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2.4 Da tecnocracia ao diálogo de saberes

2.4.1 A emergência dos processos de co-gestão

A divisão e compartilhamento de responsabilidades entre sociedade civil (incluindo o mercado), usuários dos recursos naturais e agências governamentais vem ganhando diversos rótulos: gestão

participativa, gestão compartilhada, gestão colaborativa, e podem ser definidos em termos de parceria, colaboração e co-gestão (PLUMMER; FITZGIBBON (2004a, b), bem como, desconcentração, delegação, devolução e privatização (POMEROY; BERKES, 1997). Outra definição refere-se a sistemas policêntricos (ANDERSSON; OSTROM, 2008; OSTROM, 2005). Neste trabalho foi adotado o termo co-gestão, que tem sido privilegiado pelos adeptos da teoria dos comuns.

Apesar de não haver uma definição única para o termo, a perspectiva colaborativa de gestão vem sendo assumida como um potencializador para (1) promover o desenvolvimento social e econômico de comunidades; (2) descentralizar as decisões; (3) reduzir os conflitos a partir da democracia participativa. Ao mesmo tempo, melhora as funções de: coleta de dados, decisões logísticas e operacionais, alocação de decisões, proteção dos recursos ameaçados, fortalecimento das regulamentações, melhoria do planejamento de longo prazo e processo de decisão mais inclusivo (ARMITAGE; BERKES; DOUBLEDAY, 2007b).

A parceria designa uma perspectiva normativa, associada à promoção de equidade, democracia e empoderamento; uma perspectiva

corporativa, relacionada à inclusão em programas de governo e políticas; e uma perspectiva instrumental, que foca nas funções dos parceiros. A colaboração, por sua vez, pressupõe o compartilhamento de recursos entre os atores para a resolução de problemas e a interação entre os atores é a base de um processo colaborativo de gestão. A co- gestão é fortemente definida pelas relações de poder estabelecidas, ou seja, não somente o poder de decisão compartilhado, mas o poder de envolvimento dos atores (PLUMMER; FITZGIBBON, 2004b).

O uso deste termo vem sendo promovido de diferentes maneiras, muitas vezes como uma categoria “generalizada” para muitas combinações de interações entre diversos atores sociais. Em algumas destas conceituações, o Estado é pensado como uma estrutura monolítica, negligenciando suas múltiplas faces e, desta forma,

perdendo a perspectiva funcional da co-gestão enquanto um processo contínuo de resolução de problemas (CARLSSON; BERKES, 2005).

Por outro lado, a co-gestão pode ser definida de acordo com os níveis de compartilhamento de poder, de um espectro entre dois extremos, um centrado no governo e o outro centrado na comunidade de usuários (FIGURA 12). Ainda, esta configuração depende: a) das capacidades e habilidade dos usuários; b) do tipo de abordagem (grau de centralização de poder); c) do comprometimento e co-responsabilidade na tomada de decisões difíceis; d) da complexidade das distribuições das tarefas de gestão; e) da fase da gestão em que o compartilhamento é promovido; f) da clareza dos limites; g) do grau de coesão e homogeneidade dos grupos; e h) da cultura política e de normas sociais compartilhadas (SEN; NIELSEN, 1996).

FIGURA 12. Hierarquia dos arranjos de co-gestão. Fonte: POMEROY; BERKES (1997, p. 466. (elaborado por BERKES, 1994).

A perspectiva de co-gestão do uso dos recursos comuns é então assumida como uma alternativa ao modelo tecnocrático de gestão, bem como uma oportunidade para reverter as condições ou resultados deste modelo. Assim,

The practice of resource management, once reserved for technically trained specialists, has broadened considerably to involve a consortium of potential partners, including resource users,

aboriginals persons, private businesses, and citizens (PLUMMER; FITZGIBBON, 2007, p. 38).

Está se tornando cada vez mais evidente o fato de que a gestão da pesca não pode ser concebida sem um processo efetivo de colaboração e cooperação entre os atores, especialmente os pescadores (POMEROY; BERKES, 1997), inclusive enquanto uma das formas para superar os problemas relativos ao colapso dos estoques pesqueiros (SEN; NIELSEN, 1996).

Os sistemas de co-gestão emergiram como um arranjo de parceria usando as capacidades e interesses dos pescadores locais e comunidade, complementada pela habilidade do governo de prover legislação adequada, fiscalização e resolução de conflitos, e outras assistências (POMEROY; BERKES, 1997, p. 465).

Porém, cabe ressaltar que essa divisão de responsabilidade descarta heterogeneidades dentro destas duas grandes categorias. Não somente as comunidades mas também o próprio Estado, o que neste sentido poderia comprometer uma das funções principais da co-gestão, que é ser um processo contínuo de resolução de problemas (CARLSSON; BERKES, 2005). Para Carlsson e Berkes (2005) o ponto

de partida reside na busca de ações para o atendimento a esta função e não está na formalidade da divisão de poder, entendido como resultado.

A co-gestão do uso dos recursos naturais pode ser entendida a luz de seis princípios (NOBLE, 2000), que juntos podem servir de análise da efetividade de uma abordagem cooperativa de gestão:

Princípio 1: a presença de organizações interativas, que permitam a articulação em diferentes níveis institucionais e estrutura que lhe permita ter capacidade adaptativa;

Princípio 2: apropriação e controle local, a partir da descentralização e delegação de poder à comunidade e aos usuários, de maneira a promover ações legítimas e legitimadas de co-gestão;

Princípio 3: suporte da comunidade, envolvendo a participação e o suporte da comunidade para a realização e o cumprimento dos objetivos de gestão;

Princípio 4: processo planejado, a partir da definição de objetivos claros, a visão de longo prazo, baseado em

conhecimento científico e local construído em ambiente interativo entre os atores, capacidade adaptativa

Princípio 5: Diversidade substantiva, que pressupõe ao atendimento a critérios diversificados relativos a – equidade, desenvolvimento econômico (orientado por objetivos sociais) e sustentabilidade;

Princípio 6: Holismo, considerando vários aspectos do processo de co-gestão, que interagem de forma dinâmica, baseado em princípios de inclusão e integração;

Além disso, a co-gestão do uso dos recursos comuns, para se tornar um processo duradouro, deve ser entendida primeiramente como um processo de empoderamento individual e coletivo, que vai além de um “design” institucional e democracia participativa, pois exigem também um processo de educação continuada. Desta maneira, se não há empoderamento, não há co-gestão (JENTOFT, 2005). A promoção da co-gestão dos recursos pesqueiros é também um processo de mudança de atitudes, que podem estimular a aprendizagem mútua entre usuários (pescadores) e gestores (GELCICH; EDWARD-JONES; KAISER, 2005).

Para Jentoft (2005) o conceito de co-gestão da pesca, relacionado íntima e diretamente ao conceito de empoderamento, não pode ser concebido simplesmente pelo suporte teórico das ciências sociais e naturais. É preciso buscar apoio nas teorias da educação, assistência social, saúde pública e psicologia social. O empoderamento, quando atingido aumenta a responsabilidade e o potencial das comunidades para agirem diretamente na proteção e/ou mudança do ambiente. Nesta abordagem, o empoderamento dos atores, é definido como,

Um caminho para aumentar as possibilidades e capacidades da população de ter maior controle sobre suas vidas: o empoderamento aumenta a habilidade do indivíduo de prever, controlar e participar na sociedade (JENTOFT, 2005, p. 2).

Neste sentido, então, Pomeroy e Berkes (1997) indicam três passos que promovem a co-gestão do uso dos recursos pesqueiros: a) o governo estabelece as condições para a co-gestão (pelo menos não impedir); b) os pescadores devem ter o direito de ter acesso aos governantes para expressar suas preocupações e ideias; e c) pescadores precisam ter o direito de se organizar, criar redes e organizações para que seja potencializada a cooperação. Por fim, Berkes (2007) destaca

que não é uma abordagem distinta de outras formas colaborativas e participativas de gestão, porém, ressalta-se a natureza co-evolutiva desta abordagem e “para lidar com processos adaptativos e aprendizagem retroalimentada.” (BERKES, 2007, p. 21).