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CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4. A gestão participativa sob a ótica da percepção ambiental

Os impactos das práticas participativas na gestão, apesar de controversos, apontam para uma nova qualidade de cidadania, que institui o cidadão como criador de direitos para abrir novos espaços de participação sociopolítica. São muitas as barreiras que precisam ser superadas para multiplicar iniciativas de gestão que articulem eficazmente a democracia com a crescente complexidade dos temas.

A reflexão em torno da gestão participativa centra-se no fortalecimento do espaço público e na abertura da gestão pública para a participação da sociedade civil, visando à elaboração de suas políticas públicas, e na sempre complexa e contraditória institucionalização de práticas participativas inovadoras que marcam rupturas com a dinâmica predominante, ultrapassando ações de caráter utilitarista e clientelista (JACOBI e FRACALANZA, 2005).

Flores e Misoczky (2008), em seu estudo discutem sobre o processo participativo em Comitês, eles verificam a existência da participação em grupos e organizações que representam a sociedade civil, bem como uma efetiva influência dos mesmos nas decisões do Comitê, o que pode ser observado também com os usuários da água.

Arnstein (1998) apud Flores e Misoczky (2008) trabalham com a escala de participação cidadã, estabelecida através de degraus, onde os primeiros (manipulação e terapia) não existe a participação; os três degraus seguintes (informação, consulta e pacificação) sugerem níveis em que acontece uma “política do menor esforço”; a partir, do sexto degrau (parceria) ocorre o empoderamento do cidadão (Quadro 2.2).

Escada da Participação Cidadã 8. Controle pelo cidadão

Cidadãos responsáveis pelo planejamento, pela política, assumindo a gestão em sua totalidade, sem intermediários.

7. Delegação de poder

Cidadãos ocupando a maioria dos assentos nos Comitês, com poder delegado para tomar decisões. Nesse caso o público tem poder para assegurar as contas do programa para si.

6. Parceria

Poder distribuído por uma negociação entre cidadãos e detentores do poder. O planejamento e as decisões são divididos pelos Comitês.

5. Pacificação

O cidadão começa a ter um certo grau de influência nas decisões, podendo participar dos processos de tomada de decisão, entretanto, não existe a obrigação dos tomadores de decisão de levar em conta o que ouviram.

4. Consulta

Caracterizado por pesquisas de participação, reuniões de vizinhança etc. Segundo os autores, serve somente como fachada, não possui muita implicação prática.

3. Informação

Informar as pessoas sobre seus direitos, responsabilidades e opções. Entretanto, trata-se de um fluxo de informação somente de cima para baixo.

2. Terapia

Os técnicos de órgãos públicos se escondem atrás de Conselhos e Comitês participativos para não assumir erros cometidos por eles e diluir a responsabilidade.

1. Manipulação

Tem como objetivo permitir que os atores sociais que conduzem o processo possam educar as pessoas. Manifesta-se em conselhos onde os conselheiros não dispõem de informações, conhecimento e assessoria técnica independente necessária para tomar decisões por conta própria.

Demo (2001) considerado como um dos autores brasileiros mais preocupados com o tema da participação na perspectiva da emancipação, antídoto contra a tendência histórica de dominação e exclusão social que caracteriza nossa sociedade, discute sobre a pobreza política dizendo que:

Colocar a questão da pobreza política será estranho para muitos, porque somente reconhecemos nela o eco material. Pobre é o faminto. É quem habita mal ou não tem onde habitar. É quem não tem emprego ou recebe remuneração abaixo dos limites da sobrevivência.

Não estamos habituados a considerar como pobre a pessoa privada de sua cidadania, ou seja, que vive em estado de manipulação, ou destituída da consciência de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos. O escravo incorpora com nitidez as duas formas de pobreza: é pobre materialmente, porque não tem liberdade para se auto-determinar (DEMO, 2001, p. 09).

Neste trecho o autor acima explica sobre a pobreza política no sentido de demonstrar o processo de conquista e organização da cidadania. Não ter e não ser, as duas formas de pobreza, há quem tenha muito, e não é nada, como há quem seja muito, sem nada ter. Prosseguindo com o autor, a participação é conquistada, no processo histórico, juntamente com as condições de autodeterminação, que não podem ser dadas, outorgadas ou impostas. Uma participação atribuída representa, para esse autor, um conceito paternalista que, no fundo, representa uma “antiparticipação”.

Teixeira (2007) trabalha a participação a partir de quatro dimensões:

Participação no processo de tomada de decisão – se refere à tomada de decisões no Estado e como isso acontece, ao sujeito e ao processo decisório. Quanto ao sujeito, define quem são os atores por elites tecnicamente preparadas e selecionadas via processo eleitoral ou cidadãos, de forma direta ou por mecanismo que permita sua expressão e deliberação. Quanto ao processo, é verificado se a seleção implica apenas na escolha dos decisores, delegando a eles total liberdade de ação, ou se é mais objetiva envolvendo critérios e elementos de decisão.

Dimensão educativa e integrativa do processo de participação – a capacitação para a participação política é gerada pela própria prática ou experiências pessoais rotineiras em que se adquirem habilidades e procedimentos democráticos. Trata-se do tipo de participação dos movimentos sociais, ONGs e grupos de cidadãos, capaz de sedimentar um sentimento maior de identidade e integração.

Participação como controle público - a participação é um instrumento de controle do Estado pela sociedade, esse entendimento de controle público tem dois aspectos básicos: o

primeiro corresponde à accountability, ou seja, a prestação de contas conforme parâmetros estabelecidos socialmente em espaços públicos próprios; o segundo, decorrente do primeiro, consiste na responsabilização dos agentes políticos pelos atos praticados em nome da sociedade, conforme os procedimentos estabelecidos nas leis e padrões éticos vigentes. O exercício desse controle requer a organização, estruturação e capacitação da sociedade civil em múltiplos espaços públicos, antes e durante a implementação das políticas, tendo como parâmetros variáveis técnicas, exigências de eqüidade social e aspectos normativos.

Dimensão expressivo-simbólica da participação - essa dimensão aborda formas de participação que não se voltam para o institucional, embora suas ações possam ter desdobramentos e impactos nesse âmbito. Os mecanismos de participação utilizados para esse fim são específicos e diversificados, muitos resultantes da criatividade e da não-submissão aos padrões estabelecidos, indo de forma leve e lúdica, como o abraço de milhares de pessoas em um local que se quer preservar, às mais agressivas, como o fechamento de uma rua, uma greve de fome, protestos, entre outros (TEIXEIRA, 2007).

Todos os argumentos expostos acima discutem sobre as formas de participação, sejam elas ocorridas na sociedade civil organizada, em conselhos gestores ou mesmo em Comitês de Bacia Hidrográfica, explanando como acontece, a realização de críticas referente ao modo de participação para a manipulação da sociedade civil, enfim alguns aspectos que esclarecem como o termo participação tem sido utilizado ultimamente.

Retomando o foco na participação nos Comitês de Bacia Hidrográfica, Magalhães Jr. (2001) argumenta que:

Como organismos de gestão das águas nos quais a democracia representativa vem auxiliar o rompimento de décadas de gestão estatal centralizada (refletindo igualmente o histórico do sistema político do país), os Comitês não podem perpetuar vestígios do sistema que eles visam justamente combater e inovar. Sabendo-se que nem todo consenso é democrático, e que nem toda decisão é justa, cabe, portanto, aos Comitês realizar continuamente um trabalho de preparação, educação e informação de seus integrantes, que evite ou minimize problemas derivados do desequilíbrio de forças internas, como arranjos locais ou setoriais que possam defender interesses próprios acima do interesse comum de melhoria da qualidade ambiental das Bacias e, conseqüentemente, da qualidade de vida dos cidadãos (MAGALHÃES JR. 2001, p. 04).

O funcionamento dos Comitês geralmente se realiza com base em discussões e decisões objetivas (considerando o tempo necessário para a análise e discussão das complexas questões que envolvem a gestão das águas de uma Bacia), a referida preparação e informação dos representantes deve se realizar nas reuniões preparatórias para as reuniões principais, nas quais ocorrem os votos e deliberações (MAGALHÃES JR. 2001).

Os riscos e desafios que os Comitês de Bacia Hidrográfica têm passado para a adequação da gestão participativa como forma de inserção da sociedade civil ilustra a necessidade de atenção ao processo decisório, cujas raízes e consolidação de princípios devem ser bem preparados e instalados, a fim de evitar o surgimento e possível agravamento das referidas "deformações" internas, como dito, o controle das informações é a garantia do poder das decisões.

Neste contexto da inserção e horizontalização do conhecimento frente às discussões e deficiências encontradas na gestão participativa em Comitê de Bacia, onde são representados sociedade civil, usuários e poder público federal e estadual. Consideramos o indivíduo como sujeito e objeto do conhecimento, percebendo, reagindo e respondendo diferentemente às ações sobre o ambiente em que vive. As respostas ou manifestações daí decorrentes são resultado das percepções (individuais e coletivas), dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada pessoa.

Whyte (1977, p. 02) faz o seguinte questionamento: “How does man, as an individual or as part of a particular cultural group, perceive his environment”? Respondendo ao questionamento diz que:

This question should be a fundamental consideration in all attempts to understand the complex interrelationships between man and the biosphere. Man's decisions and actions concerning his environment are based not only on objective factors, but also on subjective ones: this is the underlying principle of environmental perception research (WHYTE, 1978, p. 06).

Este argumento de Whyte (1978) é uma consideração fundamental para a compreensão das relações entre o ser humano e a biosfera, sendo que as decisões e ações antrópicas relativas ao seu ambiente são baseadas em fatores objetivos e subjetivos, como relata, este é o princípio fundamental da investigação da percepção ambiental. Jesus (1993) diz que a análise da percepção ambiental nos estudos das relações entre ser humano-ambiente é muito importante, uma vez que contribui para a busca de uma relação harmônica dos conhecimentos locais, do interior (ponto de vista de um indivíduo, uma coletividade, ou mesmo de uma população no seu conjunto), com o conhecimento do exterior (abordagem científica tradicional) enquanto instrumento educativo e agente de transformação.

Jesus (1993) diz que projetos de pesquisa que tratem das relações ser humano-biosfera e gerenciamento de ecossistemas, devem incluir os estudos sobre percepção como parte integrante da abordagem interdisciplinar que estes projetos exigem.

Um estudo de percepção entre o ser humano e o meio ambiente reconhece que para cada elemento há uma relação entre a biosfera, estes muitos elementos percebidos estão relacionados a uma compreensão de formas, lugares e épocas diferentes a cada pessoa. O homem toma decisões e pratica ações, com a visão dos seus elementos percebidos, mas do que qualquer “conjunto de objetivos”. Dentro de uma determinada estrutura ou cultura, o conhecimento científico diário também pode ser visto como mais formal e define o rigor dos elementos relacionados à percepção ambiental (WHYTE, 1978).

Um objetivo importante da pesquisa baseada na percepção ambiental é fornecer uma compreensão sistemática e científica observando de dentro para fora, a fim de complementar a mais tradicional e externa abordagem científica. A vista do interior pode ser de um indivíduo, de uma comunidade local, ou mesmo de toda uma população rural. A escala é menos importante do que a relação entre os de dentro, e os tradicionalmente, no exterior. A vista de dentro é caracterizada pela familiaridade de longa experiência, freqüentemente associada à incapacidade de mudanças rápidas, é visto como personalizada e subjetiva. Em comparação, a visão exterior associa-se com o desenvolvimento, ação e objetividade contra a tradição interna e resistência a mudanças rápidas (WHYTE, 1978).

Dentro deste contexto citado acima Maroti e Santos (2004) trabalham a história oral para analisar a percepção ambiental de antigos trabalhadores da Fazenda Jatahy, neste estudo eles argumentam que:

[...] a adaptação de uma metodologia tradicionalmente usada na área das Ciências Humanas junto com a da percepção ambiental, mostraram-se apropriadas comprovando uma alternativa metodológica para a avaliação das mudanças de percepção topofílicas1 ao longo do tempo; para a elaboração de um Programa de Educação Ambiental junto a EEJ2; para o entendimento da dinâmica sucessional do cerrado, dando subsídios para os estudos específicos de fitofisionomia, regeneração e planejamento ambiental; para estimular estudos que façam registro histórico e cultural da população do entorno e no interior de unidades de conservação já criadas ou em vias de implantação, no sentido de estabelecer diálogos que possam minimizar/atenuar conflitos e para a valorização da cultura e da história popular local (MAROTI e SANTOS, 2004, p. 196).

1

Topofilia, segundo Tuan (1980) o termo é um neologismo útil quando pode ser definido em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material, ou seja, é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico.

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É entendido que a percepção ambiental deve estar atenta e centrada nas inúmeras diferenças relacionadas às percepções, aos valores existentes entre os indivíduos que compõem o cenário. Dessa forma, as diversas culturas, grupos sócio-econômicos, desigualdades e realidades irão influenciar diretamente na análise da percepção que se tem em relação à conservação do meio natural.

Gomes (2009) trabalha a percepção ambiental como percurso para a análise das relações cotidianas. Ela utilizou mapas mentais, entrevistas e observações em campo para o estudo da percepção ambiental. Tomando como base que:

[...] a forma mais comum de interação entre o ser humano e o mundo provém das sensações e percepções, assim é estabelecido o conhecimento sensível sobre tudo que está à sua volta. A subjetividade humana, isto é, esse mundo interno que possuímos e suas expressões, são constituídas nas relações sociais, ou seja, surge do contato entre os seres humanos e destes com a Natureza.

Já Wanderley e Menêzes (1996) trabalham com a percepção ambiental para o entendimento do Sertão brasileiro por meio de obras literárias de Ariano Suassuna, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, eles entrelaçaram corpos teóricos de percepção do meio ambiente, análise do discurso e uma visão socioantrópológica da identidade. Segundo os autores:

A metodologia de investigação empregada consolida a importância de estudos inter e transdisciplinares, oportunos neste momento de reflexão pela qual passa o conhecimento científico. Os resultados oferecem aos estudiosos do meio ambiente e da literatura novas perspectivas, a partir, das obras de Ariano Suassuna, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, além de ressaltar a importância do entendimento do Sertão para a construção da identidade nacional (WANDERLEY E MENÊZES, 1996, p. 173)

Para os autores acima, os conceitos de percepção do meio ambiente podem ser encarados como concepções que rompem e suplantam a visão da geografia clássica, onde o homem ficava separado da natureza e, conseqüentemente, a realidade era representada sob dois ângulos: paisagem natural e paisagem sociocultural.

Jesus (1993) trabalha com diferentes grupos sócio-culturais na Estação Ecológica de Jataí, descrevendo como eles percebem a estação ecológica sobre o olhar da percepção ambiental para o planejamento e gerenciamento de unidades de conservação. Para ela a percepção ambiental foi investigada em termos do reconhecimento da identidade, atribuição de significado e caracterização de estrutura e escolha de usos para a Estação Ecológica, como também escolha de usos para seu entorno, pelos grupos do entorno, dos funcionários, dos pescadores, dos pesquisadores e pelo administrador.

Em sua pesquisa Jesus (1993) utilizou como instrumentos de coleta de informações a técnica de entrevista não padronizada associada a teste gráfico do mapa mental e questionários de caracterização de sujeitos e grupos.

Como pode ser observado, são muitos os trabalhos que se utilizam da percepção ambiental como instrumento de análise e interpretação das relações inter e intrapessoais e com o meio ambiente. Os estudos de percepção ambiental têm demonstrado resultados satisfatórios e completos, levando em consideração que as interações entre ser humano e ambiente estão diretamente relacionados aos processos cognitivos, julgamentos, expectativas e conduta de cada indivíduo.

Para Tuan (1980), os significados de percepção, de atitudes e de valores se superpõem e se tornam claros no contexto expresso em cada um desses processos, a atitude assumida perante o mundo é formada por longa sucessão de percepções e de experiências.

A percepção ambiental perpassa por todo o nosso trabalho, onde os autores “relatam suas experiências” e reforçam sobre a necessidade de se estudar o subjetivo, o cognitivo e as interações entre ser humano e meio ambiente. E, a partir, desses estudos seja possível refutar ou não hipóteses, como também responder questionamentos que levaram a elaboração do estudo.

Para a construção do nosso trabalho foram utilizados como referências base os trabalhos de Whyte (1978) e Jesus (1993) que discutem sobre a utilização da percepção ambiental em trabalhos de gestão do meio ambiente. E desta forma, demonstra a necessidade de confronto harmônico entre os conhecimentos científico formal e o não convencional, com base na percepção das populações envolvidas, para a formulação de propostas de manejo de ambientes naturais sujeitos a pressões antrópicas.

CAPÍTULO 3