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2.2 A retomada da perspectiva homem-na-natureza

2.2.1 Bases históricas da ecologia humana

A civilização Greco-Romana teve papel importante na construção das primeiras teorias a respeito das interações homem/ambiente, especialmente a partir da interação dos gregos com outras culturas. Nestas primeiras teorias, o homem era fruto direto da interação com o ambiente, e associavam vitalidade, capacidade de governar, entre outros, a fatores climáticos e geográficos. Um novo ciclo histórico se forma da Idade Média ao Século XIX, com decadência da hegemonia Romana, porém seguindo a mesma linha de raciocínio, alterando apenas os “ambientes perfeitos”12 (MORAN, 1990).

O autor ainda define outras fases de desenvolvimento da ecologia humana: o evolucionismo, na qual se insere a contribuição de Marx, resultante da “prioridade que ele deu a fatores histórico-econômicos nas mudanças evolutivas” (MORAN, 1990, p. 49), de Darwin e as teorias evolutivas com base nas variações genéticas e o determinismo biológico. Há nesse processo, um “desenho inteligente”, onde

no es una explicación científica porque se basa en la acción de fuerzas supernaturales omnipotentes y la ciencia se basa en hechos verificables del mundo físico real, explicando lo complejo a partir de la evolución, por causas naturales, desde algo más simple, lo cual es más lógico y plausible. Los antievolucionistas evocan la existencia de un Diseñador, que por lógica debe ser complejo y perfecto, lo cual siguiendo el mismo razonamiento, debió ser creado por un Supercreador, aún más complejo y perfecto, y así hasta el infinito. (MOLINA; TAMAYO, 2007, p. 641).

11 Tornou-se necessário mapear uma “trilha” de formação daquilo que é definido como Ecologia Humana Sistêmica, para que tenhamos o cuidado de entendê-la como um dos fundamentos para a teoria dos comuns. Ao mesmo tempo, evidencia-se que não se trata de uma simples fusão da ecologia com as ciências humanas, para a formação de uma nova disciplina. 12 Uma das mais antigas contribuições ao desenvolvimento de tipologias vem do grande historiador e geógrafo árabe Ibu Khaldum. Ele dividiu o mundo e seus habitantes em sete zonas climáticas e tentou analisar a contribuição do clima sobre os aspectos socioculturais. Khaldum considerou os habitantes de climas frios lacônicos e com falta de vivacidade, em contraste com habitantes de climas quentes que eram apaixonados e dados a prazeres físicos intensos. Povos de latitudes médias e temperadas reuniam em suas personalidades o melhor das duas zonas, ou seja, vivacidade e inteligência. (MORAN, 1990, p. 42).

Outra fase é denominada pelo autor como a antropogeografia e o

difusionismo, característica do final do século XIX que trouxe uma

relação entre cultura e aspectos geográficos e, ao mesmo tempo, uma “ressurreição” do determinismo ecológico. O determinismo ecológico (ou ambiental) foi fortemente adotado por muitas sociedades para explicar as relações existentes entre a própria sociedade e outros povos (DAVIDSON-HUNT; BERKES, 2003). A seguir Franz Boas e o

Historicismo Particularista designa um período onde fatores históricos

particulares eram tão importantes quanto fatores geográficos e ambientais, seguido por uma fase de desenvolvimento da Antropologia

Ecológica (MORAN, 1990). No pensamento construído por Boas, era a

cultura e não os aspectos geográficos, os responsáveis pelas diferenças entre as populações, refutando portanto o determinismo ecológico (DAVIDSON-HUNT; BERKES, 2003). Em resumo, esse período denota duas tendências interpretativas da relação homem – ambiente, uma baseada na história cultural como base das explicações desta relações, atribuindo “a capacidade infinita da humanidade em controlar a natureza e até em ignorar as limitações que esta representa”; enquanto a outra, estritamente vinculada às características do ambiente. (MORAN, 1990).

A ecologia cultural protagonizada por Julian Steward e Leslie White é uma outra abordagem que alimentou a ecologia humana. Steward, objetivando analisar as causas das mudanças culturais (DAVIDSON-HUNT; BERKES, 2003) acentuou os debates sobre os processos adaptativos inerentes à complexa relação sociedade e ambiente (BERKES, 1999), desenvolvendo os conceitos de evolução

multilinear e cerne cultural13.

Leslie White introduz à ecologia humana os modelos energéticos, tratando as culturas como relacionadas a: tecnologia, organização social e ideologia, onde a evolução se dá “em função da sua acumulação de energia per capita ou em função da eficiência com a qual utilizam energia.” (MORAN, 1990, p. 61). A seguir, a ecologia de sistemas protagonizada pela família Odum14 (ODUM E.P., 1988; 1997; ODUM H., 1994; ODUM, E.C.; ODUM, H. 1981) teve importantes

13 Para Steward, as sociedades não seguiam uma única linha de evolução, mas um processo descontínuo, com maior ou menor grau de complexidade socioeconômica e controle energético (MORAN, 1990). O conceito de cerne cultural está associado a “todas as características culturais relacionadas à subsistência e economia” (BEGOSSI, 1993).

14 O pai Howard W. Odum e os filhos Howard T. Odum e Eugene P. Odum compuseram uma das famílias mais atuantes no estudo dos ecossistemas e numa consistente incorporação de aspectos sociais aos ecossistemas.

contribuições que são ainda reconhecidas. O conceito de ecossistemas e o uso da linguagem de circuitos energéticos para analisar o comportamento dos sistemas sociais e ecológicos são algumas de suas contribuições.

A ecologia de sistemas também marca um processo de apropriação de conceitos oriundos da ecologia e estudo de ecossistemas para o estudo de populações humanas. Entre eles, o conceito de nicho ecológico (GRINNEL, 1924; HARDESTY, 1975) e de território (KAUFMANN, 1983), utilizados em estudos sobre populações humanas (BEGOSSI, 1995; CORDELL, 1978; DURRENBERGER; PALSSON, 1987; LEVINE, 1984; MEDEIROS, 1997), em diversos grupos culturais e áreas geográficas (BERKES, 1999).

A ecologia evolutiva, a partir de um “enfoque dedutivo, sua modelagem matemática e sua ênfase na seleção natural” (MORAN, 1990, p. 74) distanciou-se da ecologia de sistemas, tratando temas como preferências alimentares (BEGOSSI; RICHERSON, 1992; MATAVELE; BEGOSSI; HABIB, 1995), estratégias para obtenção de recursos (BEGOSSI, 1992; 1997; MEDEIROS, 1997; 2002; SILVANO; BEGOSSI, 2001), como formas de entender a relação entre otimização e adaptação (MORAN, 1990), a partir de enfoques, como a teoria do forrageio ótimo (PIANKA, 1983).

De origem na antropologia cognitiva (BEGOSSI, 1993), a

etnoecologia é uma das áreas que mais concentram estudos na Ecologia

Humana, voltadas para entender as formas de compreensão da natureza, por diferentes populações. Estudos sobre classificação de animais e plantas (BEGOSSI; FIGUEIREDO, 1995; FIGUEIREDO; LEITÃO- FILHO; BEGOSSI, 1997), sobre hábitos alimentares e comportamento de peixes (MARQUES, 1995) são amplamente realizados e, segundo Moran (1990, p. 71), o “ método etnoecológico considera que o conhecimento do homem sobre o ambiente tem um efeito sobre os seus atos”.

Ainda, Moran (1990) descreve que o “entendimento das estruturas cognitivas de uma população é de grande valor para uma compreensão etnográfica e ecológica”.

A etnobiologia busca entender os processos de interação das populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à percepção, conhecimento e usos (incluindo o manejo dos recursos). Ao tratar de diferentes comunidades em ambientes distintos, a etnobiologia é particularista e relativista, no sentido de focalizar uma dada comunidade e seu ambiente, procurando compreender os processos de conhecimento e manejo dos recursos naturais. (BEGOSSI; HANAZAKI; SILVANO, 2002, p. 94.

Para Berkes (1999), a etnobiologia e a ecologia humana não possuem limites claros, e combinam entre si, de maneira que seus praticantes muitas vezes transcendem os limites disciplinares. Atualmente, a etnoecologia tem contribuído para estudos da biologia da conservação, fundamentando inclusive instrumentos de gestão da biodiversidade (GEHARDINGER et al., 2007; DIEGUES, 2000).

A Ecologia humana, portanto, é concebida em uma trajetória confusa, não linear e com tendências disciplinares, apesar de seus esforços de ser entendida como essencialmente interdisciplinar (BEGOSSI, 1993; MORAN, 1990). Dependendo da origem de formação dos conceitos, ou da apropriação de conceitos de outras disciplinas utilizados de maneira inconsistente, provocou a formação de "ecologias humanas", ou de uma ecologia humana “reducionista” (BEGOSSI, 1993). Ainda que muitas dessas abordagens se mostrem incompletas, elas fazem parte daquela que pode ser denominada Ecologia Humana Clássica, e como todos os clássicos, não pode ser abandonada, mas sim compreendida para identificar transformações e adequações que surgiram para a formação de uma Ecologia Humana Sistêmica.