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TERRITORIALIDADE AMAZÔNIA E GLOBALIZAÇÃO O 5º PELOTÃO ESPECIAL DE FRONTEIRA: VETOR ESTATAL NA CABEÇA DO CACHORRO

6. O que é São Gabriel da Cachoeira?

São Gabriel da Cachoeira, hoje, é uma pujante cidade no Alto Rio Negro. A sede desse município está distante da capital Manaus, cerca de 850 km. É um dos maiores municípios brasileiros em extensão territorial (cerca de 112.255km2 , o equivalente a 7,1% do total do Estado do Amazonas).

O município está situado a 90 metros de altitude acima do nível do mar, à margem esquerda do rio Negro. A sede desse município está distante da capital Manaus, cerca de 850 km. O acesso é realizado por via aérea ou marítima, não existindo estruturas rodoviária ou ferroviária.

Declarada como a última fronteira do noroeste da Amazônia, o município limita-se ao norte com as Repúblicas da Colômbia e da Venezuela e ao sul com os municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Japurá. Além da sede, destacam-se os seguintes distritos: Cucuí (oriundo de uma fortificação militar), Iauaretê, Içana, Pari-Cachoeira, Maturacá, Taracuá e Querari, além de mais de 600 comunidades indígenas espalhadas nas calhas dos rios, segundo Alves (2007). São Gabriel da Cachoeira é, acima de tudo, um território onde ainda há uma predominância da natureza sobre o homem.

Dados do IBGE (2002) atestam a existência de, aproximadamente, 30 mil habitantes (12.000 habitantes urbanos e 18.000 rurais). Com 80% das terras indígenas demarcadas e regularizadas, detém a maior população indígena do País, mais de 73% da população do município tem origem em uma das inúmeras etnias. Não obstante, a densidade demográfica é baixíssima, beirando 0,5 hab/km2.

Oficialmente, o município possui três línguas, além do português: o nheengatu, o baniva e o tucano. Este fato denota uma série de conseqüências advindas. O município deverá sofrer uma série de adaptações para fazer cumprir esta norma lingüística, desde as alterações nos cardápios dos restaurantes até na elaboração de provas para concursos públicos que deverão atender às quatro línguas. Ou seja, todo o território de São Gabriel da Cachoeira, inclusive os PEF deverão adaptar-se a essa nova realidade lingüística. É um novo condicionante a ser levado em consideração na solução dos problemas municipais.

No Brasil ainda temos pedaços da crosta terrestre que foram utilizados por grupos humanos para desenvolver sua base material nos primórdios da história. Essa região está localizada na ‘Amazônia Ocidental’ (Becker, 2006), caracterizada como aquela que ainda não foi afetada por eixos de integração e desenvolvimento, conforme afirma a mesma autora. De certo, para quem chega à Cabeça do Cachorro tem-se a impressão que o tempo parou mesmo. É uma região marcada pelos tempos lentos da natureza, tempo esse que ainda comanda as

ações humanas (Santos, 2003), brancos ou indígenas. O domínio da natureza ainda é flagrante. O que a torna diferenciada é exatamente a presença desse meio natural, conjuntamente ao meio técnico, e, atualmente, agregando vetores do meio técnico-científico- informacional, no dizer de Milton Santos. E essa peculiaridade faz da região, aliado ao seu posicionamento, um local estratégico, um ponto de controlo utilizado pelo Estado.

Mas, um olhar em escala local, dos indicadores sócio-econômicos pode revelar processos e movimentos interessantes.

Para tanto, a elaboração do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil pela Fundação João Pinheiro, Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que teve por objetivo principal disponibilizar aos mais diversos usuários um poderoso instrumental de análise que lhes possibilite conhecer em profundidade diversos aspectos da realidade socioeconômica dos municípios e unidades da Federação, servirá de base das realidades sócio-econômicas gabrielenses.

O Atlas contém um conjunto de indicadores sobre todos os municípios brasileiros, para os anos de 1991 e de 2000, obtidos a partir dos questionários dos censos demográficos do IBGE. Para o ano de 1991, reproduz-se a malha municipal do ano de 2000, de forma a assegurar a comparabilidade dos dados tanto espacial (entre os municípios) quanto temporalmente (entre 1991 e 2000). São 125 indicadores para os dois anos considerados, agrupados nos seguintes temas: Demografia, Educação, Renda, Habitação, Vulnerabilidade e População. O Atlas apresenta também o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) e os subíndices que o constituem, referentes às dimensões educação, longevidade e renda.

Segundo dados de 2000, a unidade da Federação com o mais alto nível de IDH-M é o Distrito Federal, com 0,844, o que o classifica como de alto desenvolvimento humano. O de mais baixo nível é o Maranhão, com 0,636 – portanto, na categoria de médio-médio desenvolvimento humano. O Amazonas, com IDH de 0,713, está em 16º lugar entre os estados brasileiros, posicionando-se na categoria de médio-alto desenvolvimento humano. Dos 5 municípios do País que tiveram decrescimento no IDHM entre 1991 e 2000, 3 são do Amazonas: Uarini, cujo IDH-M passou de 0,611 para 0,599; Silves, de 0,684 para 0,675; e São Sebastião do Uatumã, de 0,661 para 0,659.

O mapa abaixo mostra que, em 2000, somente dois municípios (cor mais escura) amazonenses permanecem com IDH abaixo de 0,500:

Figura 6 – IDH no Amazonas. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

Sendo parte integrante da Microrregião do Rio Negro, o IDH-M de São Gabriel da Cachoeira cresceu 10,69%, passando de 0,608 em 1991 para 0,673 em 2000. Comparativamente, se mantivesse esta taxa de crescimento do IDH-M, o município levaria, segundo o Atlas, 11,9 anos para alcançar Manaus (AM), o município com o melhor IDH-M do Estado (0,774). Segundo a classificação do PNUD, o município está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). Em relação aos outros municípios do Brasil, São Gabriel da Cachoeira apresenta uma situação intermediária: ocupa a 3398ª posição, sendo que 3397 municípios (61,7%) estão em situação melhor e 2109 municípios (38,3%) estão em situação pior ou igual.

Em relação aos outros municípios do Estado, São Gabriel da Cachoeira apresenta uma situação boa: ocupa a 14ª posição, sendo que 13 municípios (21,0%) estão em situação melhor e 48 municípios (79,0%) estão em situação pior ou igual. No período 1991-2000, a população de São Gabriel da Cachoeira teve uma taxa média de crescimento anual de 3,02%, passando de 23.140 em 1991 para 29.947 em 2000. A taxa de urbanização cresceu 39,88, passando de 29,54% em 1991 para 41,32% em 2000. Em 2000, a população do município representava 1,06% da população do Estado, e 0,02% da população do País.

O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, ano 2000, mostra um quadro onde a taxa de urbanização pode ser considerada alta (41,32%), ainda mais pelo simples fato da sede não possuir infra-estrutura para tal contingente populacional.

População por Situação de Domicílio, 1991 e 2000 1991 2000 População Total 23.140 29.947 Urbana 6.835 12.373 Rural 16.305 17.574 Taxa de Urbanização 29,54% 41,32%

Figura 7. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

O centro já dá indícios de sofrer um processo de verticalização, um tanto, tímido, é verdade. Enquanto na periferia ocorre uma expansão das áreas degradadas. Ou seja, a cidade experimenta um processo de produção que está arrasando a sociabilidade. A cidade de São Gabriel da Cachoeira como local de encontro, reunião e possibilidade de acontecimentos está deixando de existir. É um processo lento, mas permanente.

No ano 2000, a taxa de mortalidade infantil do município diminuiu de 56,25 (por mil nascidos vivos) em 1991 para 34,20 (por mil nascidos vivos), e a esperança de vida ao nascer estava em 68,60 anos em 2000.

Indicadores de Longevidade, Mortalidade e Fecundidade, 1991 e 2000

1991 2000

Mortalidade até 1 ano de idade (por 1000 nascidos vivos) 56,3 34,2

Esperança de vida ao nascer (anos) 61,7 68,6

Taxa de Fecundidade Total (filhos por mulher) 5,3 3,2

Figura 8. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

O analfabetismo ainda é um fator negativo, pois se mantém em níveis elevados (34% da população). Assim como também houve uma pequena redução no percentual de indivíduos com menos de quatro anos de estudos e com menos de oito anos. Em conseqüência, a média de anos de estudo no município oscilou de 3,0 para 3,9 anos por indivíduo.

Nível Educacional da População Adulta (25 anos ou mais), 1991 e 2000

1991 2000

Taxa de analfabetismo 37,3 34,0

% com menos de 4 anos de estudo 62,4 52,1

% com menos de 8 anos de estudo 86,9 78,8

Média de anos de estudo 3,0 3,9

Figura 9: Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

A renda per capita média pode ser considerada baixa (R$106,00), se comparada com a media nacional; enquanto o índice de pobreza tem se elevado ao longo dos anos (62% em 1991 e 69% em 2000). Somente um quarto da população tem água encanada, metade tem energia elétrica e 70% da população é assistida pela coleta de lixo urbano.

Indicadores de Renda e Pobreza, 1991 e 2000

1991 2000

Renda per capita Média (R$ de 2000) 116,8 106,6

Proporção de Pobres (%) 62,3 69,1

Figura 10. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

Talvez como conseqüência do quadro acima mencionado, os indicadores de renda e pobreza demonstrem um quadro negativo comparando os dois períodos abordados. A renda e a proporção de pobres cai consideravelmente, enquanto que a concentração de renda cada vez mais preponderante, onde os 20% mais ricos se apoderam de mais de 80% da renda.

Porcentagem da Renda Apropriada por Extratos da População, 1991 e 2000

1991 2000 20% mais pobres 2,5 0,0 40% mais pobres 8,5 0,0 60% mais pobres 17,4 2,1 80% mais pobres 32,5 17,4 20% mais ricos 67,5 82,6

Figura 11. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

Somente um quarto da população tem água encanada, metade tem energia elétrica e 70% da população é assistida pela coleta de lixo urbano.

Acesso a Serviços Básicos, 1991 e 2000

1991 2000

Água Encanada 14,9 25,2

Energia Elétrica 37,8 51,1

Coleta de Lixo, somente domicílios urbanos 34,9 70,2

Figura 12. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.

O acesso a bens de consumo também é baixo: em 2000, 35% da população possuía geladeira; 40%, televisão; 10%, linha telefônica; e menos de 2% da população, possuíam computador. Nota-se a importância maior dada a um equipamento de lazer (televisão) do que a um equipamento de primeira necessidade (geladeira) pela sua destinação.

Acesso a Bens de Consumo, 1991 e 2000

1991 2000 Geladeira 14,4 34,9 Televisão 19,0 40,3 Telefone 5,1 9,1 Computador ND 1,9 ND = não disponível

Assim, analisando superficialmente esse aspecto da realidade por intermédio do consumo de energia elétrica, dos equipamentos domésticos, do equipamento telefônico, o território é revelador as diferenças mais agudas das condições de vida da população de São Gabriel da Cachoeira. Os vetores da globalização presentes no município forjam-lhe ares urbanos. O que, por sua vez, traz consigo valores e modos de viver que a cidade morena ainda não conhecia. Os índices de suicídios e o consumo de álcool entre os moradores da cidade podem ser sinais deste processo de urbanização conturbado, sem planejamento e com a parcimônia do Estado.

Acrescenta-se ao quadro acima que, na região, praticamente, não existe trabalho remunerado, além disso, “as aposentadorias são raras e os programas federais de distribuição de renda não chegam até eles” (Ibid p.13). Uma das exceções deste cenário são os militares, cuja contribuição na vida econômica da cidade é sentida. É um efetivo de, aproximadamente, 1500 militares contribuindo para a economia, ao mesmo tempo, servindo de vetores da modernidade, o que não os isenta de conflitos com os indígenas.