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ESTADO-NAÇÃO E GEOESTRATÉGIAS

1. Estado-nação ou Nação-estado?

Embora o sentimento de defesa territorial já se impusesse em Guararapes12, ainda não era a Pátria que nascia. O nacionalismo brasileiro, como afirmação de identidade, nasce na oposição intelectual aos vícios, desmandos e indiferença dos colonizadores pela gente aqui nascida (MONTEIRO, 1997). Ele se expressa com maior pujança no pensamento e na ação política dos Inconfidentes.

Monteiro (1997) demonstra que o episódio de Guararapes ainda revela uma confusa identidade política luso-brasileira que se rebelava contra o ‘invasor’, embora Portugal tenha sido o primeiro (invasor) do gênero.

A parte lusitana do pacto cabia aos brancos, André Vidal de Negreiros e Antonio Dias Cardoso, e ao mulato, João Fernandes Vieira. Dias Cardoso, português de nascimento, deu a suas tropas o título de “exército patriótico”. A Pátria, para ele, no entanto, continuava a ser Portugal. Todos os brancos, inclusive João Fernandes Vieira eram homens bem situados pela fortuna ou pelo nascimento. Os “representantes autênticos da nação” que surgia foram o índio Felipe Camarão e o negro Henrique Dias.

O Estado nacional, como projeto político autônomo, nasce em Minas, sob a influência da Independência dos Estados Unidos da América e das idéias iluministas francesas. Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes - que ao ser preso, conduzia exemplares das leis constitucionais dos Estados norte-americanos.

O processo de construção dessa organização não foi fácil. O País teve que libertar-se da matriz espiritual lusitana. Ao mesmo tempo oscilava entre a remanescente razão ibérica e a atração anglo-saxã que o seduzia (e ainda seduz) e a sempre presente influência francesa.

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Batalhas que determinaram o fim do domínio holandês no Nordeste brasileiro, travadas, a 19/04/1648 e 18/02/1649, no Monte Guararapes, localizado ao sul do Recife, no povoado de Prazeres, atualmente um bairro do município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.

Até então, a consciência de Pátria era ainda vaga. Mas, o fim da Guerra do Paraguai e a campanha abolicionista já haviam adensado uma certa consciência nacional. Na década de 1870, começaram a proliferar pequenas células abolicionistas. Em geral, jovens abnegados, como Castro Alves e Joaquim Nabuco. É nesse processo que o partido republicano vai sendo consolidado, até o Manifesto Republicano de 187013.

A divisão na elite cafeicultora paulista entre os velhos escravocratas das antigas lavouras de café e os novos plantadores foi fundamental para o apoio à implantação do novo regime em 1889. O partido Republicano ganha força, sobretudo na Corte, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, estrutura-se o movimento abolicionista e há sinais de inquietação entre os militares, conforme destaca Andrade (2003).

Durante quase 20 anos, a resistência contra o movimento republicano foi poderosa, somente sendo quebrada com o pronunciamento militar de 15 de novembro de 1889.

De fato, o seguimento militar esteve presente na formação do Estado nacional. Essa presença dos militares na vida política brasileira se tornou marcante a partir de 1889, com a Proclamação da República. Prova disso é que ela, a República, nasceu de um movimento militar, conduzido por marechais e generais que haviam servido ao Império e não por civis da causa do barrete frígio14, frisa Andrade (2003). Daí que não estava longe da verdade o dito de que o Brasil proclamou a República sem ter republicanos.

Porém, a ‘facilidade’ com que a República foi proclamada causou transtornos à implantação do regime. Andrade destaca os transtornos decorrentes da “modificação” do regime:

primeiro, porque não havia sido constituído um partido republicano forte o suficiente para aprofundar as mudanças que a alteração no regime careciam. Segundo, o marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador, não dispunha de uma formação política adequada e, ainda, pouca maleabilidade, além de não ter internalizado as idéias republicanas, assumindo o Governo de forma ditatorial, Andrade (2003, p.142-143).

A falta de mudanças estruturais foi um dos agravantes para a afirmação do regime. Não houve uma renovação política. “Velhos” políticos e conservadores que aderiram à República, “procurariam evitar a evolução da idéia republicana às últimas conseqüências e manterem as estruturas econômicas e sociais dominantes durante o império”, no dizer de Andrade (2003, p.143).

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O primeiro Manifesto Republicano surgiu em 3 de dezembro de 1870, publicado no 1º número do jornal fluminense "A República", resultado de uma ruptura de um grupo de 57 integrantes do Partido Liberal, liderados por Quintino Bocaiúva e Joaquim Saldanha Marinho. Ambos haviam decidido formar um Clube Republicano no Rio de Janeiro. O Manifesto dizia: "Somos da América e queremos ser americanos".

A primeira Constituição do regime republicano deu uma nova denominação ao País: República dos Estados Unidos do Brasil, consagrando a forma federativa, passando o território a ser estruturado em 20 Estados indissolúveis, ao mesmo tempo em que centralizava na União o mais alto escalão. Executivo, Legislativo e Judiciário foram consagrados como poderes. A Bandeira Nacional ganhou seu formato atual, com a inscrição ‘Ordem e Progresso’.

No campo econômico, as reformas de base não foram realizadas, fazendo o País permanecer como economia de exportação de produtos agrícolas e de importação de manufaturados (Becker, 1982), ocupando, em escala mundial, o mesmo espaço na divisão internacional do trabalho. É a união entre dinheiro e razão que sedimenta as bases estruturais do território da modernidade, as mesmas relações do “mandar” e do “obedecer”, Sábato (1993), pois, os Estados/Impérios mais poderosos permaneceram no controle dos novos Estados-nação.

Internamente, o Estado brasileiro não gerou “cabeças” capazes de pensar o País como Nação. De fato, poucos foram os que se identificaram com a República.

Se, por um lado, foi Floriano Peixoto, quem a consolidou, coube a Prudente de Morais organizar o governo. Além disso, para Andrade (2003, p.155), ele foi “considerado o Pacificador, porque procurou amainar as divergências do quatriênio anterior, consolidando o poder civil e garantindo a aplicação das leis”.

No início do regime republicano, a grande figura do nacionalismo brasileiro é Rui Barbosa, em suas intervenções precisas em Haia, demonstrando que a igualdade das nações é um dos pressupostos da paz, condenando o “direito” da guerra dos fortes contra os débeis, para a imposição da “boa ordem internacional”. Já entre os chefes de Estado do período republicano, dois nomes se destacaram: Arthur Bernardes, na defesa dos recursos minerais e soberania nacional sobre a Amazônia; e Getúlio Vargas, na construção do Estado para a realização de seu projeto de nação.

No entanto, segundo Monteiro (1997) foi com os modernistas de 192215 que o País começou a se definir como Nação sem constrangimento da origem étnica. Ao celebrar o primeiro centenário da Independência, a república, defeituosa, envelhecida e viciada, apresenta uma série de movimentos reivindicatórios de mudança política. Do episódio dos 18 do Forte de Copacabana, passando pelo Tenentismo e a Coluna Prestes, chega-se à Revolução de 30. Em 1928, Mario de Andrade lança o seu “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, e

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Com a Semana de Arte Moderna emerge a necessidade de libertação dos modelos culturais europeus e mergulhar na própria realidade nacional, Monteiro (1997).

o País descobre a força da música do interior. A ficção nacional encontra sua linguagem própria e o teatro se liberta dos dramalhões portugueses. Esta época coaduna-se com as grandes sínteses interpretativas que continuam em Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala, 1933; Sobrados e Mucambos, 1936) e Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936). É desse período, também, que se organizam as primeiras universidades brasileiras: a Universidade de São Paulo e a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

Mais um passo é dado na consolidação do Estado-nação quando, em 10 de novembro de 1937, é instalado o Estado-Novo, com o apoio do Exército, que para Vargas, passa a ser o “guardião da Nação”.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, seguido dos Acordos de Washington16 de 1940, Vargas realiza o discurso de Manaus em outubro de 1940 (ALVES, 2007), conclamando a mobilização de esforços para a integração efetiva da Amazônia ao restante do País. Já com o fim do conflito a manutenção do Estado-Novo tornou-se insustentável. Os militares, desconfortáveis com o regime, ganharam relevo mais uma vez. Getúlio Vargas foi deposto e novas eleições foram convocadas. Eis a formação do Estado-nação brasileiro, cujo componente militar esteve presente.

No período democrático (1946 a 1964) as Forças Armadas voltaram a intervir abertamente na política, na maioria das vezes incitadas por setores civis, que Castello Branco chamou de “vivandeiras”, segundo Andrade (2005). Em 1964, os generais assumiram diretamente o poder, só retornando aos quartéis 21 anos após. Fora à participação dos militares, outro fator esteve presente no processo de formação do Estado-nação.

No final do século XIX dois produtos agrícolas ganharam destaque na pauta brasileira de exportações - o café e a borracha - formando áreas dentro do território que se destacaram das demais e que tiveram importância para a consolidação do Estado-nacional. São as chamadas áreas “luminosas”, que no entender de Sá et al. (2007), são produto do esquadrinhamento por parte dos impérios e suas organizações ao fatiarem a América do Sul em países e regiões, para isso manipulando energia e informação, codificadas para uso estratégico. A área luminosa do café é a região Sudeste, onde, segundo Andrade (2003), essa cultura vai encontrar as terras roxas, permitindo elevada produtividade e consolidando a importância econômica do Sudeste na dinâmica territorial.

Andrade (2003, p.153), afirma que a Amazônia emerge “graças à valorização da borracha no mercado internacional (que) nos últimos anos do período colonial, continuou em

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Esforço de guerra dos Aliados contra o Eixo, capitaneado pela necessidade de abastecimento do látex aos aliados do conflito, o que vai provocar um novo ciclo da borracha.

rápido processo de povoamento, atraindo os excedentes populacionais do Nordeste”. A presença da mão-de-obra nordestina colaborou para operar profundas alterações no território amazônico, ao mesmo tempo em que arrefeceu a pressão demográfica no Sertão. Manaus e Belém experimentaram excepcional crescimento populacional.

Na verdade, a borracha passou por dois ciclos. O mais intenso ocorreu no período de 1877 a 1907, sendo o que mais provocou transformações no território amazônico, fazendo inclusive emergir uma classe urbana pujante espelhada na sociedade européia. O segundo ciclo ocorreu por conseqüência da Segunda Guerra Mundial, não provocando tantas alterações territoriais.

Desse modo, a formação do Estado nacional teve no café e na borracha, vértices formadores dos alicerces da “unidade nacional”. O café teve sua importância assinalada ao consolidar o Sudeste na dinâmica nacional. No entanto, foi a borracha quem representou o primeiro grande momento econômico da Amazônia em quase quatro séculos Assim, as estratégias utilizadas no plano externo e interno no trato da borracha são apresentadas a seguir.

2. A geoestratégia internacional da Borracha e seu rebatimento na