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CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2. Modelos de gestão dos recursos hídricos

No Brasil, apesar do país contar com a maior disponibilidade hídrica do mundo, por onde escoa cerca de 19% da água doce superficial do planeta, grande parte desses recursos encontra-se na Região Amazônica, onde reside pequena parcela da população e a demanda hídrica é muito baixa. No entanto, os locais mais críticos são onde há maior concentração populacional e menor disponibilidade hídrica, nesses, a contaminação e a superexploração dos corpos d’água são freqüentes, gerando prejuízos ao meio ambiente e ao ser humano, além de conflitos entre usuários da água. No Brasil, são várias as regiões que apresentam algum tipo de problema hídrico e, por isso, necessitam urgentemente da implementação de um sistema eficaz de gestão de recursos hídricos (AGÊNCA NACIONAL DAS ÁGUAS, 2002).

Segundo Tucci, Hespanhol e Cordeiro Netto (2003) a gestão dos recursos hídricos no Brasil passa por um cenário de transição institucional, esta análise demonstra que existe um caminho muito longo ainda a ser desenvolvido, principalmente no campo institucional, que passa por acordos entre os agentes da sociedade envolvidos na gestão da água.

A gestão dos recursos hídricos brasileira também se baseou em experiências estrangeiras, como o modelo francês. Este modelo serviu de base para o modelo brasileiro porque os resultados apresentados naquele país desde a sua formulação em 1964 demonstraram a eficiência de um modelo integrado e descentralizado (OLIVEIRA, 2006). Já

Martins (2008) faz uma crítica a esse modelo integrado e descentralizado, discutindo sobre a dominação territorial dos saberes politécnicos, onde, as relações de poder são sustentadas por conjuntos distintos de hierarquias, desde a definição dos objetivos do novo aparato gestor, até a regulamentação dos instrumentos da política de águas, na sociedade francesa.

O Quadro 2.1 compara o Brasil com os países desenvolvidos em relação ao aproveitamento do recurso hídrico e faz um histórico desses acontecimentos, que iniciaram após a Segunda Guerra Mundial, com um grande desenvolvimento econômico e a construção de muitas obras hidráulicas, principalmente de geração de energia elétrica. Nessa época, Países em desenvolvimento como o Brasil estavam na fase de inventariar seus recursos, desenvolvendo a construção de obras hidráulicas de menor porte (TUCCI, HESPANHOL e CORDEIRO NETTO, 2001)

Os modelos de gestão de recursos hídricos são ferramentas que norteiam toda a política e os instrumentos necessários para executar a gestão, distinguindo em três fases que deram características cada vez mais complexas aos modelos de gestão, permitindo uma abordagem mais eficiente ao problema, os quais são: o modelo burocrático, o econômico- financeiro e o sistêmico de integração participativa (OLIVEIRA, 2006).

Para interpretar a realidade brasileira, vários modelos de gestão de recursos hídricos foram utilizados, criados e modificados através da história, chegando ao que atualmente predomina. Após a utilização dos dois primeiros modelos brasileiros que demonstravam deficiência em sua estruturação e funcionamento foi elaborado o modelo sistêmico de integração participativa que contou com a contribuição do modelo francês de gestão das águas.

O modelo sistêmico de integração participativa propôs: i) o planejamento estratégico por Bacia Hidrográfica; ii) a tomada de decisões por deliberações e negociações; iii) e a adoção dos instrumentos legais e financeiros. Tais ideais visam à promoção da democracia na gestão das águas, e abordando formas de geração de recursos financeiros para a implementação da sua gestão.

Período Países desenvolvidos Brasil 1945-1960 Engenharia com pouca preocupação ambiental

Uso dos recursos hídricos: abastecimento, navegação, hidroeletricidade, etc.

Qualidade da água dos rios.

Medidas estruturais de controle das enchentes.

Inventário dos recursos hídricos. Início dos empreendimentos

hidrelétricos e projetos de grandes sistemas.

1960-1970

Início da pressão Ambiental

Controle de efluentes.

Medidas não estruturais para enchentes.

Legislação para qualidade da água dos rios.

Início da construção de grandes empreendimentos hidrelétricos. Deterioração da qualidade da água

de rios e lagos próximo a centros urbanos. 1970-1980 Controle ambiental Usos múltiplos. Contaminação de aqüíferos. Deterioração ambiental de grandes

áreas metropolitanas.

Controle na fonte de drenagem urbana;

Controle da poluição doméstica e industrial.

Legislação ambiental.

Ênfase em hidrelétricas e abastecimento de água.

Início da pressão ambiental. Deterioração da qualidade da água

dos rios devido ao aumento da produção industrial e concentração urbana.

1980-1990

Interações do Ambiente

Global

Impactos climáticos globais. Preocupação com conservação das

florestas.

Prevenção de desastres. Fontes pontuais e não pontuais. Poluição rural.

Controle dos impactos da urbanização sobre o ambiente. Contaminação de aqüíferos.

Redução do investimento em hidrelétricas devido à crise fiscal e econômica.

Piora das condições urbanas: enchentes, qualidade da água. Fortes impactos das secas do

Nordeste; Aumento de investimentos em irrigação. Legislação ambiental. 1990-2000 Desenvolvimento Sustentável Desenvolvimento sustentável. Aumento do conhecimento sobre o

comportamento ambiental causado pelas atividades humanas.

Controle ambiental das grandes metrópoles.

Pressão para controle da emissão de gases, preservação da camada de ozônio.

Controle da contaminação dos aqüíferos das fontes não-pontuais.

Legislação de recursos hídricos. Investimento no controle sanitário

das grandes cidades.

Aumento do impacto das enchentes urbanas.

Programas de conservação dos biomas nacionais: Amazônia, Pantanal, Cerrado e Costeiro. Início da privatização dos serviços

de energia e saneamento.

2000

Ênfase na água

Desenvolvimento da visão mundial da água.

Uso integrado dos recursos hídricos. Melhora da qualidade da água das fontes não-pontuais: rural e urbana. Busca de solução para os conflitos

transfronteriços.

Desenvolvimento do gerenciamento dos recursos hídricos dentro de bases sustentáveis.

Avanço do desenvolvimento dos aspectos institucionais da água. Privatização do setor energético. Aumento de usinas térmicas para

produção de energia. Privatização do setor de saneamento. Aumento da disponibilidade de água no Nordeste. Desenvolvimento de planos de drenagem urbana para as cidades. Quadro 2.1: Visão histórica das formas de utilização dos recursos hídricos em diferentes períodos e por países desenvolvidos e pelo Brasil (Fonte: TUCCI, HESPANHOL E CORDEIRO NETTO, 2003)

Pouco mais de 40 anos após sua criação, a atual estrutura francesa de governança das águas ocupa posição de destaque no debate internacional sobre modelos de gestão dos recursos naturais. A literatura especializada no tema da gestão ambiental, por sua vez, enfatiza as virtudes do aparato francês de governança das águas com o princípio do poluidor-pagador, dando base para a formulação dos princípios de valoração econômica da água (MARTINS, 2008).

2.2.1. Modelo francês de gestão dos recursos hídricos

Em 16 de dezembro de 1964, a primeira Lei sobre a água entra em vigor na França. Lei formulada devido a questionamentos relacionados sobre a gestão setorial da água em relação aos seus aspectos qualitativos, e sendo reconhecida como prioridade a proteção dos ecossistemas e a emergência de um planejamento integrado (MATINS, 2008).

Segundo Oliveira (2006), a Lei formulada em 1964 é delineada em torno de três grandes princípios: i) a unicidade dos recursos através de relações entre as águas superficiais e subterrâneas, os aspectos quantitativos e qualitativos e as montantes e jusantes dos corpos hídricos; ii) a interdependência e a solidariedade entre os usuários, com a criação dos organismos de Bacia (as Agências e os Comitês de Bacia Hidrográfica); iii) o reconhecimento do valor econômico da água pela aplicação do princípio poluidor pagador.

Duas idéias principais marcavam a Lei de 1964: a primeira, criar taxas de forma a incitar os poluidores a reduzir os seus lançamentos e a cobrir as necessidades de infra- estruturas coletivas, sendo chamada também de princípio do poluidor-pagador no instrumento francês de cobrança pelo uso da água (redevances) (MARTINS, 2008). A segunda idéia principal foi abrir a possibilidade de construir estabelecimentos públicos locais numa área geográfica limitada a fim de aumentar os meios de intervenção. “Os Comitês e Agências de Bacia foram criados pela Lei de 1964, e os seus limites territoriais foram fixados por razões técnicas, mas também com influências de corpos técnicos (minas, pontes e a engenharia rural)” (OLIVEIRA, 2006, p.28).

A coordenação administrativa do sistema de gestão dos recursos hídricos foi estabelecida através da criação do Comitê Nacional de Águas, dos Comitês de Bacias e das Agências Financeiras de Bacia, sendo estes dois últimos responsáveis pela gestão em nível local.

Os Comitês de Bacia foram compostos pela representação paritária da administração central, das coletividades locais e de diferentes categorias de usuários. Os Comitês assumiram o status de parlamento das águas, tendo como função primordial avaliar os conflitos no uso e acesso à água, baseado nos termos na nova legislação nacional sobre o domínio do recurso e os esforços para o combate à sua poluição (GLEIZES,1987 apud MARTINS, 2008).

As Agências de Bacia possuíam um papel técnico na realização das metas estabelecidas pelos Comitês de Bacia, compostas de corpos técnicos e de um conselho de administração, com metade dos membros indicada pelo governo central e metade eleita pelo Comitê de Bacia.

As Agências têm como função realizar estudos qualitativos e quantitativos relativos aos recursos hídricos, centralizando os estudos e os programas de intervenção na escala da Bacia. Contudo, seu papel central é de ordem financeira, posto que estivessem habilitadas por lei para a definição dos valores e para a cobrança das redevances. Elemento central do novo aparato gestor, as redevances constituem-se em um valor monetário cobrado dos usuários de água que reflete a escassez relativa do recurso quanto os custos da degradação gerada privadamente (MARTINS, 2008).

Na estrutura organizacional da França, é o Ministério da Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável que coordena as intervenções do Estado no domínio de água, em articulação com outros ministérios (Saúde, Agricultura e Floresta, Equipamento, Indústria, Interior...), através de órgãos que permeiam as ações dos demais. O Comitê Interministerial para o Meio Ambiente assegura a arbitragem entre as diferentes partes e a Direção da Água atua com a participação de uma série de organismos e comissões exercendo as competências transversais (OLIVEIRA, 2006).