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ESTADO-NAÇÃO E GEOESTRATÉGIAS

3. A geoestratégia nacional da Borracha e seu rebatimento na territorialidade Amazônica

A criação da Província do Amazonas, sediada na Barra do Rio Negro - futuramente designada Manaus (1856) - apartada daquela que até então unificava a Amazônia brasileira a Província do Grão-Pará e Rio Negro, já refletia a importância pelo crescimento da economia regional baseada no extrativismo, sobretudo, da Hevea brasiliensis.

Para Ribeiro (2007) este ciclo foi responsável pela consolidação da ocupação econômica da Amazônia; pela guerra na anexação do Acre; pelos trágicos acontecimentos na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; e pelo significado da borracha para a viabilização da indústria automobilística. No entanto, em termos sociais seus efeitos foram perversos para o sertanejo: “diante da floresta amazônica, ao chegar era apelidado de ‘brabo’, para indicar que tinha de ser ‘domado’ pela prática do extrativismo”, sentencia Ribeiro (2007, p.144) ao se referir ao nordestino.

O Estado, por pressão dos países desenvolvidos, “abriu” o rio Amazonas à navegação internacional, em 1866. Pouco tempo depois, os rios Tocantins, Tapajós e Negro também são liberados à navegação. Essa flexibilização dinamizou tremendamente as estruturas econômicas na região.

No entanto, preocupado com o acesso aos territórios da borracha, o governo brasileiro firmou com a Bolívia o Tratado de Ayacucho19 (1867). Desse, restou, ainda, demarcar os limites até as cabeceiras do rio Javari, o que não foi possível porque ainda não se sabia a localização exata das nascentes, conforme Ribeiro (2006). E a própria Bolívia acabou por se envolver num conflito com o Chile na Guerra do Pacífico. Além disso, relata Ribeiro (2006, p.129) que “uma frente pioneira, oriunda do Brasil, havia chegado aos altos rios formadores do Purus e Juruá, para exploração da borracha”. Esses acontecimentos fizeram eclodir a Questão do Acre, cuja exploração da borracha foi o pano de fundo.

Mas essa progressão para o oeste também serviu aos interesses do Estado, visto que fez brotar inúmeros povoados e vilas ao longo das calhas dos rios, principalmente onde a seringueira era mais abundante. Mas esse mesmo Estado atuou de forma dúbia, agindo mesmo contra os interesses nacionais. Passados alguns anos, Ribeiro afirma que,

entendimentos provocaram a assinatura de um Protocolo que estabelecia o reinício das demarcações de fronteiras, o que implicava praticamente reconhecer que a área

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Esse tratado permitiu a demarcação dos limites no trecho que correspondia integralmente ao Estado do Mato Grosso e grande parte do que é hoje o Estado de Rondônia, chegando até as confluências dos rios Mamoré e Beni, formadores do rio Madeira. (Ribeiro, 2007).

em que os brasileiros exploravam a borracha era boliviana, por força do Tratado de Ayacucho, Ribeiro (2006, p.129).

E também a respeito da Questão do Acre, Miranda (2005, p.42) assegura que depois que Plácido de Castro, criou o Estado Independente do Acre, delegando sua administração a Dom Luiz Galvez, uma flotilha expulsou-o, sendo a posse do território retribuído aos bolivianos pelo próprio Governo brasileiro. Foi nesse contexto que surgiu o Bolivian

Syndicate, idealizado para explorar a região gumífera por companhias inglesas e norte-

americanas, mediante concessão do Governo boliviano. Os brasileiros que ocupavam a região o próprio não aceitaram tal possibilidade. A presença do Barão do Rio Branco, proibindo o trânsito pelos rios brasileiros no sentido da Bolívia, provocou protestos de vários países. O imbróglio somente foi resolvido com a assinatura do Tratado de Petrópolis em 1903. Neste, o Estado ficou obrigado, entre outras coisas, de garantir a livre navegação, por parte de barcos bolivianos no rio Amazonas e construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré.

As dificuldades de progressão da navegação pelo rio Madeira deram margem ao plano de criar a ferrovia Madeira-Mamoré, cogitada desde 1861. Entregue sua construção a uma companhia inglesa, esta cancelou o acordo alegando não haver sido informada sobre as reais condições sanitárias da região. Em verdade a região era (ainda é) muito atacada por doenças, notadamente a malária. Desse modo, a ferrovia não logrou êxito e acabou sendo abandonada por seu pouco uso.

A borracha também atraiu migrantes de diversas partes do Brasil. Assim, um grande fluxo de gente sem terra, principalmente, nordestinos, passaram a procurar o “El-Dorado” da borracha. Sobretudo, a seca de 1877, respondeu pela ida de numerosas levas de nordestinos para os seringais amazônicos. O tipo de trabalho realizado naquela extração nativa, além de penoso era acrescido pelas cruéis relações de produção entre seringalistas (donos dos seringais) e seringueiros coletores.

Em 1892, assinala-se uma grande alta no preço daquele produto, explicando a euforia na região que culmina com a construção do magnífico “Teatro Amazonas”, inaugurado em 1896. Esse imponente teatro de ópera, inaugurado na cidade de Manaus, é o símbolo do apogeu do ciclo da borracha na região amazônica. A magnificência do monumento custou alguns milhões de dólares. Contraditoriamente, o ano da inauguração do teatro coincide com o início da questão de Canudos, no sertão da Bahia e com a fundação da Academia Brasileira de Letras (1897), no Rio de Janeiro, e, desse modo, foi-se formando o Estado nacional.

Além de Manaus, surgiu na Amazônia outro centro de relevância, Belém. Essas duas grandes metrópoles passam a irradiar seus poderes adquirindo razoável projeção como centros, sem, no entanto, tornarem-se core area, ou seja, centros inovadores. Esses dois ‘pontos luminosos’ importaram padrões europeus: “telefone, luz elétrica, cabo submarino, bondes elétricos e a música erudita, foram prontamente levadas para a Amazônia”, como afirma Miranda (2005, p.40), o que provocou profundas alterações espaciais. Evidente que o destino final de todos esses equipamentos (modernos) era somente os dois grandes centros. Assim, ao mesmo tempo em que surgiram dois pontos luminosos na Amazônia (Belém e Manaus), o restante da mesma permaneceu opaco, periférica.

Estagnados, os demais espaços da Amazônia, apenas canalizaram seus recursos para os centros. As inovações oriundas do Velho Continente não se difundiram pelo sistema espacial. Esse momento polarizado da economia amazônica pode ser entendido quando Becker explica que:

As economias em estágio inicial de industrialização, em que o desenvolvimento é concentrado em uma ou duas cidades para onde fluem os recursos da periferia, caracterizam-se uma estrutura polarizada, um padrão de desequilíbrio estrutural, Becker (1982, p.16).

Quanto ao fluxo de imigrantes, este permanece concentrado no Sudeste. Na Amazônia, malgrado os esforços para fomentar a agricultura e receber também imigrantes estrangeiros, eles não se dirigem de modo significativo àquela região, que continua a receber contingentes de nordestinos. Miranda (2007) afirma que entre 1896 e 1900, no Estado do Pará, entraram apenas cerca de treze mil imigrantes europeus, em sua maioria portugueses, voltados para o comércio na cidade de Belém. Ali se inicia, também, a publicação do “Boletim do Museu Paraense” (futuro Emílio Göeldi).

O início do século XX registra nova alta no preço da borracha. No ano de 1910, considerado o ponto culminante do “boom” da borracha, chega-se ao exato momento da sua queda. É o início da derrocada econômica do efêmero ciclo da borracha, 34 anos após a proeza (roubo?) de Henry Alexander Wickham.

No início do século XX vê-se o mundo abalado com a Primeira Grande Guerra, enquanto o Brasil, além do problema da borracha, enfrenta a primeira crise do café. Mas a borracha vai experimentar um novo ciclo, novamente impulsionado por fatores externos e internos.

O Brasil já estava quase conseguindo superar a crise econômica da Bolsa de Nova Iorque. Mas, a Segunda Guerra Mundial trouxe uma série de problemas para o País, “interrompendo os fluxos de exportações dos nossos produtos e de importação dos produtos estrangeiros” (ANDRADE, 2003, p.173). O conflito também estimulou as atividades voltadas para o mercado externo, como a exploração de xilita e da mica no Nordeste e da borracha na Amazônia.

Se por um lado, a Segunda Guerra Mundial desfalcou os “aliados” das plantações e apropriação da borracha natural da Ásia, por outro, a seca de 1942 “obrigou” novos fluxos de deslocamentos de nordestinos para os seringais amazônicos. Esses dois fatores fizeram surgir o que foi chamado a “Batalha da Borracha”. Eis uma nova estratégia nacional, impulsionada por atores externos, que visava atingir dois objetivos: contribuir no esforço de guerra dos aliados e reduzir a pressão demográfica no Nordeste brasileiro aliado com a integração da Amazônia ao restante do País. Este novo ciclo da borracha não foi tão expressivo quanto o primeiro, mas serviu para dar início ao processo de integração do território, o que ia de encontro aos interesses do Estado.

As estratégias da borracha, tanto nacionais quanto internacionais tiveram relevante papel no processo de formação do Estado nacional. A necessidade de integrar a Amazônia ao espaço nacional foi conduzida, seguindo diversos condicionantes, ora de interesse do mercado, ora do interesse do Estado (segurança nacional).

Após o segundo ciclo da borracha a Amazônia voltou a adormecer, só retornando ao cenário nacional com o advento do Estado planejador que tentará, definitivamente, integrá-la. Essa tentativa de integração dar-se-á por intermédio de novas estratégias do Estado e também do mercado. É um novo processo postulado por atores já conhecidos e outros recém chegados. Novas problemáticas relacionais na dinâmica territorial amazônica serão modeladas pelo fluxo de informação e energia.

C A P Í T U L O IV

PLANEJAMENTO NO BRASIL E NOVAS ESTRATÉGIAS DO ESTADO E DO