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2.5 Capital social

2.5.1 A natureza do conceito

2.5.1.2 Capital social na pesca

Apesar de seu aparecimento gradativo, o conceito de capital social vem sendo pouco utilizado nos estudos da gestão pesqueira. Recentemente, alguns estudos têm oferecido subsídios relevantes, a exemplo das discussões sobre reciprocidade e cooperação em períodos de crise (SEKHAR, 2007). Outros estudos, apesar de não colocarem em foco analítico o conceito de capital social, tematizam o papel exercido pelas normas formais e informais nas dinâmicas de gestão (AGRAWAL, 2002; BERKES, 2002; OSTROM, 1990, 2005), pelos arranjos institucionais (POMEROY; BERKES, 1997), pelos valores e visões de mundo sobre os ecossistemas e recursos comuns (BERKES, 1999). Todas essas temáticas marcam pontos de referência ao processo de formação do capital social em comunidades.

Grafton (2005) propõe um diagrama esquemático da relação usuários x agências reguladoras para entender a contribuição do capital social na pesca (FIGURA 16). Neste esquema, o capital social atua como uma espécie de “catalisador” dessa relação, aumentando o número e a qualidade dos elos de comunicação entre os pescadores e os gestores (agentes reguladores).

FIGURA 16. Esquema ilustrativo da contribuição do capital social à gestão pesqueira (Adaptado de Grafton, 2005, p. 762). As setas finas representam o fluxo de informações e serviços entre os atores.

Num dos mais recentes estudos sobre a relação entre capital social e pesca artesanal, Sekhar (2007) observou a desintegração das relações e confiança entre o Estado e as comunidades, resultante da aplicação de um modelo de desenvolvimento socialmente excludente e que favorecia o jogo de interesses de grupos externos às comunidades, Da mesma forma, identificou a presença de capital social endógeno (bonding social capital): na divisão e compartilhamento das águas do lago para diferentes grupos de pesca, com o uso de arranjos institucionais tradicionais para a gestão dos recursos pesqueiros; nas tomadas de decisão coletiva; e na resolução de conflitos a partir de mecanismos informais.

Por sua vez, assumindo o capital social como a quantidade e a qualidade das relações existentes entre pescadores, entre comunidades e entre agentes externos, Grafton (2005) entende que o efeito do capital social deve ser analisado a partir da contribuição para a governança dos sistemas socioecológicso. Ela deve considerar a: resolução de conflitos; cumprimento das regras; criação, difusão e troca de conhecimentos; flexibilidade ampliada para adaptar-se às mudanças; presença de comportamentos “lobistas” (rent-seeking behavior – atuação de grupos

em busca de privilégios em detrimento de outros); diversidade de opções de gestão que incorporem a incerteza.

Quando uma comunidade dispõe de capital social, é de se esperar que ela esteja mais aberta à construção coletiva e ao trabalho cooperativo e, portanto, potencialmente mais preparada para assumir processos de co-gestão adaptativa. Ou como define Woolcock (2001), o capital social reside nas normas e redes que facilitam a ação coletiva.

Nessa discussão do capital social para conduzir a cooperação e à ação coletiva, Ostrom e Ahn (2009) propõem um modelo de análise, composto basicamente de cinco macrovariáveis. Neste modelo, o capital social é formado por três componentes: confiabilidade, redes e instituições. Confiança e Ação Coletiva são os resultados (outcomes) esperados quando se aplica este modelo. Estrutura semelhante é proposta por outros autores (PRETTY, 2003; PRETTY; WARD, 2001), que definem quatro componentes básicos a serem levados em conta (1 ): a) relações de confiança (alimentam a cooperação e diminuem os custos

de transação); b) reciprocidade e trocas (trocas de bens e conhecimento

em igual valor ou de maneira continuada); c) regras comuns, normas e sanções (regras em vigor, coletivamente construídas e aceitas); e d) conectividade em redes e grupos (entre membros com mesmos objetivos

em uma comunidade ou grupo social, entre grupos e comunidades; entre grupos e agentes externos).

Woolcok (2000) propõe a “decomposição” do conceito em três componentes: bonding, bridging, linking. Esta proposta é importante se estivermos interessados em melhor entender e acomodar os resultados (outcomes) ou efeitos da existência de capital social numa comunidade. Essas indicações partem de contribuições teóricas, de autores como Robert Putnam (SANTOS, 2006) e, especialmente de Mark Granovetter, com o seu trabalho sobre os laços fortes e fracos (ADGER, 2003; OSTROM; AHN, 2009; WOOLCOCK, 2001). O primeiro (bonding) está associado ao conjunto de relações inerentes aos grupos primários.

Bridging refere-se às relações criadas entre indivíduos ou grupos distantes, mas que compartilham determinadas características, e representa uma metáfora acerca das relações horizontais entre grupos, formando uma “ponte” e reduzindo as distâncias. Finalmente, linking refere-se às relações entre as comunidades e os agentes externos, como o governo, as ONGs etc. Estas últimas caracterizam as relações verticais, entre atores em níveis diferenciados de poder e acesso aos recursos, sendo um elo fundamental na harmonização e troca de informações e recursos.

Partindo da construção de Robert Putnam em seu trabalho

Bowling Alone (2000), Santos (2006) define “bonding” como excludente - grupos ou pessoas parecidas em aspectos importantes e “bridging” como includente – que permite a aproximação de pessoas e/ou grupos diferentes. Para a autora “esta é uma importante distinção, porque os efeitos externos das redes includentes serão provalmente positivos, enquanto redes excludentes (limitadas dentro dos nichos sociais particulares) correm um maior risco de produzir externalidades negativas.” (SANTOS, 2006, p. 22). Pretty (2003) parte destas definições para estabelecer níveis de conectividade, no interior da comunidade, com os agentes externos e entre os agentes externos (TABELA XII).

TABELA XII. Tipos de Capital social, com base nas redes de conexões, baseado em Woolcock (2001) e Pretty (2003, p. 212).

Tipos de Capital social

(Woolcok, 2001) Rede de conexões Definição

Bonding Conexões locais Conexões fortes entre

indivíduos dentro de grupos locais

Bridging Conexões local-local Conexões horizontais entre grupos numa comunidade ou entre comunidades, que podem levar a uma nova estrutura institucional

Linking Conexões local-

externo Conexões verticais entre os grupos locais e os agentes externos (unilaterais ou bilaterais)

Conexões externo-

externo Conexões horizontais entre agentes externos orientadas para ações integradas colaborativas

Conexões externas Conexões fortes entre indivíduos dentro de agentes externos

As instituições, como já foi assinalado anteriormente, referem-se às regras de jogo em curso num determinado sistema. São elas que estabelecem as recompensas e as sanções atribuídas aos atores sociais. Dispondo de capital social, as instituições adquirem legitimidade e fornecem a redução dos custos de fiscalização e monitoramento (OSTROM, 2005; OSTROM; AHN, 2009).

A opção analítica pelos conceitos de “instituições” e “capital social” permite assumir que o “sucesso da co-gestão depende prioritariamente das relações humanas e de arranjos institucionais” (BERKES: ARMITAGE; DOUBLEDAY, 2007, p. 30), incrementando o exercício da governança de sistemas socioecológicos, que trataremos a seguir. A opção por esta abordagem é reforçada também pela ideia de que a dimensão política é condição inexorável para o entendimento das relações homem – natureza. Ao mesmo tempo, é importante compreender o efeito destas sobre as decisões, as simbologias e compreensões, a aprendizagem, as atitudes e as manifestações (PRITCHARD; SANDERSON, 2002).