• Nenhum resultado encontrado

PLANEJAMENTO NO BRASIL E NOVAS ESTRATÉGIAS DO ESTADO E DO MERCADO

4. O Estado, a Sudam e as Organizações Territoriais

Como já visto, cabe ao Estado organizar institucional e funcionalmente o Poder político, num dado território ou espaço físico, com vista à promoção do bem comum. No Brasil, o planejamento e a integração do território, com vista ao “bem comum”, começa a tomar forma a partir da década de 1960.

Para Becker (1982), a fundação de Brasília, em 1960, a criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)30 em 1959, e a criação da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em 1967 foram marcos fundamentais na política de integração nacional elaborada pelo Governo Federal. A Amazônia e o Nordeste merecem destaque porque como frisa Becker são duas regiões que:

emergem como regiões-problema, embora por motivos opostos: a periferia deprimida e a periferia não-integrada. É maior a gravidade do caso do Nordeste. Devido à sua alta pressão demográfica, exige atendimento dos problemas de sua estrutura econômica, a fim de aliviar a tensão econômica, social e política. Na

30

A Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi criada em 1959, quando as desigualdades entre esta região e o Sudeste tornaram-se mais aguda. Soublin (2003).

Amazônia, o problema é oposto: a fraqueza do povoamento exige ocupação urgente”, Becker: (1982, p.26-27).

Desse modo, apesar da região ganhar importância, para as corporações, no Brasil, as Superintendências tinham antes o papel de dinamizar seu próprio espaço em detrimento da integração nacional. Como resultado, as desigualdades inter-regionais aumentaram, contribuindo ainda mais para a fragmentação do território. Um exemplo da crescente importância da região e da sua contribuição para o fortalecimento do Estado foi a instalação das montadoras de veículos em São Paulo, no governo de Juscelino Kubitschek, ao atender, por um lado, os interesses do Estado, pois “correspondeu as aspirações de países subdesenvolvidos para o desenvolvimento e modernização” (Becker, 1984, p.2), como também os interesses da corporação, esta, ao se instalar, somente, em territórios com infra- estrutura patrocinada pelo poder público, impôs sua vontade. Assim, como destaca Becker,

nesse momento os interesses da empresa privada e do governo coincidem amplamente; se unifica o mercado nacional, se fortalece o aparelho de Estado e a política regional, importante instrumento para essa transformação, é identificado com a construção da nação, (Becker, 1986, p.45).

É com a implantação do Governo Militar em 1964, que um grupo de estudos foi criado para pensar a questão amazônica.

A nova estratégia de ação foi lançada pelo Presidente Castelo Branco, por intermédio de dois discursos: em Macapá (1º Set 1966) e Boa Vista (20 Set 1966). A região foi palco de intensos estudos, reconhecimentos da realidade local, seminários e debates com todos os segmentos sociais.

Destarte, ainda com Castelo Branco no poder, estava completo o novo sistema institucional de ação para o desenvolvimento da Amazônia. Ribeiro (2006) declara que, em seu conteúdo e nas funções estratégicas que deveria exercer, o novo sistema institucional de ação compreendia a criação ou transformação, dentre outras, das seguintes organizações: i) Banco da Amazônia S/A31 (BASA), a partir da transformação do Banco de Crédito da Amazônia, essa organização foi criada para atuar junto à iniciativa privada, proporcionando- lhe crédito, servindo como banco de desenvolvimento regional; ii) Superintendência do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA), cuja função era promover incentivos à produção de borracha; iii) Superintendência de Desenvolvimento da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), entidade criada para incentivar a expansão desta zona franca, por intermédio de

isenções fiscais; iv) criação de três entidades voltadas para a pesquisa regional (Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém; o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, em Manaus; e o Centro de Pesquisa Agroflorestal do Trópico Úmido - CPATU, em Belém); e v) criação da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia32 (SUDAM).

No entanto, apesar dos avanços, o tempo mostrou que, mesmo este arcabouço institucional não foi capaz de vencer as mazelas e os obstáculos regionais.

O Banco da Amazônia, mesmo com uma atuação sofrível, assumiu seu papel de promover o desenvolvimento regional. Já a Suframa obteve êxito ao transformar a cidade de Manaus em um centro urbano e industrial localizado no coração da Amazônia.

As entidades de pesquisa procuram cumprir seu papel. Dispondo de uma pequena produção científica sobre os diversos recursos da região, mas que, infelizmente, são pouco aproveitados na formulação das políticas de desenvolvimento regional, essas instituições podem participar do planejamento e ordenamento territorial da Amazônia. O mote, porém, é que o conhecimento científico sobre a Amazônia está concentrado em mãos estrangeiras. Em 2004, o sítio do Ministério da Educação em seu Portal Periódicos reproduzia textos de nove mil publicações científicas brasileiras e estrangeiras. Dos 452 artigos sobre a Amazônia publicados nos quatro primeiros meses do ano da pesquisa, 352 foram produzidos por pesquisadores que moram fora do País. O número nacional (100 textos) é menor, por exemplo, que a produção de cientistas americanos, que escreveram 107 artigos sobre a floresta. Esses números revelam perda de soberania. Uma boa forma de dominar uma região é estudá-la, produzir conhecimento, informação. Comprar de fora os dados científicos coletados aqui dentro, implica dizer que a soberania está em risco.

Por fim, a Sudam voltou-se, prioritariamente, para aplicar os incentivos fiscais, por intermédio de deduções tributárias para investimentos. Em conseqüência, surgiram muitos projetos de investimentos oriundos de várias partes do País.

Desse modo, um objetivo geopolítico, também era alcançado: houve uma mobilização nacional voltada à Amazônia. Não obstante, a política de incentivos, fracassou devido, primeiro, pela corrupção generalizada que ocorreu nas aplicações e, segundo, pelo impacto ambiental que provocou na região pelas facilidades de acesso aos novos espaços.

Assim, assoladas supostamente, por uma onda de corrupção, a Sudene e a Sudam foram extintas. E, mais recentemente, voltaram ao cenário brasileiro.

Neto (2007) espera que tal retorno, também, seja acompanhado com a volta da tentativa de reorganizar o planejamento regional para as regiões citadas. Há um cenário favorável para o retorno das políticas de desenvolvimento regional, principalmente, devido à descrença na política neoliberal implementada no País, desde a década de 1990. Este cenário favorável estaria ancorado em três pilares: primeiro, o arremedo de políticas supostamente benéficas propostas pelo Consenso de Washington, de forte liberalização financeira e comercial, cujo efeito foi o inverso: houve um desvirtuamento na trajetória de longo prazo do crescimento do País e de suas economias regionais. Ao contrário, desde a década de 1960, quando as políticas regionais foram implementadas pelo Estado, foi percebido de modo articulado e explícito, o crescimento do PIB per capita nas regiões menos desenvolvidas (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), que apresentaram ímpeto na média. Já na fase neoliberal (1990 a 2002) houve um decréscimo considerável no crescimento dessas mesmas regiões. A segunda razão é que a redução das desigualdades do PIB per capita entre estados observada durante o período do planejamento regional, também sofreu uma involução durante o período neoliberal. Por último, o regime neoliberal mostrou tendências inequívocas à reconcentração produtiva no eixo Sul-Sudeste, principalmente os investimentos originados no setor privado.

Ora, numa economia aberta para o mundo, é fato que o capital vai buscar aqueles locais onde melhor lhe convier, isto é, onde o lucro seja garantido.

Desse modo, os três motivos apresentados permitem afirmar que, nem todas as lacunas deixadas pela saída do Estado de diversos setores da economia não foram ocupadas pelo setor privado. Somente aquelas com expectativa de lucro foram disputadas.

No que diz respeito ao planejamento regional, Neto (2007) afirma que a não existência de um sistema de coordenação dos investimentos privados e públicos fez conter um processo virtuoso de redução das disparidades que estavam em andamento. Ainda para o mesmo autor, o crescimento deve ser buscado obsessivamente, não permanecendo apenas na estabilidade macroeconômica. Para tanto, é necessário o retorno e o acionamento de instituições governamentais que busquem o planejamento e a coordenação das políticas regionais. O retorno da Sudene e da Sudam parecem ser um sinal. E juntamente com a implementação da PNDR e a PNOT, em fase de estudos, tendem a impulsionar a volta aos trilhos da política do desenvolvimento regional no Brasil.

Portanto, caberia ao Estado cumprir seu papel, também, na Amazônia, principalmente no que diz respeito da presença e defesa territorial.

Kowarick (1995) destaca que é fato o Estado estar materializado na região por intermédio de grandes projetos de exploração e ocupação (Projeto Grande Carajás, Projeto

Jari, grandes hidroelétricas, rodovias, empreendimentos apoiados pela Suframa; Institutos de Pesquisas, presença das Forças Armadas, um dos poucos braços permanentes do Estado na região de fronteira, Programa Calha Norte e o recém criado Projeto Sivam). Uma análise mais detalhada de algumas dessas ações estatais na região pode oferecer pistas para nossos questionamentos. Porém, a presente pesquisa não tenciona abordar todos os projetos aqui elencados, mas, somente, aqueles que melhor servirem para os objetivos propostos no presente trabalho.

A atuação por parte do Estado Nacional, na Amazônia brasileira, é realizada por vários atores. Porém, o ator estatal mais presente na região é aquele representado pelas Forças Armadas, mais precisamente o Exército Brasileiro por intermédios de suas unidades militares e, principalmente, pela presença dos pelotões de fronteira, verdadeiros pontos imersos na vastidão verde.

Não obstante, são as Forças Armadas brasileiras uma das instituições com maior credibilidade junto à nossa sociedade, conforme demonstra o quadro abaixo:

CONFIANÇA E CREDIBILIDADE ÉTICA E TRANSPARÊNCIA

Os piores Os melhores Os piores Os melhores

Partidos Políticos 82% Forças Armadas 73% Partidos Políticos 81% Igreja 57% Governo Federal 58% Igreja 62% Congresso 72% Imprensa 48% Congresso 35% Imprensa 54% Governo Federal 62% Forças Armadas 41%

(em % de “ruim”) (% de “bom e excelente”) (em % de “ruim”) (% de “bom e excelente”)

Figura 1 – Pesquisa de Opinião.

Os dados da pesquisa podem sugerir duas realidades: primeira, as Forças Armadas, mesmo sendo alvo de severas criticas de determinados segmentos da sociedade ostenta um elevado grau de confiabilidade; o que provoca esta confiança não está deveras analisada. Segunda realidade, demonstra que as organizações oficiais que deveriam construir as linhas mestras para o projeto de Nação, simplesmente, apresentam os piores índices em quaisquer dos quesitos. Ainda a respeito da imagem de determinados segmentos sociais, Sá (in Sá, 2007, p.14) assevera que “não há um só dia em que não se estampe nos jornais o envolvimento de alguns agentes do executivo, legislativo e judiciário em falcatruas, em irregularidades”. Este fato, por si só, pode dar pistas para uma boa explicação acerca da situação vivida pelo País ao longo de sua história.

Enfim, sendo as Forças Armadas, a instituição de presença mais efetiva na Amazônia, graças em parte à cadeia de comando, à sua capilaridade e à estrutura logística, carece de uma

análise mais aprofundada de sua estrutura e funcionalidade. Para tanto, analisamos o Exército Brasileiro.