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CAPÍTULO III – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

Por “relação de consumo”, transcreve-se a conceituação elaborada por Newton de Lucca, segundo o qual, “é aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo” 119. O mesmo autor, ao iniciar o tratamento dos aspectos históricos do direito do consumidor, afirma que “embora a defesa do consumidor tenha uma ‘longa história’, só relativamente há pouco tempo ter-se-á tornado uma exigência geral de política legislativa” 120.

Nessa esteira, o autor enfatiza que foram identificadas “três diferentes fases” da evolução da proteção do consumidor no mundo pela doutrina preocupada com o tema.

Segundo o autor,

na primeira delas, ocorrida após a 2ª Grande Guerra, de caráter incipiente, na qual ainda não se distinguiam os interesses dos fornecedores e consumidores, havendo apenas uma preocupação com o preço, a informação e a rotulação adequadas dos produtos.

Na segunda fase, já se questionava com firmeza a atitude de menoscabo que as grandes empresas e as multinacionais tinham em relação aos consumidores, sobressaindo-se, na época, a figura do famoso advogado americano Ralph Nader121.

Finalmente, na terceira fase, correspondente aos dias atuais, de mais amplo espectro filosófico – marcada por consciência ética mais clara da ecologia e da cidadania -, interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego, que põe em risco a própria morada do homem122.

O Código de Hamurabi, de 2300 a. C., já apresentava contornos da proteção do consumidor, na medida em que regulamentava o comércio, segundo o qual o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. Além disso, de acordo com a “lei 235” do

Codex, “o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural,

119 LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor: teoria geral da relação de consumo. São Paulo: Quartier

Latin, 2003, p. 78.

120 VON HIPPEL, 1978, p. 5- 37 apud LUCCA, 2003, p. 46.

121 Ralph Nader foi candidato quatro vezes à presidência americana, nas eleições de 1996, 2000, 2004 e 2008.

Nas duas primeiras candidaturas, concorreu pelo Partido Verde e, em 2004, como candidato independente, tendo como candidato a vice-presidente, Pedro Miguel Camejo.

dentro do prazo de até um ano (...)”123, o que demonstra uma noção preliminar dos vícios redibitórios. O Código de Hamurabi também já dispunha, em sua “lei 48”124, de normas contra o enriquecimento sem causa.

Posteriormente, no Egito Antigo e na Índia do Século XIII a.C, a proteção dos consumidores também já estava prevista, mediante o regramento do Código de Massu, o qual dispunha pena de multa e punição, além de ressarcimento dos danos aos que adulterassem gêneros, ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada, bem como, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes (Lei nº 697 do Código Sagrado de Massu).

De acordo com Pedron e Caffarete, “a partir do Século II a. C., Período Clássico do Direito Romano, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados” 125. Todavia, complementam os autores,

no período Justiniano (130 a.C. a 530), a responsabilidade era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse o defeito. As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à boa-fé do consumidor, ressarciam este em caso de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro126.

José Geraldo Brito Filomeno127 destaca que na Grécia Antiga, igualmente, já era possível se identificar a preocupação com o consumidor, mediante as disposições constantes da Constituição de Atenas de Aristóteles, a qual, em síntese, coibia a adulteração das mercadorias vendidas. Ou seja, Aristóteles já se referia às manobras engendradas pelos especuladores para lograr os consumidores. Mais tarde, no Século I a.C., o imperador romano, Marco Túlio Cícero, dedicava às causas que defendia, dentre outras, a proteção do adquirente de bens de consumo duráveis contra as possíveis deficiências ocultas neles encontradas, fato que o respaldaria para exigir a resilição do contrato de compra e venda. Cícero foi, portanto, um precursor do que mais tarde foi consagrado pelo direito pátrio como “vícios redibitórios”. No Império Romano de Diocleciano, “ainda se destaca as práticas do controle de abastecimento de produtos, principalmente nas regiões conquistadas, bem como a decretação de congelamento de preços” 128, aborda Filomeno.

123 SANTOS, 1987, p. 78-79 apud PEDRON, Flávio Barbosa Quinaud; CAFFARATE, Viviane Machado.

Evolução histórica do direito do consumidor. Disponível em:

<http:// www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=687> Acesso em 29 agos. 2010.

124 Código de Hamurabi. 48 – Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou

destrói a colheita, ou por falta d'água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano. Disponível em:

<http://www.cpihts.com/PDF/C%C3%B3digo%20hamurabi.pd>. Acesso em 29 ago. 2010.

125 PEDRON; CAFFARETE, loc. cit. 126 PEDRON; CAFFARETE, loc.cit.

127 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2001, p. 23. 128 FILOMENO, loc. cit.

Na Europa Medieval, isto é, a partir da decadência do Império Romano e das invasões bárbaras, notadamente, na França e na Espanha, eram previstas penas vexatórias para os adulteradores de produtos alimentícios, sobretudo, manteiga e vinho. Diante disso, em 1481, o rei francês, “Luiz XI baixou um édito que punia com banho escaldante quem vendesse manteiga com pedra no seu interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume” 129.

Em 1603, o Livro V das Ordenações Filipinas punia a usura com a pena de degredo para a África. Nesta época, que remonta ao período colonial do Século XVII, havia a preocupação das autoridades locais, notadamente, do município de Salvador, em punir os infratores das normas de proteção dos consumidores, principalmente no que se referia à venda de produtos pelo valor acima do fixado em tabela.

Noutro passo, já no século XIX, o jurista português, Carlos Ferreira Almeida, rememora a proteção do consumidor conferida pelo Direito Penal Português, verbis:

Os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal130.

Segundo Ecio Perin Junior, “o fortalecimento da sociedade capitalista, criando o mercado da força de trabalho e o mercado de bens de consumo, fez surgir as primeiras manifestações organizadas de consumidores em fins do século XIX” 131.

O século XIX é marcado pelo advento da Revolução Industrial, que implicou a substituição da maquinofatura pela máquina e, consequentemente, o êxodo doméstico dos trabalhadores para as fábricas, fazendo com que ao redor destas surgissem os centros urbanos. Devido à automação incipiente das máquinas, não houve expressiva contratação de mão-de- obra, ocasionando, então, o desemprego em massa e a consequente exclusão social dos desempregados. Com efeito, a grande procura de emprego gerou a desvalorização da mão-de- obra. Assim, a liberdade contratual estabelecida pela Revolução Francesa, aliada à grande

129 FILOMENO, loc.cit.

130 ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982, p. 40. 131 PERIN JUNIOR, Ecio. A globalização e o direito do consumidor. Barueri, SP: Manole, 2003, p.7.

oferta de trabalho, fez com que as pessoas se submetessem à exploração para manterem-se empregadas. Ante à instalação desta desigualdade social implementada, algumas empresas enriqueceram, dando margem aos primeiros contornos da concentração econômica mundial.

Diante disso, surge o Estado Social no século XX, como resposta à miséria e à exploração de grande parte da população, para garantir os direitos individuais, políticos, sociais e econômicos, intervindo de forma contundente na economia para promover a justiça social. Sobretudo, foi após a Segunda Guerra Mundial que surgiram os mercados de massa, mormente, o surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas e, com eles, a expansão do consumo de bens duráveis jamais vista na história do capitalismo, o que principiou o movimento em prol dos direitos do consumidor.

Essa centúria, portanto, foi de extrema importância para embasar o surgimento dos movimentos consumeristas.

Por fim, pela oportunidade do tema, vale destacar as palavras de Thierry Bourgoigniesobre a ordem cronológica da proteção do consumidor no cenário global,

o interesse pela política de defesa do consumidor é um fenômeno que se expandiu cronologicamente em nível mundial na seguinte proporção: Estados Unidos e Canadá/ Norte e Ocidente da Europa/ Sul da Europa, América do Sul e países asiáticos/ Europa Central e Novos Estados Independentes/ África. Dita expansão levou basicamente a três grandes avanços, estes, bases de uma política de proteção ao consumidor: 1) a adoção de uma estrutura legislativa adequada, comumente sob a forma de uma ampla Lei de Proteção ao Consumidor; 2) o estabelecimento de instituições estatais especificamente responsáveis por assuntos ligados ao consumidor tanto para a elaboração de leis, quanto para controle; 3) o surgimento de organizações independentes, não governamentais e não lucrativas, cujo único ou principal objetivo é o de promover os interesses dos consumidores132.

Isso decorreu, portanto, do extraordinário desenvolvimento do comércio e da consequente ampliação da publicidade, resultando no fenômeno conhecido, “sociedade do consumo”, em que a ilusão do ato de consumir conduz à felicidade, fazendo com que este se torne essencial para a manutenção da vitalidade econômica.

3.2 A ORIGEM DO MOVIMENTO CONSUMERISTA NOS ESTADOS UNIDOS DA