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1.3 Síntese do enfoque analítico

1.3.2 Orientação metodológica

A produção de conhecimento pertinente a uma epistemologia sistêmico-complexa, segundo Morin (2003), está estruturada em quatro pilares: o contexto no qual este conhecimento é produzido e significado; o global, evidenciando a relação entre o todo e as partes; o multidimensional, assumindo as múltiplas dimensões da situação- problema; e complexo, que representa a união entre a unidade e a multiplicidade, a natureza deste conhecimento, rejeitando assim, a perspectiva do pensamento dominante mecanicista.

Os pensamentos fracionais, que fragmentam tudo o que é global, ignoram por natureza, o complexo antropológico e contexto planetário. Mas não basta levantar a bandeira do global: é preciso associar os elementos do global numa articulação organizadora complexa, é preciso contextualizar o próprio global. A reforma de pensamento necessária é a que irá gerar um pensamento do contexto e do complexo (MORIN; KERN, 2003, p. 159).

Por este motivo, a opção metodológica desta pesquisa opõe-se aos desenhos metodológicos de orientação positivista, segundo a qual,

O rigor científico objetualizou, desqualificou, degradou e caricaturizou os fenômenos: para afirmar a personalidade do cientista destruiu a personalidade da natureza. O conhecimento ganhava em rigor e perdia em riqueza. O que esperamos hoje é menos conversa sobre rigor e mais sobre a originalidade para que o conhecimento recupere seu encantamento (GODOI; BANDEIRA de MELLO; BARBOSA da SILVA, 2006, p.5).

Segue-se então uma perspectiva onde o propósito “[...] não é descobrir os objetos absolutos, mas prosseguir a construção dos sentidos da conversação (GODOI; BANDEIRA-de-MELLO; BARBOSA da SILVA; 2006, p. 4), e dessa maneira compreender as diversas visões de mundo (BERKES, 1999) que estão imbuídas no sistema socioecológico

Baía de Tijucas. Nesse sentido, reside na aproximação a uma concepção sistêmica que:

[...] dialoga com o real que lhe resiste. Opera o ir e vir incessante entre a instância lógica e instância empírica; é o fruto do debate argumentado das ideias, e não a propriedade de um sistema de ideias. O racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida é irracional. A racionalidade deve reconhecer a parte de afeto, amor e de arrependimento. A verdadeira racionalidade conhece os limites da lógica, do determinismo e do mecanicismo; sabe que a mente humana não poderia ser onisciente, que a realidade comporta mistério. Negocia com a irracionalidade, o

obscuro, o irracionalizável. É não só crítica, mas autocrítica. Reconhece-se a verdadeira racionalidade pela capacidade de identificar suas insuficiências (MORIN, 2003, p. 23).

Assim, a tese orienta-se por um enfoque interdisciplinar,

participativo e sistêmico (JOLIVET; PAVÉ, 2000). Na opinião de Rolando Garcia (1994), durante a caracterização da problemática socioambiental devem ser mobilizadas variáveis relacionadas ao meio físico-biológico, à tecnologia e aos meios de produção, além daquelas que resgatam a organização social e dinâmica socioeconômica. Desta forma, trata-se de elucidar o cruzamento dos múltiplos processos que se inter-relacionam num sistema que funciona como uma totalidade

organizada, e por conseguinte, constitui um sistema complexo.

Visando assumir essas exigências, o planejamento da pesquisa considerou a construção de uma estratégia de investigação ajustada à complexidade do sistema de co-gestão de recursos pesqueiros na Baía de Tijucas. De acordo com Kooinman; Bavinck (2005), torna-se necessário o uso de novas abordagens metodológicas, como única maneira de superar as limitações dos modelos convencionais de gestão, com viés autoritário e tecnocrático. Tornou-se portanto necessário inovar do ponto de vista metodológico, incluindo as abordagens participativas (BERKES et al., 2001; CHAMBERS, 1994) e que permitissem a troca efetiva de conhecimento entre o pesquisador e aos atores envolvidos no sistema investigado (MINAYO, 2000).

O desenho metodológico resultou de uma combinação entre a etnografia e a pesquisa-ação. Esta integração foi necessária, uma vez que os dados desta tese de doutorado são em grande maioria, resultantes das ações do Projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, da qual fiz parte desde a concepção à execução. Para tanto, cabe defini-las com mais precisão para um melhor enquadramento e justificação da postura metodológica adotada.

A etnografia tem como maior objetivo, segundo Andion e Serva (2006, p. 154) “reconstituir a tessitura do social, indo além do caso social”. Segundo os mesmos autores, “a etnografia fornece um caminho para a leitura dos fenômenos, por meio do qual a complexidade não é simplificada em nome de uma pretensa objetividade (p. 155)”. Andion e Serva (2006), com base em diversos autores e nas suas experiências, sistematizaram os estudos etnográficos, como constituintes de três etapas: a) concepção do campo temático de estudos – referente à contextualização da temática, com base num levantamento teórico e na definição de contornos do cenário inicial, incluindo as experiências do

pesquisador; b) realização do trabalho de campo – compreende a “captação” da realidade local, a partir da leitura dos atores envolvidos e das interpretações originadas no processo de investigação.; c)

elaboração do texto – a sistematização das informações compreendendo as leituras do pesquisador e a representação dos múltiplos atores.

Com vínculo forte à abordagem etnográfica residem as chamadas metodologias participativas, que já se mostram ousadas e alternativas por incluir ao seu nome a ideia de participação. Assumirei aqui o termo

metodologias participativas, como a categoria “guarda-chuva” para envolver a gama de definições que têm sido utilizadas e, que algumas delas, serão aqui apresentadas. Não é uma tentativa de inserção de uma nova terminologia, mesmo porque ela já existe, mas uma opção por um termo mais abrangente para os propósitos deste trabalho.

Portanto, seria importante ressaltar que não existe uma unanimidade no debate sobre as chamadas metodologias participativas. Muitas diferem em sua concepção ética, epistemológica e política (BARBIER, 2002; BRANDÃO, 1999; GADGIL et al., 2000; MORIN, 2004; SILVA, 1991; THIOLLENT, 1999; 2002). Importante ainda distinguir entre metodologia e técnica (BUNCE et al., 2000; MORIN, 2004; SEIXAS, 2005; THIOLLENT, 2002).

Para Thiollent, pela pesquisa-ação, um dos enfoques participativos (2002: 19), (...) é possível pesquisar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação (THIOLLENT, 2002, p. 19). Além de incorporarem um conjunto de abordagens e técnicas alternativas, também descrevem diferentes níveis de envolvimento local e controle sobre o processo de pesquisa (MCALLISTER; VERNOOY, 1999).

A proposta das abordagens participativas reside em transitar … da padronização centralizada à diversidade local, de um projeto pronto [blueprint] a um processo de aprendizagem. Conectado a isso, as mudanças iniciam no modo de aprendizagem. O caminho aqui é distanciar-se dos questionários extrativos e seguir em direção em novas abordagens e métodos para a avaliação participativa em que mais das atividades previamente apropriadas pelos agentes externos passam a ser realizadas pelos próprios sujeitos locais rurais ou urbanos. (CHAMBERS, 1994, p. 953, tradução nossa).

De maneira geral, as metodologias convencionais divergem das metodologias participativas (BERKES et al, 2001; CHAMBERS, 1994; SILVA, 1991; THIOLLENT, 2002; VIEIRA; BERKES; SEIXAS, 2005) nos seguintes aspectos:

Não há participação dos pesquisadores com os usuários na situação observada;

Sempre há distância entre os resultados das pesquisas e possíveis decisões e/ou ações decorrentes;

Os usuários não são atores, apenas informantes em nível de pesquisa, e executores no nível da ação;

O enfoque positivista descarta qualquer possibilidade de incorporação de outras formas de conhecimento, nos rumos das investigações propostas;

Muitas vezes atua de maneira elitista, preferindo os ricos aos pobres, evitando as condições climáticas mais hostis, descartando as condições mais precárias, para evitar envolvimentos e “desconfortos”.