agora, sob a égide do Império brasileiro. Desse modo o Estado conseguiu manter as diversas economias regionais (ilhas), unidas em formato de arquipélago. É neste período que tem início a construção do Estado nacional. Becker e Egler (1998, p.37) afirmam que no “Império, café e escravidão foram traços marcantes da formação do Estado brasileiro”. É desse incipiente Estado que surgem os primeiros traços de planejamento. No entanto, o “norte”, que guiava o planejamento ainda era o mercado europeu. E, mais uma vez, dava-se às costas ao vasto território. Por fim, é no terceiro padrão das ondas de Kondrotieff, cuja inserção do País como membro periférico do capitalismo industrial, acontece. O Estado pressente a necessidade de planejar o uso do território. O processo de industrialização, efetivamente, só tem início no final do século XIX com a economia exportadora-capitalista, e resultando no desenvolvimento nacional, somente, no segundo pós-guerra.

Desse modo, o Brasil foi inserido na “economia-mundo” por intermédio de um processo de industrialização tardio, com a atuação de um Estado frágil e com raros momentos de planejamento, conforme destacam Becker e Egler (1998).

Kowarick (1995) esclarece que a inserção ocorreu num momento em que

a Conferência de Bretton Woods (Estados Unidos, 1944), cujos convênios e decisões deram origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial significou, sob a fictícia figura da ‘cooperação’ mundial, a imposição do poder dominante norte-americano ao decadente império britânico e ao mundo capitalista”, Kowarick (1995, p.297).

É nesse contexto que haverá uma valorização da escala regional para a expansão da economia de mercado e, da escala nacional para a consolidação dos Estados-nação periféricos. Os países capitalistas mais industrializados já haviam se consolidado. A nova ordem-mundial impunha um ajuste nas diversas escalas de atuação desses principais atores: empresas e Estados.

Assim, Becker (1986), realça que,

após a guerra, entre 1950–70, a reconstrução da ordem econômica internacional favoreceu simultaneamente a significância da região e o fortalecimento do aparelho do Estado. A escala macrorregional parece ser a escala espacial ótima para a estratégia político-econômica que visa unificar mercados e o poder político nos territórios nacionais, (Becker, 1986, p.45).

Andrade (2003) destaca, ainda, que o Brasil acumulou divisas junto às potências industriais quando exportou diversos produtos para esses países. Estes, porém, recusaram-se a

pagar seus débitos nas condições exigidas. Os países industrializados foram reerguendo-se e reformulando a nova economia mundial com o apoio dos Estados Unidos. E o Brasil desejoso em aumentar e modernizar seu parque industrial passou a importar mais, pois, as ferrovias, os transportes urbanos e a navegação costeira necessitavam de manutenção e expansão.

No entanto, como não houve planejamento na reconstrução e modernização da economia nacional, grande parte das divisas foram gastas “na aquisição de objetos de luxo, eletrodomésticos, sobretudo, assim como em viagens de turismo ao exterior”, conforme destaca Andrade (2003, p.181).

Para demonstrar ainda mais “falta” de planejamento, o Estado nacional passou a comprar dos ingleses as concessões de exploração de ferrovias. O problema é que os contratos já estavam por findar, e as concessões seriam devolvidas sem qualquer indenização, além de que a malha ferroviária naquele momento, era composta de material antiquado.

E o mercado externo iniciou sua imposição ao frágil, incipiente e “mal planejado” Estado nacional que,

já em 1948, quando caiu o preço do café no mercado internacional, estávamos sem divisas e tínhamos de recorrer a débitos externos e favorecer vantagem ao capital estrangeiro que se dispusesse a explorar nossas riquezas. Andrade (2003, p.181).

Analisando a complexidade da nova ordem mundial e as novas funcionalidades dos Estados periféricos, Becker (1986), afirma que o Estado torna-se incapaz de fornecer todo a infra-estrutura e equipamento necessários para satisfazer as exigências de todos os atores e organizações.

E mesmo nesse cenário o Brasil conseguiu inserir-se na economia-mundo. Os acontecimentos do segundo pós-guerra foram determinantes para tal inserção.