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3.2 Descrição dos arranjos institucionais

3.2.2 A Reserva Biológica Marinha do Arvoredo e a pesca artesanal

3.2.2.2 O plano de manejo e sua aplicação

O plano de manejo divide a área da RBMA em seis zonas (TABELA XIX). Há ainda a zona de amortecimento, que permite a pesca de arrasto dentro de seus limites, ao mesmo tempo em que estabelece zonas de exclusão ao arrasto.

Apesar de apresentar uma primeira solução à impossibilidade total da pesca que anteriormente existia, o plano de manejo não exclui totalmente as restrições impostas pelo artigo 4o do Decreto-Lei 99.142/90. Além disso, o zoneamento não proporciona qualquer oportunidade aos pescadores com redes de emalhe anuais, e as pescarias sazonais. Para os pescadores artesanais de camarão sete-barbas, a mudança foi significativa e lhes permite trabalhar nos principais pesqueiros, ficando impedido das atividades sazonais dentro dos limites da RBMA. Outro fator importante refere-se a proteção dos criadouros pelas áreas de exclusão da pesca de arrasto, bem como a proibição da pesca industrial dentro dos limites da área denominada “Área de Normatização da Pesca e Turismo”, na zona de amortecimento.

O plano de manejo também estabeleceu uma área estratégica externa, que permite a pesca e o mergulho, dando possibilidades à pesca com redes de emalhe e com zangarilho (pesca de lulas). Ao mesmo tempo em que consiste em uma abertura à pesca, reside também um grande risco à integridade da Reserva, uma vez que o “saco do capim”, região localizada na porção sudoeste da Ilha do Arvoredo, sem uma fiscalização adequada, pode ser um trampolim para a entrada nos seus limites restritos.

TABELA XIX. Zoneamento da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, conforme Plano de Manejo (IBAMA, 2004).

Zona Características/Objetivos Restrições/Normas

Intangível Áreas cujo objetivo é manter integralmente os ecossistemas e a biodiversidade. Preservar o banco de algas calcárias e flora e fauna associadas, comunidades bentônicas.

Nenhuma atividade é permitida, somente a pesquisa científica devidamente autorizada.

Recuperação Áreas antropizadas, em caráter de transição às condições mais restritivas, destinadas a restauração ambiental Autorizado somente atividades de recuperação do ambiente natural, devidamente autorizados. Pesquisas sobre a recuperação do ambiente.

Uso Conflitante Áreas destinadas à navegação, ancoragem em casos de tempestade e para a atuação dos faroletes.

Permitida a arribada (ancoragem em mau tempo) somente se a embarcação não possuir condições.

Uso Especial Áreas necessárias à

administração. Base operacional. Edificações da baixo impacto, exclusivas a administração, mediante autorização do IPHAN.

TABELA XX. Continuação.

Primitiva Áreas com mínima intervenção humana, para preservar a diversidade de ambientes. Garantir uma área sem pressão de pesca para as espécies pelágicas ou migratórias. Preservar a porção emersa das ilhas. Garantir áreas para as espécies de aves migratórias.

Permitida somente a pesquisa, monitoramento e fiscalização.

Uso Extensivo Área com alguma alteração humana, permitindo a educação e interpretação ambiental. Permitida a pesquisa, fiscalização, educação e interpretação ambiental Zona de Amortecimento

Regular os conflitos com atividades presentes no entorno (como a pesca); integrar-se às unidades de conservação e sítios de importância ecológica no entorno, regular a licitação de atividades de exploração de hidrocarbonetos.

Pesca permitida apenas para embarcações menores que 10 TAB

Os pescadores relataram que muitos mergulhadores fazem caça submarina, pescadores amadores e mergulhadores contemplativos adentram nos limites da Reserva, num sistema de “vai e volta”, usando o saco do capim, como parada temporária. Os pescadores comentam que eles podem facilmente fazer isso, devido a alta velocidade das lanchas e do maior poder de mobilidade em comparação com os pescadores artesanais. Além de não concordarem, os pescadores acabam também infringindo as leis, mas ao que parece, a atuação ilegal de pescadores artesanais reduziu drasticamente, principalmente pela atuação da Polícia Ambiental. Esta situação foi bastante relatada pelos pescadores em reuniões do Projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, mesmo estando fora dos limites da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo.

A Polícia Ambiental, por sua vez, não tem alternativa a não ser cumprir sua função, porém os pescadores se sentem “perseguidos” pela atuação sobre estes grupos. De alguma forma, é uma tentativa de “sugerir” que sejam estabelecidas sanções graduais aos infratores, o que, na perspectiva de Ostrom (2005), o primeiro nível seria o de informar e alertar sobre os erros cometidos. Essa não é uma prática trabalhada, até

mesmo porque, na condição de reserva biológica, não há qualquer “flexibilidade” ao uso extrativo.

Parte das infrações dos pescadores sobre a RBMA são reflexo de suas representações sociais sobre a unidade de conservação. Numa pesquisa conduzida durante a realização do Projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, e com apoio da equipe técnica, Vivacqua (2005) registrou diferentes relatos dos pescadores, em que foram manifestadas duas representações importantes:

Em primeiro lugar, a concordância com ações preventivas para a proteção da área denominada RBMA;

A discordância com a categoria “Reserva Biológica”, que exclui o pescador artesanal de praticar as pescarias sazonais.

Ao mesmo tempo, a autora (2005, p. 68) ainda menciona que esta primeira afirmação está relacionada com o “pleno desconhecimento que têm acerca das categorias de unidades de conservação e de todo conhecimento técnico sobre conservação da biodiversidade” – o que na verdade se mostra como uma armadilha analítica de sua própria análise. De fato, os pescadores conhecem bem o significado de Reserva Biológica, quando afirmam que “não pode mais pescar”, ou como Vivacqua transcreveu um dos relatos dos pescadores: “cercaram o coração de Bombinhas”.

Muitas destas análises, como também apontou IBAMA (2004), prendem-se a precisão do conceito de RBMA, conceito este que para um grande número de estudantes das ciências naturais e ciências sociais é tão ou mais impreciso que os pescadores que estão vivenciando este dia- a-dia de exclusão e impedimento da atividade pesqueira. Foi possível confirmar isso, nos diversos debates promovidos pelo projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, onde os pescadores mostraram a sua insatisfação quanto as restrições.

Além disso, as alternativas propostas pelos pescadores, como a pesca dos peixes de passagem, a pesca de lula e a pesca de linha e anzol remetem a uma discussão sobre outras unidades de conservação. Porém, são propostas que divergem do conceito de Reserva Biológica ou Parque Nacional, como tem sido discutido. Por outro lado, seria viável num

contexto de criação de RESEX e RDS. Aí neste caso, falta-lhes o entendimento sobre as Unidades de Conservação possíveis, mas de posse dos usos possíveis, outras opções podem ser levadas a um debate mais qualificado.

Os pescadores faziam uso intenso da área onde atualmente está a RBMA. Não podia ser usada constantemente, uma vez que é uma região perigosa para embarcações pequenas, quando há ameaças ou condições de mau tempo e mar agitado. Mas era uma sensação de garantia de captura que motivava os pescadores a utilizar esta área. É inegável que com o aumento do poder de pesca das embarcações artesanais, condicionadas pelo acesso ao PRONAF, o risco à perda da resiliência desta unidade de conservação provavelmente existiria, tomando por base as condições de declínio já observada pelos pescadores nas áreas adjacentes. Mas há a necessidade de reintegração dos pescadores, seja como pescadores, seja como agentes diretos na manutenção da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo.