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A GLOBALIZAÇÃO E A INTENSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

CAPÍTULO III – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

3.4 A GLOBALIZAÇÃO E A INTENSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

A abordagem dos reflexos causados pela globalização nas relações de consumo, notadamente nas que se estabelecem em zonas transfronteiriças, importa para reforçar a necessidade de se desenvolver políticas voltadas para a proteção do consumidor no contexto dos blocos regionais de integração econômica.

164 TRINDADE, ibid., p. 551. 165 FILHO, ibid. p. 92-93.

166 O site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH na internet é: http://www.cidh.oas.org/.

Sobre este fenômeno da globalização, Ecio Perin afirma que ele foi “fundado na revolução tecnológica contemporânea, que por sua vez é vista como um desenvolvimento espontâneo, inevitável e basicamente positivo” 167.

Trata-se de um processo desencadeado já nas grandes descobertas do século XV, perpassando pela formação dos impérios coloniais no século XIX e culminando neste século, com a evolução do sistema internacional, momento em que se experimenta a crescente integração das diferentes regiões do mundo. Ou seja, vivencia-se a expansão do mundo capitalista, com a incorporação de novas áreas geográficas - seja no campo do comércio, do investimento, das redes de comunicações e transporte, seja na integração cultural e institucional, na informação e tecnologia da computação – que tem como um dos atores principais, o consumidor.

Ecio Perin168 também rememora que John Maynard Keynes, principal arquiteto de uma nova ordem mundial baseada em uma matriz liberal, afirmava que em agosto de 1914, ou seja, após a Primeira Grande Guerra, findou-se o extraordinário episódio de progresso econômico do homem. Entretanto, a partir da sucessão de inovações tecnológicas ocorridas no período entre guerras, esse mundo verificado por Keynes se desintegrou, dando margem para uma nova era marcada pela ascensão industrial, notadamente, do petróleo, eletricidade, indústria petroquímica e automóveis, pela hegemonia do dólar, em vez da libra esterlina britânica, pela implantação dos sistemas de instituições públicas internacionais de Bretton Woods169, e pela supremacia dos Estados Unidos, em detrimento do Império Britânico, como potência mundial dominante. Noutro passo, após esse período destacado por Keynes, no que toca à esfera capitalista, “houve um avanço sem precedentes do papel do Estado, com a formação de economias mistas que garantiram o crescimento econômico, o pleno emprego e as garantias sociais” 170.

No final da Segunda Guerra Mundial, alguns países entraram em decadência, notadamente os europeus, que chegaram a ser ocupados pelos exércitos das duas grandes potências vencedoras, EUA e URSS, chegando a uma falência total dos seus sistemas. Esse

167PERIN JÚNIOR, ibid., p. 45. 168 PERIN JUNIOR, ibid., p. 48.

169 As Conferências de Bretton Woods ocorridas em julho de 1944 estabeleceram as regras para as relações

comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo, que resultaram no Acordo de Bretton Woods. O sistema Bretton Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada, tendo como objetivo governar as relações monetárias entre Nações-Estado independentes. Tal sistema teve como origem as experiências comuns da Grande Depressão, a concentração de poder em um pequeno número de Estados e a presença de uma potência dominante querendo assumir um papel de liderança. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods. Acesso em: 10 jan. 2011.

episódio, somado à diversidade verificada no mundo capitalista, especialmente, as novas formas de desenvolvimento que se assentava no globo, v.g., no Japão e nos países subdesenvolvidos, originou a nova era171 de integração internacional chamada atualmente de

globalização, ou também, neoliberalismo, marcada pela revolução tecnológica, institucional, financeira e ideológica, que impulsionou e intensificou as relações de consumo no cenário global.

Citando Ronaldo Porto Macedo Jr., Ecio Perin define que a globalização é um processo de natureza econômica e política marcada pelas seguintes características:

a) ampliação do comércio internacional e formação de um mercado global assentado numa estrutura de produção pós-fordista (ou pós-industrial); b) homogeneização de

padrões culturais e de consumo; c) enfraquecimento da ideia de Estado-nação em

benefício dos agentes econômicos do novo mercado global; d) formação de blocos comerciais. (Grifo nosso) 172.

Considerando-se a mobilidade internacional dos fatores produtivos proporcionados pela globalização e os efeitos que isso causa na sociedade, os quais vão além das esferas econômicas e tecnológicas, torna-se procedente afirmar que este fenômeno está diretamente ligado ao aumento do consumo e, portanto, com a intensificação das relações dele decorrentes. Diante disso, percebe-se a existência do Estado mínimo, que não cria embaraço ao mercado, dominado pela iniciativa privada. Surge, então, a necessidade de coexistência do Estado forte, que crie mecanismos de proteção dos interesses envolvidos com a atuação desses mercados; portanto, um Estado que saiba atuar num mundo globalizado, minimizando seus conflitos, dentre eles a violação dos direitos humanos fundamentais.

Sobre o tema, Eduardo Klausnerentende que

a globalização das relações comerciais – especialmente estimuladas em blocos regionais formados por nações que têm interesse em privilegiar suas relações políticas e econômicas – a crescente abertura dos mercados para produtos e serviços estrangeiros e especialmente o surgimento da internet acessível a um número cada vez maior de pessoas têm proporcionado ao consumidor a possibilidade de adquirir produtos e serviços importados, independentemente do local de estabelecimento do fornecedor, o que economicamente representa um enorme incremento das relações comerciais, especialmente consumeristas [...]173.

Isto é, a evolução tecnológica eliminou a distância permitindo a intensificação das relações internacionais, levando à expansão do capitalismo pelo mundo, surgindo daí o

171 Uma nova era, cujo marco inicial foi o final da Segunda Guerra Mundial. 172 1999, p. 45-54 apud JÚNIOR, 2003, p. 48.

173 KLAUSNER, Eduardo Antônio. Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Europeia. Curitiba:

liberalismo econômico, a livre circulação dos capitais, o laissez-faire174, já que consumir bens e serviços se tornou extremamente fácil diante da grande oferta de variedades de produtos,

marketing agressivo e preços reduzidos pela concorrência. Pode-se dizer então, que o processo de tutela do consumidor desenvolveu-se paralelamente à abertura dos mercados, contrapondo a ideia de que a maior proteção do consumidor equivaleria à barreira ao comércio. Pelo contrário, conforme argumenta Heraldo Felipe de Faria, “vários países positivaram, em seus ordenamentos internos, o princípio da proteção do consumidor, considerado a parte mais frágil da relação de consumo, até como forma de proteger a subsistência da economia de mercado”175. Portanto, complementa o autor, “foi também necessário que o tema ultrapassasse fronteiras e fosse considerado nos tratados de integração, já que a desconsideração do consumidor seria um retrocesso histórico grave”. Surgiu a necessidade de ampliação e aprofundamento dos mecanismos de proteção dos direitos do consumidor. Nesse sentido, o autor salienta que “a desigualdade entre o consumidor e o fornecedor nas relações de consumo, principalmente internacionais, é agravada pela diferença da língua, das normas e dos costumes, pela insegurança na entrega, pelas dificuldades na garantia, entre outros aspectos” 176.

Verifica-se, por conseguinte, que a tendência é a formação dos blocos regionais como contrapeso aos excessos do capitalismo, “pois os Estados envolvidos não podem dispor de seu compromisso com o bem-estar do seu povo, e fazem da política da integração econômica um instrumento para se alcançar a melhoria nas condições socioeconômicas da população” 177. Assim, considerando-se a União Europeia como paradigma de integração política e econômica mais avançada do globo, todos os demais blocos de integração deverão buscar a valorização do ser humano e a permanente busca do seu bem-estar, objetivo declarado pela UE e concretizado em suas políticas, notadamente, as voltadas para a proteção do consumidor. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que o direito do consumidor se desenvolva de acordo com princípios e garantias básicas e fundamentais já positivados internacionalmente e internamente.

Portanto, complementa Faria que o certo é que “a globalização cria a necessidade da atuação estatal para a proteção do indivíduo e, consequentemente, da sociedade nas relações

174 Laissez-faire é parte da expressão francesa: “laissez-faire, laissez aller, laissez passer”, que significa

literalmente: “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”.

175 FARIA, Heraldo Felipe de. A proteção do consumidor como direito fundamental em tempos de

globalização. Revista Direitos Fundamentais e Democracia. Vol. 4. UniBrasil: 2008. s.p.

Disponível em:

<http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/190/142> Acesso em: 29 ago.2010.

176 FARIA, ibid., s.p. 177 KLAUSNER, ibid., p. 51.

de consumo, já que a produção e a comercialização global de bens e serviços acarretam demanda de proteção também global”178. Nessa corrente está Allemar179, afirmando que em sede regional também se faz necessária a implementação de regras e instituições de apoio aos consumidores, principalmente porque neste momento se vivencia a intensificação do comércio transfronteiriço, sobretudo entre os países do Mercosul. Segundo o autor, como paradigma para a implementação destas regras tem-se a experiência desenvolvida pela União Europeia, a qual entende ser de grande valia na consecução de mecanismos regionais de proteção às relações jurídicas de consumo.

Diante desse contexto, muitos países modificaram suas legislações com o objetivo de assegurar de que as normas reguladoras sirvam melhor o interesse público, mormente os dos seus consumidores, a exemplo dos países-membros da União Europeia e dos países em desenvolvimento. Com efeito, se os países - sobretudo aqueles integrados regionalmente - visam ao aumento do comércio e do consumo em seu mercado interior, devem criar estímulos para esse consumo intra-região, possibilitando o acesso direto do consumidor ao mercado transfronteiriço, o que se faz criando segurança jurídica para este ator fundamental do mundo globalizado.

178 FARIA, ibid., s.p. 179 ALLEMAR, ibid., p. 17.