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1.2 O sistema pesqueiro artesanal da Baía de Tijucas

1.2.1.4 Gestão local dos recursos pesqueiros – problemas e conflitos

A Baía de Tijucas enfrenta dois problemas e conflitos centrais em relação à gestão dos recursos pesqueiros. Por um lado, conflitos relacionados à conservação da biodiversidade. Neste contexto, predomina o enfoque preservacionista, que levou à proibição da pesca na área delimitada pela Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Por outro lado, existem problemas diretamente relacionados à pesca e ao sistema de gestão da pesca (TABELA VI) onde ficam evidenciados os seguintes aspectos: a) falta de fiscalização da atividade pesqueira; b) inadequação da legislação existente; c) “negligência” institucional, especialmente em referência ao setor artesanal.

TABELA VI. Problemas associados à pesca na Baía de Tijucas. Categoria de problemas Situação na Baía de Tijucas sobreexplotação dos recursos

pesqueiros e degradação dos ecossistemas marinhos e costeiros

Percepção dos pescadores sobre o aumento do número de embarcações, número de pescadores e esforço de pesca, que provocaram a redução de espécies de interesse comercial, especialmente camarões e peixes.

Conhecimento incompleto ou ausente sobre a atividade pesqueira artesanal

Primeira proposta de estudo integrativo desenvolvido pelo Projeto Pesca Responsável. Em virtude da presença da Reserva Marinha do Arvoredo alguns estudos já foram realizados na região, mas carecendo de uma perspectiva integrada.

Conflitos entre a atividade pesqueira artesanal e a pesca industrial

Conflitos com a atividade pesqueira industrial dentro da RBMA (por não sofrerem fiscalização). Atuação intensa da frota industrial de traineiras.

Presença de pesca ilegal com isca-viva no interior da Baía, gerando conflitos com a pesca artesanal com redes de emalhe.

Inércia e/ou ineficácia do sistema de gestão de recursos comuns

Conflitos associados ao defeso do camarão. Não cumprimento do período de defeso estipulado e, consequentemente, falta de fiscalização durante o período de defeso na região.

Baixa participação dos pescadores e/ou seus representantes legais no processo de tomada de decisão.

Conflitos entre a atividade pesqueira e a atividade turística

Problemas com atividades náuticas associada ao turismo (pesca esportiva, mergulho, jet-ski, lanchas esportivas, ancoradouro em áreas de pesca).

Carência de uma coletividade (formal e informal) nas comunidades pesqueiras artesanais.

Conflitos de interesse quanto as mudanças no período de defeso dos camarões. Dificuldade de organização dos pescadores – fragilidade das Colônias de Pescadores. Conflitos com as Colônias de pescadores – especialmente por divergências político-partidárias.

Com a criação da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, a pesca havia sido proibida nas Ilhas dentro de seus limites, ao mesmo tempo, que a pesca de arrasto é proibida dentro da zona de amortecimento das unidades de conservação. Em novembro de 2002, teve início o processo de elaboração do primeiro Plano de Manejo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo , transcorridos quase 13 anos desde a criação desta Unidade de Conservação (Convênio FNMA/APRENDER nº 042/02). Com a aprovação do plano de manejo da RBMA, houve algumas mudanças significativas nas regras de uso, especialmente estabelecendo novos critérios para a pesca de arrasto nos limites da zona de amortecimento (conforme FIGURA 3). Tais mudanças são resultantes da participação efetiva da Federação dos Pescadores de Santa Catarina (FEPESC) na elaboração do plano de manejo (IBAMA, 2004), que estava naquele representada pelos presidentes das Colônias de Pescadores de Bombinhas e Governador Celso Ramos, dentre os três representantes para a FEPESC (Wahrlich, com. pessoal).

Portanto, apesar da mudança, permitindo a pesca de arrasto anteriormente proibida nos limites da zona de amortecimento da RBMA, ainda permaneciam outros impactos significativos relativos à atividade pesqueira. Dentro dos limites da RBMA, continuava proibida a pesca nas Ilhas, que era especialmente direcionada à captura de peixes e lulas. Essa condição comprometia fortemente os ciclos produtivos que anteriormente formavam os ritmos das comunidades pesqueiras da Baía de Tijucas.

Vale mencionar também o conflito envolvendo a fixação do período de defeso dos camarões estabelecido pelo IBAMA e o conhecimento ecológico tradicional sobre as espécies capturadas. Para os pescadores, o defeso estabelecido entre março e maio acontece no período errado e deveria ser alterado, especialmente para o camarão- sete-barbas, principal espécie capturada pelas comunidades pesqueiras locais. Este é um dos elementos marcantes da opção tecnocrática adotada para a pesca na região. Neste sistema, a tomada de decisões acaba dependendo exclusivamente de um grande esforço de pesquisa científica (praticamente inexistente), desconsiderando os saberes tradicionais sobre a dinâmica socioecológica no nível local. Outros problemas foram observados na Baía de Tijucas (TABELA VI), com base na experiência acumulada na execução do projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, e foram organizados de acordo com categorizações elaboradas por Vasconcellos; Diegues; Sales (2007).

Em relação à atuação do projeto na resolução dos problemas identificados, o principal resultado refere-se à mudança no período de defeso do camarão-sete-barbas, para o período de outubro, novembro e dezembro. Num primeiro momento, o resultado foi considerado negativo, uma vez que a expectativa dos pescadores era que dispusesse de um período de defeso específico para o camarão-sete-barbas, diferente das demais espécies de camarão (camarão branco, camarão rosa, camarão vermelho e camarão ferrinho). Porém, a Instrução Normativa que determinou as mudanças (IN IBAMA 91/2006) incluiu também o camarão vermelho e o camarão ferrinho.

A decisão deixou os pescadores insatisfeitos, pois essas duas espécies de camarão são pescarias alternativas durante os meses de outubro, novembro e dezembro, quando aconteceria o novo período de defeso. Essa situação foi estabilizada com a retificação da Instrução Normativa emitida pelo IBAMA, em 09 de novembro de 2007.

Em relação à gestão da RBMA, o projeto incidiu de forma indireta. A participação do coordenador do projeto (Prof. Roberto Wahrlich) no Conselho Gestor da UC, além de ter sido um elemento motivador para a escolha desta área para sua realização, também permitiu uma aproximação com os Presidentes das Colônias. Estes últimos costumavam solicitar a assessoria técnica da equipe de pesquisa na elaboração de medidas em relação à pesca e em relação à RBMA.

Por outro lado, permaneceram restritos os espaços para: a) propor alterações/novos arranjos institucionais de gestão e, b) reduzir os níveis de sobreexplotação apontados pelos próprios pescadores. No primeiro caso, nenhuma proposta foi discutida para conceber um arranjo alternativo de gestão do uso dos recursos pesqueiros. Em parte, essa discussão foi limitada pelo próprio desinteresse dos pescadores, que pleiteavam apenas a mudança do período de defeso, mudança esta que certamente não alteraria o sistema de comando e controle. Da mesma maneira, não foi estruturada uma proposta de convivência amistosa com os gestores da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Isto, devido ao volume de ações empreendidas pela equipe técnica do projeto, bem como pelo longo período de inatividade do conselho consultivo da RBMA.

Quanto ao processo de sobreexplotação dos recursos pesqueiros, os problemas relacionados a níveis de esforço (tempo de arrasto, tamanho de malha) influíram pouco na definição de encaminhamentos. A alteração do defeso não implicava em medidas para a redução dos impactos, mas apenas medidas para mudar o período de ocorrência deles, mesmo que protegesse parte da fase reprodutiva do camarão-sete-

barbas. Porém, a mudança do defeso, em período coerente com o conhecimento ecológico e com as reivindicações dos pescadores, não reduziu efetivamente a pesca clandestina.

TABELA VII. Problemas locais e atuação do projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas.

Problemas identificados Resultados/Situação Disputa de espaço com a

pesca industrial – competição por recurso e danificação das redes

Participação indireta do projeto (coordenador do projeto representava a UNIVALI e contribuiu para as mudanças) Problema reduzido, com a aprovação do plano de manejo (aprovado na Portaria IBAMA 81/2004), que exclui a pesca nos limites da RBMA e no interior da Baía de Tijucas. As mudanças foram resultantes da participação e atuação dos presidentes das Colônias de Bombinhas e Governador Celso Ramos, que compõem o Conselho Gestor da RBMA. Há que se considerar que os problemas de fiscalização tiveram poucas mudanças desde então. Operação da frota sem

licença (IN MAPA 5, 18/01/2001; Portaria IBAMA 1203, 17/11/1992)

Participação direta do projeto (compilação de informações sobre a produção pesqueira e dinâmica da frota atuante sem permissionamento, oriunda do Projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas (UNIVALI, 2008) foi anexada aos processos no IBAMA referentes à pesca de arrasto de camarão): Problema parcialmente regularizado com o permissionamento da pesca do camarão (IN SEAP 18/2007) e divulgação das embarcações com permissionamento. Muitos pescadores continuam sem licença de pesca.

Tabela VII. Continuação.

Defeso do camarão

inadequado (posição dos pescadores) e desrespeito ao período

Participação direta do projeto (Diagnósticos participativos e mobilizações realizados) Defeso foi alterado (IN IBAMA 91/2006 e 92/2006), atendendo a vontade da maioria dos pescadores. Pescadores insatisfeitos por incluir o camarão vermelho e o camarão ferrinho, fato retificado somente em novembro de 2007. Essa retificação configura um bom momento para que outros pontos de discussão possam avançar.

Captura de isca-viva no

interior da Baía de Tijucas Não priorizado no projeto, mas também proibida no Plano de Manejo. Proibida a pesca no interior

da Baía (Portaria SUDEPE 51, 26/10/1983)

O plano de manejo continua proibindo a pesca nas porções mais rasas da baía, mas tornou viável a pesca artesanal (arrasto) em algumas áreas, anteriormente proibidas. A Portaria continua em vigor.

Não cumprimento dos tamanhos mínimos de malha e tamanho mínimo de captura

Nenhum avanço.

Art. 4o. DL 99.142/90 – proíbe a pesca de indivíduos jovens na Zona de Amortecimento. Se cumprida tornaria inviável praticamente todas as pescarias..

O plano de manejo tornou viável a captura de indivíduos jovens na pesca do camarão, mas ainda de forma pouco estruturada.

Proibição da pesca na área

que atualmente

compreende a RBMA

aumentou a pressão sobre a porção interior da Baía

Um outro ponto importante refere-se à participação dos pescadores nos espaços de tomada de decisão. Para pensar uma proposta de gestão participativa, ou mais precisamente, uma proposta de co- gestão adaptativa, era preciso exercitar essa nova concepção durante o projeto. Observou-se então, que a participação estava condicionada ao tratamento de assuntos de interesse direto dos pescadores, em detrimento da abertura de espaço de planejamento participativo de ações coletivas. O relatório técnico (UNIVALI, 2008) apontou as seguintes condicionantes da participação restrita dos pescadores:

Observações da equipe técnica – foram fatores limitantes à participação dos pescadores: conflitos existentes no local (defeso e RBMA, principalmente); descrença e desconfiança dos pescadores nas demais instituições, inclusive a UNIVALI, porém com mais ênfase àquelas entidades diretamente ligadas à gestão da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo; insatisfação com a criação do período de defeso para todas as espécies de camarão; fiscalização (abordagem) agressiva de IBAMA e Polícia Ambiental e indistinção de funções entre universidades e órgãos de gestão.

Falas dos participantes das reuniões (pescadores, dirigentes de colônias e demais membros da comunidade), a baixa participação está associada a falta de interesse dos pescadores em participar, pois acreditam que os únicos responsáveis pela mudança são os governantes. Desta forma não há necessidade de participação;

Abordagem adotada nas reuniões – formato acadêmico, apresentação de dados quantitativos. Pouco atraente para os pescadores. Pescadores têm dificuldade em participar em construção coletiva, pois têm a “necessidade” de receber as soluções prontas e em curto prazo.

Em teoria, a participação de pescadores artesanais na construção de mecanismos de ação coletiva está fortemente relacionada ao grau de reconhecimento e incorporação do conhecimento ecológico tradicional nos sistemas de gestão de recursos de uso comum. Essa premissa tornou-se evidente para a equipe de pesquisa. Nas reuniões de

apresentação e discussão “tipo palestra”, as reuniões tiveram participação mínima. Naquelas onde predominou um formato mais dinâmico, especialmente com o uso de técnicas de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), os pescadores participaram mais ativamente e passaram a assumir compromissos mais efetivos na implantação do projeto.

A participação foi uma variável-chave na análise sobre a gestão da atividade pesqueira naquela área. A ausência de participação afetou a resiliência ecológica da Baía de Tijucas – aqui interpretada como a capacidade dos ecossistemas em responder às perturbações provenientes da atividade pesqueira e manter suas funções ecológicas – como conseqüência de ações individuais, em detrimento de ações coletivas, que poderiam estar orientadas para a sustentabilidade ecológica dos recursos comuns e para o ganho de maior autonomia das comunidades pesqueiras. Como não participam dos processos de tomada de decisão, os pescadores sentem-se descomprometidos à elaboração e cumprimentos de regram que permitam a manutenção da qualidade do ambiente marinho.

O desinteresse pela participação pode ser interpretado como uma resposta a três fatores: i) um modelo de governança autoritário, que descarta a interação com os usuários dos recursos (KOOIMAN; BAVINCK, 2005) ii) a negligência por parte dos órgãos de gestão ao patrimônio cultural representado pelo conhecimento ecológico tradicional na formulação das instruções normativas de pesca; e iii) a ineficácia na abordagem de interação com os pescadores artesanais.

Observa-se, a partir das informações apresentadas pelo Projeto Pesca Responsável na Baía de Tijucas, que havia a necessidade de um aprofundamento na análise das informações produzidas. Havia “pistas” de pesquisas para um refinamento teórico, em termos da performance

das instituições ou para perspectivas para a renovação institucional,

e também em termos do capital social presente para a tomada de decisão. Priorizando esta abordagem, duas premissas compõem a base da situação problema desta tese:

O sistema instituído não tem conseguido resolver adequadamente os problemas e conflitos associados à atividade pesqueira artesanal e nem dispõe da capacidade de elaborar cenários sustentáveis para o desenvolvimento da pesca artesanal e das comunidades tradicionais existentes no litoral brasileiro;

Os pescadores artesanais e as entidades que os representam, permanecem ainda hoje à margem do sistema, ou numa condição onde: (a) não encontram o ambiente favorável nem são estimulados à participação; (b) vivenciam o desinteresse dos demais stakeholders por seus conhecimentos e práticas; e (c) não conseguem se ajustar às restrições impostas pelos arranjos institucionais típicos do modelo de gestão da pesca em vigor no Brasil.