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A promoção do uso adequado dos recursos pesqueiros sinaliza a necessidade de repensar as abordagens, como forma de superar a crise evidente. Propõe-se adotar um “pensamento criativo, o que significa superar os limites dos pensamentos disciplinares e abordagens de rotina” (KOOIMAN; BAVINCK, 2005). Em outras palavras, “A governança dos recursos comuns num mundo multi-escalar exige originalidade e inovação” (ARMITAGE, 2008, p. 8). Esta nova perspectiva de governança, segundo Bavinck et al. (2005), deve estar apoiada na interatividade e na formação de parcerias, em oposição ao modelo centralizado de “comando e controle”.

Esta perspectiva provoca uma transição de papéis, colocando o governo como um facilitador dos novos regimes de apropriação (GIBBS, 2008). Nesse aspecto, a ideia de governança envolve o estabelecimento e operacionalização de novas instituições – “são os papéis, regras, procedimentos de tomada de decisão e programas” que atuam para promover as práticas que compõem as interações entre os participantes (NORTH, 1990 apud YOUNG, 1996, p. 247).

A principal contribuição da teoria dos recursos comuns aos estudos de governança reside na análise de diversos arranjos, com múltiplos usuários em diferentes escalas, enfatizando principalmente, as regras de acesso, a exclusão e a subtração. Ela também contribui, para a

identificação de princípios de design ou condições favoráveis para a gestão dos recursos comuns (AGRAWAL, 2002; OSTROM, 1990; 2005), apesar de ainda o estudo sobre a governança dos comuns ser um processo em evolução (ARMITAGE, 2008).

Nesta perspectiva, ela se enquadra num enfoque dos sistemas complexos (BERKES, 2006; FOLKE et al., 2005), uma vez que dirige atenção às suas propriedades, entre elas: a dinâmica trans-escalar e retroalimentação (feedback), a auto-organização, os múltiplos domínios de atração, emergência, incerteza e mudança (BERKES; FOLKE; COLDING, 2003; FOLKE et al., 2005; GUNDERSON; HOLLING, 2002; HOLLING; BERKES; FOLKE, 1998), que não são suscetíveis ao modelo centralizador e convencional de tomada de decisão (ARMITAGE, 2008).

Para Kooiman e Bavinck (2005a), podem ser idealizados três estilos de governança: hierárquica (tecnocrático, centralizado); auto- governança (conduzida pelos próprios usuários) e co-governança (compartilhada entre os diversos atores, interações horizontais entre os atores). Para estes autores, a governança deve ser entendida a partir de uma perspectiva de interação, conduzida pela relação ator – estrutura, definida como uma relação de influência mútua, “possuindo uma dimensão intencional e outra estrutural.” (KOOIMAN; BAVINCK, 2005, p. 18).

Por definição, governança é o conjunto de interações entre público e privado,

tomadas para resolver os problemas e criar oportunidades sociais. Inclui a formulação e aplicação de princípios orientadores destas interações e atenção às instituições que as possibilitam. (KOOIMAN; BAVINCK, 2005, p. 17).

Considerando as diferentes escalas, a governança exige atenção às articulações horizontais e verticais e as funções de aprendizagem (ARMITAGE BERKES; DOUBLEDAY, 2007; BERKES, 2002; FOLKE et al., 2005). E apesar das similaridades acerca dos vetores de mudança e degradação dos recursos comuns, há uma grande diversidade de respostas em relação à

[...] intencionalidade ou formalidade em termos de lidar com os desafios multi-escalares (multi-level challenges), bem como a força das conexões (vertical, horizontal) entre os diferentes atores e instituições. Também variantes são as catálises para a governança que pode se tornar uma política formal ou lei, ou emergir como resultado de pressões políticas/sociais maiores.” (ARMITAGE, 2008, p. 11).

Os estudos de caso evidenciam a necessidade de promover a participação, colaboração e formar pontes entre os atores em diferentes

escalas, a partir da transição da tomada de decisão para o nível local e da distribuição de responsabilidades entre atores locais e demais atores (ARMITAGE, 2008). Para Pritchard; Sanderson (2002), a governança também se constrói em meio a diferentes discursos presentes na gestão ambiental (FIGURA 17), convergindo e divergindo no tempo e no espaço, possuindo suas fragilidades e potencialidades, em termos de promoção da resiliência socioecológica. Eles ainda argumentam que a busca do consenso entre os diferentes discursos depende de um comprometimento dos atores não somente com o processo de interação, mas também com os resultados – há que se buscar um ponto comum de construção e aprendizado. Desse modo,

qualquer esforço de governança provavelmente não será social ou politicamente neutro. Desigualdades são intrínsecas às alternâncias das relações de status, poder e conhecimento, cultura e história. (ARMITAGE, 2008, p. 11).

A governança se forma dentro de um processo histórico, sociopolítico e de experiências institucionais (ARMITAGE, 2008), bem como a partir de respostas às condições ecológicas constituídas e percebidas. Assim, são características de um sistema de governança adaptativo e multiescalar (ARMITAGE, 2008): a participação, a colaboração e deliberação, múltiplas escalas, responsabilidade, interatividade, liderança, pluralismo de conhecimentos, aprendizagem, confiança, rede.

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FIGURA 17. Discursos presentes na gestão ambiental. Para cada discurso, é definida sua principal força (dentro das caixas) e as atitudes relativas à ciência. Os rótulos entre as caixas representam os valores e atributos compartilhados. Fonte: (PRITCHARD; SANDERSON, 2002, p. 158).

Considerando a governança como um problema de sistemas complexos, ganha importância o conceito de resiliência, já definido anteriormente como forma de compreender os desafios e implicações da complexidade dos comuns. Neste caso, o conceito incorpora

“(1) a habilidade de um sistema absorver ou tamponar perturbações e ainda manter seus atributos principais; (2) a habilidade do sistema se auto-organizar; e (3) a capacidade para aprender e se adaptar no contexto da mudança.” (ARMITAGE, 2008, p. 15).

Assim, a incorporação do conceito de resiliência promove uma mudança de foco da governança. Inicialmente orientada à maximização do uso dos recursos (e.g. rendimento máximo sustentável) ou para controlar as mudanças, nesta perspectiva, a governança volta-se a gerir a capacidade do sistema socioecológico em lidar e responder às mudanças (ARMITAGE, 2008; FOLKE, 2006; FOLKE et al., 2005). Ainda, procurar manter-se em funcionamento, mesmo em condições de surpresa e imprevisibilidade (GUNDERSON; HOLLING, 2002). Sob esta orientação, é importante compreender melhor as “mudanças de regime, a diversidade biológica e a resiliência ecossistêmica”, necessitando de uma estrutura flexível e aberta a mudanças (FOLKE et al., 2004, p. 575). A co-gestão adaptativa mostra-se como uma das oportunidades para a operacionalização da governança de sistemas socioecológicos. Ela pressupõe a valorização das diferentes formas de conhecimento, bem como a capacidade dos atores e instituições de conviverem com mudanças, surpresas e incertezas, a fim de promover a aprendizagem social e a capacidade adaptativa (ARMITAGE, 2008; FOLKE et al., 2005; GUNDERSON; HOLLING, 2002).

Na pesca, a análise de governança deve levar em consideração a cadeia produtiva como um todo, visualizado as diferentes posições e papéis exercidos pelos atores em situação (FRANGOUDES; MARUGÁN-PINTOS; PASCUAL-FERNANDEZ, 2008; KOOIMAN et al., 2005a).

E numa perspectiva interativa, foram identificadas definições como: co-governança (FRANGOUDES; MARUGÁN-PINTOS; PASCUAL-FERNANDEZ, 2008), governança adaptativa (FOLKE et al., 2005), governança em rede (CARLSSON; SANDSTRÖM, 2008; GIBBS, 2008) e governança interativa (KOOIMAN et al., 2005a; KOOIMAN et al., 2008). Adotando esta última definição, os autores identificam três elementos componentes: imagens (as linhas orientadores de como e o por quê da governança – visões, conhecimento, metas, hipóteses, julgamentos), instrumentos (conectam as imagens às ações – informação, regras, taxas) e ações (por os instrumentos para funcionar – implementação de políticas ou mobilizar

grupos). Ela se diferencia também por “priorizar sua aplicabilidade e ocorrência em diferentes escalas de sociedade, do local ao global, com responsabilidades sobrepostas e bem definidas.” (KOOIMAN et al., 2008, p. 1).

O modelo de desenvolvimento da pesca, no molde Fordista, provocou uma série de consequências à resiliência socioecológica dos sistemas pesqueiros e impõe grandes desafios à governança (TABELA XIII). Fica evidente que as ações para o desenvolvimento da pesca devem transcender à noções de modernização tecnológica e de rendimento máximo sustentável. Da mesma forma, também devem promover a garantia de qualidade de vida das populações e a saúde dos ecossistemas, com base em critérios de justiça social, resiliência ecológica e de saúde e segurança alimentar (CHUENPAGDEE et al, 2005).

TABELA XIII. Consequências do modelo de desenvolvimento da pesca e desafios à governança de sistemas pesqueiros. Baseado em Chuenpagdee et al. (2005)

Efeitos do modelo de desenvolvimento da pesca

Desafios à governança Comprometimento da resiliência dos

ecossistemas em virtude da intensificação massiva do esforço de pesca

Saúde do Ecossistema – definição de indicadores e parâmetros ecossistêmicos de monitoramento das atividades de pesca e aqüicultura para a manutenção da resiliência dos ecossistemas

Transformações sociais que causaram injustiça social

Definição de critérios para a alocação dos recursos pesqueiros, como: questões de gênero, pobreza, poder político e impacto das tecnologias/mercados sobre os recursos e ecossistema

Qualidade de vida na costa, emprego e relações sociais ameaçadas pelas transformações na pesca

Promoção de trabalho justo e digno, respeitando a diversidade cultural inerente às comunidades, questões de gênero,

Expansão dos mercados internacionais e intensificação das conexões destes com os locais causaram insegurança alimentar e comprometeram a garantia de alimentos para as populações pobres que dependem historicamente dos recursos pesqueiros como fonte de renda barata

Garantia de acesso físico e econômico a alimento proveniente de pescados em qualidade para consumo sem comprometer a saúde, fornecendo os teores de proteína necessário a alimentação nutritiva.

Nesse sentido, os atores em situação estarão atentos para a aplicação de princípios, valores e conceitos (imagens) que conceberam o modelo de governança a partir dos instrumentos que vão ser colocados em ação. A pesca então, deve ser avaliada,

em temos das características que determinam a sua governabilidade – se a governança está ajustada com o sistema a ser governado, considerando a diversidade de atores, níveis de organização e capacidades, canais e redes para o fluxo de informações, desigualdades no empoderamento dos grupos – e determinar onde os

inputs mais provavelmente irão melhorar a governabilidade. (MAHON; BAVINCK; ROY, 2005, p. 350-351).