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CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3. Gestão participativa e governança da água

O Brasil mudou de uma gestão institucionalmente fragmentada, para uma legislação integrada e descentralizada, principalmente com a edição da Lei Federal no 9.433, em 8 de janeiro de 1997, e a criação da Agência Nacional de Águas – ANA. Esta reorganização do sistema de gestão de recursos hídricos, além de mudar qualitativamente, substituindo práticas profundamente arraigadas de planejamento tecnocrático e autoritário, devolve o poder para as instituições descentralizadas de Bacia, o que demanda um processo de negociação entre os diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada (JACOBI, 2010).

A gestão de Bacias Hidrográficas assume crescente importância no Brasil, à medida que aumentam os efeitos da degradação ambiental sobre a disponibilidade de recursos hídricos. Em termos da evolução das políticas públicas no Brasil, observam-se importantes avanços no setor de recursos hídricos ao longo dos últimos vinte anos.

A Lei 9.433/97 propõe uma política participativa e um processo decisório aos diferentes atores sociais vinculados ao uso da água, dentro de um contexto mais abrangente das atribuições do Estado, do papel dos usuários e do próprio uso da água. Fortalece a gestão descentralizada de cada Bacia Hidrográfica pelos respectivos comitês, subcomitês e agências, e instituiu a cobrança pelo uso do recurso como um dos principais instrumentos de atuação destes órgãos.

A legislação estabelece como fundamento que a água é dotada de valor econômico, utilizando a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, como forma de administrar a exploração dos recursos hídricos federais e estaduais para a geração de fundos que permitam investimentos na preservação dos próprios rios e Bacias. Provoca também um maior rigor no controle sobre os efluentes despejados nos rios, se baseando no conceito de usuário-pagador, no qual incluem todos os que utilizam recursos naturais para a produção industrial, sua comercialização e consumo.

A efetivação do processo de gestão em Bacias Hidrográficas, ainda é embrionária e a prioridade dos organismos de Bacia centra-se na criação dos instrumentos necessários para a gestão. Segundo Jacobi (2005, p.01) “o sistema de gestão de recursos hídricos, tanto no Brasil como internacionalmente, rompe com práticas profundamente arraigadas de planejamento tecnocrático e autoritário, devolvendo poder para as instituições descentralizadas de Bacia”.

A Agência Nacional das Águas (2002), Jacobi (2010) e Martins (2008) discutem sobre o termo “governança”, este que representa um enfoque conceitual que propõe caminhos teóricos e práticos alternativos que façam uma real ligação entre as demandas sociais e sua interlocução ao nível governamental.

Segundo Jacobi (2010) o termo governança é geralmente utilizado para a inclusão de: [...] leis, regulação e instituições, mas também se refere a políticas e ações de governo, a iniciativas locais, e a redes de influência, incluindo mercados internacionais, o setor privado e a sociedade civil, que são influenciados pelos sistemas políticos nos quais se inserem (JACOBI, 2010, p. 72).

O termo é reforçado pela Agência Nacional de Águas (2002), tendo como argumentando:

[...] a questão da governança está estreitamente relacionada com a continuidade administrativa, ou seja, com a capacidade de que se devem dotar os sistemas de gestão para que estes não sofram, sob quaisquer cenários, solução de continuidade. O aspecto que mais preocupa os gestores e técnicos do setor é o que se refere às organizações de governo. Conforme se sabe, nas passagens de um quatriênio ao seguinte, quando acompanhada de mudança de quadros, sobretudo quando há alternância política, é comum que os administradores públicos recém empossados alterem substancialmente os rumos traçados pela administração anterior. Isto é tanto mais verdadeiro em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, e menos naqueles que já alcançaram patamares elevados de desenvolvimento (Agência Nacional de Águas, 2003, p. 09).

O modelo brasileiro de gestão hídrica vai se tornando resistente às mudanças de rumo que a administração pública costuma fazer, sendo auxiliado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica que é formado por representantes das três esferas de poder, dos usuários dos recursos hídricos e os representantes da sociedade civil organizada, encarregados de tomar decisões sobre os destinos da Bacia Hidrográfica. Como reforço ao papel de independência de que se deve revestir o Comitê, os períodos de gestão deste devem ser desencontrados em relação aos dos governos, ou seja, enlaçados com estes, com isso evitando-se a descontinuidade administrativa no âmbito da Bacia, promovendo, daí, as condições de governança (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002).

É relevante considerar que, quanto maior for a participação da sociedade civil em um Comitê de Bacia, tanto maior será a probabilidade de governança nessa Bacia. O debate atual sobre o setor de planejamento e gestão dos recursos hídricos, refletindo o que se discutiu em Haia no II Fórum Mundial da Água e Conferência Mundial de Ministros de Meio Ambiente, realizado nos Países Baixos em março de 2000, entre outros aspectos muito valorizou a questão da governança para a gestão do uso dos mananciais nos diversos países que praticam a gestão de recursos hídricos (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002).

Uma das grandes dificuldades desse modelo participativo é obter a representação de todos os interesses e interessados, já que no Brasil a sociedade não possui tradição de participação e tem um grande segmento de excluídos do mundo letrado e da vida cultural e econômica. Perante a cobiça de grupos com forças desiguais, é preciso lembrar que, para que esta negociação se torne efetiva todos os envolvidos nos recursos hídricos da Bacia devam ter suas representações passíveis de discussão e deliberação em igualdade de condições (SAITO, 2001).

Jacobi (2005, p. 02) reforça argumentando que para a superação das assimetrias de informação é necessário que:

Estas experiências que denominamos inovadoras fortalecem a capacidade de crítica e de interveniência dos setores de baixa renda através de um processo pedagógico e informativo de base relacional, assim como a capacidade de multiplicação e aproveitamento do potencial dos cidadãos no processo decisório dentro de uma lógica não cooptativa (JACOBI, 2005, p. 02).

Neste debate muitos indivíduos desconhecem o próprio direito de participar e confrontar suas demandas por recursos hídricos com outras demandas. De todos os representantes, as comunidades locais são as mais frágeis, geralmente composta pelos segmentos sociais menos favorecidos (BERLINK, 2003). A fim de viabilizar a plena participação da sociedade é preciso assegurar que todos compreendam o debate, de tal modo que tenham capacidade para participar dele, avaliar as demandas dos demais usuários frente às suas e tomar as decisões no âmbito do Comitê com consciência e conhecimento de causa sobre o teor dos argumentos e das avaliações técnicas trazidas.

Neste aspecto, o papel da Educação Ambiental é fundamental no processo, não consistindo apenas na questão da tomada de consciência, mas também do ponto de vista da instrumentalização técnica para fundamentar o agir coletivo, possibilitando a transformação dos indivíduos envolvidos, promovendo a dimensão reflexiva antes da dimensão ativa e comportamental, onde desenvolvam o seu poder de captação e de compreensão do mundo.