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Do ponto de vista da economia clássica, a hierarquia é um instituto de natureza firmocêntrica e tem a ver com as diferentes formas de organização e com o processo produtivo das firmas, caracterizador dos sistemas de governança corporativa. Os sistemas de governança podem ser externos e internos. Nos sistemas externos, o direito de propriedade e o controle são frequentemente negociados na bolsa de valores e em mercados de capital líquido, sendo que a dinâmica hierárquica das negociações ocorre via instituições e empresas. Em sistemas internos, o controle e a propriedade quase nunca são negociados nos mercados de capitais, mas por meio de um sistema de propriedade interligado a um setor corporativo não financeiro (grupo de poder econômico familiar) que caracteriza a hierarquia nessas firmas143 (FRANKS; MAYER; ROSSI, 1995 apud RABELO; SILVEIRA, 1999).

A firma é, sobretudo, um ator institucional144 moldado por uma rede de contratos

relacionais estabelecidos entre os indivíduos com finalidade de organizar a produção de forma eficiente145. Também é vista como um tipo de organização146. Esses atores se definem por sua capacidade, estratégias e mecanismos de coordenação (NORTH, 1990), atributos que lhes conferem singularidade para atuar no ambiente dos mercados econômicos.

Ao estudar o capitalismo praticado na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia e no México, Schneider (2013) explica que a dimensão continental e populacional, o nível de desenvolvimento, a diversidade do mercado de commodities e o grau de integração com a economia dos Estados Unidos, somando-se à capacidade dos governos de atenuar os efeitos das

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Franks, Mayer e Rossi (2002) observaram que, na maioria dos países europeus, não só a propriedade permanece concentrada nas mãos das famílias, mas também o controle de gestão é frequentemente mantido com os proprietários. No caso brasileiro, Rabelo e Silveira (1999) partem do princípio de que os grupos de capital nacional são majoritariamente de controle e propriedade familiar, o que faz com que mantenham um rígido controle da propriedade e da maneira como se relacionam com os mercados. Dessa forma, consolidam os grupos de poder econômico. Essa característica, entre outras, é a pedra de toque explorada por Schneider (2013) para dar forma à variedade de capitalismos hierárquicos.

144 Para North (1990), as firmas são os jogadores e as instituições, as regras do jogo (teoria dos jogos). 145 A eficiência, na VoC, tem a ver com o potencial de complementaridade das instituições.

146 Lembramos que nem toda organização se caracteriza como firma. Mas toda firma é considerada uma

complementaridades negativas, são características que conferem singularidade e especificidade a essas economias de mercado. Quatro elementos aproximam essas economias, justificando sua classificação como economias de mercado hierárquico (HME): a) presença de grupos de negócios diversificados; b) presença de multinacionais (MNCs); c) mercado de trabalho segmentado; e d) baixo nível de capacitação e treinamento da força de trabalho. A hierarquia, como núcleo estrutural da HME, está enraizada nos sistemas de relações pessoais (família) e, principalmente, imbricada em redes concretas de relações de mercado.

A hierarquia é um conceito da estrutura de governança da firma, ou seja, um interferente interno do ambiente firmocêntrico, resultado das decisões finais, em que se procura harmonizar interesses na tomada de decisões, buscando-se diminuir os custos de transação (COASE, 1937). Em regra, é um indicativo de integração vertical da firma, que agrega dois ou mais elos em uma cadeia de valor. O objetivo da integração vertical é estratégico, podendo justificar-se pela sinergia, pelo controle das cadeias de distribuição ou pela proximidade com o mercado (HARRIGAN, 2003). Em uma HME, entretanto, a hierarquia regula e ordena muito mais que relações internas de integração vertical. Ela também informa as relações entre proprietários e gerentes, no caso de propriedade concentrada, bem como relações com funcionários, ou seja, aquelas não mediadas por sindicatos, e decisões sobre investimentos em habilidades e treinamento. É ainda evidente nas relações entre empresas, tanto nos setores em que as grandes empresas dominam economicamente os mercados (oligopólio) quanto nas associações, bem como entre setores e fronteiras, em que grupos empresariais e multinacionais compram e controlam empresas que seriam independentes em outras variedades de produção.

No caso das MNCs, a hierarquia pode influenciar o processo de transferência de tecnologia, de capital para investimentos, algumas relações com fornecedores e clientes em cadeias globais de valor. Gereffi e Sturgeon (2005, p. 82) usam o termo “cadeia global de commodities impulsionadas pelo comprador” (buyer-driven global commodity chain) para denotar como os compradores globais utilizam estratégias de coordenação para ajudar a criar bases de fornecimento altamente competentes sobre as quais sistemas de produção e distribuição em escala global são construídos sem propriedade direta. As MNCs entram no mercado ampliando suas filiais, a partir de bases locais, ou adquirem uma empresa estrangeira que atua na mesma linha de negócios. Cadeias globais de valor tendem a ser influenciadas pelo processo de governança, de modo que as relações interfirmas tendem a ser mais verticais do que horizontais, ou seja, mais hierárquicas.

Os Grupos de Negócios Diversificados (GNDs) são a associação de empresas de menor tamanho responsáveis pela realização de grandes negócios na América Latina. Segundo

Schneider (2013), quatro pontos são essenciais para identificar a atuação dos grupos empresariais: a) a maioria é amplamente diversificada em subsidiárias que, frequentemente, têm pouca ou nenhuma relação de mercado ou tecnologia entre si; b) um grupo de grandes empresas mantém controle hierárquico direto sobre dezenas de empresas separadas (empresas menores); c) um pequeno número de grandes grupos empresariais é responsável por grandes parcelas da atividade econômica, estimadas em até um quinto ou mais do PIB; e d) grupos empresariais são, em sua maioria, de propriedade e gerenciados por famílias, geralmente abrangendo várias gerações.

Segundo o autor, os GNDs prosperaram a partir da liberalização e da globalização dos anos 1990 e 2000, quando diversificaram seus negócios como estratégia de mercado. As grandes empresas privadas ampliaram as hierarquias corporativas por meio de fusões e de aquisições de empresas menores e de estatais. Ao lado da governança corporativa, os grupos de negócios diversificados e as multinacionais eram os principais canais de organização do acesso ao capital, à tecnologia e aos mercados.

As empresas familiares também prosperaram, mesmo diante das reformas neoliberais da década de 1990, e, com elas, o reforço da cultura do gerenciamento das firmas pelas famílias, adicionando outra camada de hierarquia às economias de mercado na região. Nos anos 2000, mais de 90% das maiores empresas privadas da América Latina (de um total de 32 empresas estudadas) eram controladas por famílias, a maioria com vários membros da família em posições de alta gerência (SCHNEIDER, 2009).

A hierarquia como elemento estrutural do capitalismo latino-americano decorre de condições e de origens diversas e suplanta as negociações coasianas. Nas HMEs, a hierarquia, frequentemente, substitui ou atenua as relações coordenadas ou de mercado encontradas em outros tipos de economias. Por exemplo, enquanto o treinamento ou a capacitação no trabalho (on-the-job) são mais frequentes nas economias de mercado liberal (LMEs) e mais negociado em economias de mercado coordenado (CMEs), nas economias de capitalismo hierárquico são, muitas vezes, decididos unilateralmente por empresas ou por corporações, com pouca ou nenhuma participação do trabalhador e/ou das representações coletivas e pouco focados nas demandas de capacitação e treinamento do chão de fábrica (SCHNEIDER, 2013).

A hierarquia, como constructo das HMEs, está presente nos mecanismos de coordenação das empresas familiares, em regra, focadas mais nos interesses do grupo familiar do que nas relações de mercado. No chão de fábrica, os problemas surgem desde o processo de capacitação e treinamento – daí observa-se o baixo grau de capacitação e de desenvolvimento de novas habilidades dos funcionários – até a representação sindical. A formação profissional

inconsistente dos funcionários desencoraja o trabalhador a prosseguir na empresa, levando à incidência de contratos de curto prazo e a maior rotatividade da força de trabalho. Da mesma forma, as empresas tendem a concentrar uma mão de obra flutuante e circulante, como ativo disponível para suprir demandas de funcionários em outras empresas do grupo. Essas estratégias acabam reforçando representações sindicais pouco consistentes e fracas, nas quais prevalecem os interesses da classe patronal. A presença de sindicatos fracos e pouco participativos em torno das relações industriais tende a favorecer os interesses das empresas em detrimento da valorização dos direitos sociais trabalhistas. Ricardo Patah147, presidente da

União Geral dos Trabalhadores (UGT) no Brasil, fala em processo de “walmartização da força de trabalho” e na precarização das relações de trabalho que atingem, principalmente, o setor de serviços no país.

Schneider (2013) explica que os sindicatos têm pouca influência dentro da empresa devido aos baixos índices de sindicalização, o que os distancia dos movimentos autônomos e do protagonismo do chão de fábrica. As relações industriais, ou seja, as relações de trabalho, são ainda estruturadas por regulamentações de cima para baixo emitidas por governos nacionais ou impostas por tribunais trabalhistas.

Na dimensão da governança corporativa, complementa o autor, as relações são ainda mais hierárquicas, porque a maioria das empresas é diretamente controlada e administrada por seus proprietários. Em decorrência da natureza particular de seus interesses e da ambiguidade estrutural de sua posição de empresa familiar, esses grupos estão investidos de um poder legitimado pela história das empresas. A relação familiar é um fator, entre outros, presente na determinação da sucessão administrativa, além de garantir assento nos conselhos de administração. Os valores institucionais da empresa estão identificados com a família, prevalecendo-se as tradições da organização.

A hierarquia nas HMEs decorre, ainda, da forte regulamentação da atividade econômica na América Latina, amplamente sujeita ao planejamento, e não ao livre jogo espontâneo das forças do mercado e, também, da interferência de forças corporativistas. Com base em características específicas dos sistemas capitalistas e em padrões de desenvolvimento distintos dos países desenvolvidos, Schneider (2013) desenvolve e justapõe as variedades de capitalismos originalmente criadas148. Segundo o autor, a finalidade das novas tipologias é

147 PATAH, Ricardo. Entrevista com a União Geral dos Trabalhadores (UGT). [Entrevista concedida a] Eliete

Gonçalves Rodrigues Alves. São Paulo, 4 abr. 2018. Ver Apêndice F.

148 São elas: LME-CME (HALL; SOSKICE, 2001), mais duas variedades: Network Market Economies – NME

(Economias de Mercado de Rede); e Hierarchical Market Economies – HMEs (Economias de Mercado Hierárquico).

explicar o comportamento de outras economias nacionais capitalistas contemporâneas, desde suas realidades e especificidades políticas, econômicas e sociais, servindo-se de conceitos e ferramentas “fora do mundo desenvolvido”: “fornece ferramentas conceituais adicionais para analisar o capitalismo fora do mundo desenvolvido” (SCHNEIDER, 2013, p. 21, tradução nossa).149 Para o desenho das novas tipologias, o autor se vale de características intrínsecas de

cada modelo, como um traço identitário das variedades de capitalismo, e dos princípios fundamentais clássicos, por exemplo, os mecanismos de alocação de recursos, e como são operacionalizados pelas economias nacionais: os mercados (LME), a negociação (CME), a confiança (NME) e a hierarquia (HME) (SCHNEIDER, 2013).

Para prosseguir com esta abordagem, seguimos os posicionamentos do autor. Primeiro, entendemos que nem todos os países de desenvolvimento tardio têm capitalismo hierárquico, tampouco o capitalismo hierárquico pode ser considerado uma consequência necessária dos baixos níveis de desenvolvimento dos países. Por exemplo, fora da América Latina, as características centrais do capitalismo hierárquico também parecem proeminentes em países de renda média. Em termos de condições específicas que afetam os mercados de trabalho, como a relação da firma com os sindicatos, a precarização, a atomização das relações de trabalho, a informalidade, entre outros subtemas, trazemos aqui um postulado da variedade de capitalismo hierárquico segundo o qual os mercados de trabalho na HME (SCHNEIDER, 2009) são distintos e não caracterizam, per si, uma subvariedade de economias liberais ou coordenadas.

Essa lógica fundamenta o campo teórico-metodológico que estrutura a HME, por conferir autonomia ao seu objeto de estudo em seu sentido mais amplo – as economias hierárquicas de mercado, nas quais as relações de hierarquia sobrepujam tanto os mecanismos de coordenação quanto os mecanismos de mercado.

Sobre o alcance da abordagem teórica, o autor esclarece que, apesar de ter desconsiderado certas especificidades e diferenças importantes em relação à continentalidade e ao grau de desenvolvimento das economias nacionais latino-americanas e da região como um todo, inclusive em relação às instituições, o objetivo não foi o de esgotar os debates, tampouco engessar conceitos. Pelo contrário, para o autor, trata-se de uma oportunidade para repensar as agendas de pesquisa das Variedades de Capitalismo e induzir o avanço e o refinamento da teoria para melhor compreensão das vicissitudes e das realidades da região (SCHNEIDER, 2009).

A tipologia quádrupla oferece várias vantagens em relação às formulações anteriores, baseadas no binômio LME-CME, principalmente em termos de ferramentas conceituais novas.

149 No original: “[...] it provides additional conceptual tools for analyzing capitalism outside the developed world

A estrutura da HME define-se pela ideia de hierarquia, mas com foco em quatro dimensões analíticas entrelaçadas e distintas. A delimitação é apenas conceitual e não implica que todos os países são ou se dirigem para uma das quatro variedades propostas ou que não compartilhem elementos em comum, mas que podem ser estudados e compreendidos com lentes mais específicas e convergentes. Como exemplo de especificidade, podem-se citar os setores de serviços em expansão na maioria dos CMEs e suas características mais liberais do que coordenadas (SCHNEIDER, 2013).

Apesar das diferenças entre as economias nacionais latino-americanas, Schneider (2013) considera que a região é marcada por uma única variedade de capitalismo. No caso, a variedade hierárquica, observando-se o conjunto de variáveis estudadas, condensadas em quatro dimensões complexas, multidimensionadas.

Os aspectos centrais do capitalismo hierárquico na América Latina se manifestam de forma homogênea; contudo, especialmente em termos de extensão territorial e de desenvolvimento, existem grandes variações dentro região, por exemplo, no que diz respeito a commodities150 e grau de integração com a economia dos EUA. As economias da Argentina, do Brasil, do Chile, da Colômbia e do México são consideradas casos emblemáticos151 sobre os quais são desenvolvidos os pressupostos teóricos da VoC, no recorte da variedade hierárquica (SCHNEIDER, 2013). Os elementos comparativos e diferenciadores entre as variedades LME, CME, NME e HME são descritos nos Quadros 2 e 3.

150 Para mais informações, consultar a pesquisa A Construção de Vantagens Competitivas Dinâmicas a partir das

Commodities (BELLUZZO, 2014, p. 17), cujo foco é a necessidade de o Brasil avançar na “construção de

vantagens competitivas dinâmicas nos setores commodities”. A principal base de argumentação tem por referência o fato de que a economia de commodities vem se ampliando por força do progresso técnico: “o espaço de geração de inovações e externalidades para as atividades produtivas internas às empresas, principalmente em tecnologias de processo, e em toda a cadeia econômica e de conhecimentos a ela associada”.

151 A análise realizada por Schneider (2013) enfatiza as semelhanças entre os maiores países da América Latina,

com ressalvas à variação ou às diferenças entre as economias nacionais da região. Quanto à não apresentação de uma análise de todas as economias latino-americanas, o autor explica que os dados coletados não foram suficientes para uma classificação de todos os casos.

Quadro 2 – Variedades de capitalismo (VoC) – LME e CME

Fonte: Elaborado pela autora; adaptado de Schneider (2013, p. 23-29).

Quadro 3 – Variedades de capitalismo (VoC)

Fonte: Elabora pela autora; adaptado de Schneider (2013, p. 23-29).

Entre as premissas estabelecidas para a categorização das HMEs, destaca-se o sistema de governança corporativa, majoritariamente de controle e propriedade familiar. Isso não implica, necessariamente, o envolvimento direto da(s) família(s) proprietárias na gestão dos negócios do grupo, tarefa que pode estar a cargo de grupos de executivos profissionais (SCHNEIDER, 2013). No entanto, em regra, as famílias proprietárias exercem diretamente a

gestão da propriedade do grupo. Esses sistemas podem mudar quando, por exemplo, ocorre a venda da empresa, historicamente ou tradicionalmente mantida sob o controle das famílias empresariais; assim, os sistemas de governança antes concentrados, podem adotar formas mais abertas; quando a “propriedade das famílias fundadoras é rapidamente diluída”, o que altera também os sistemas de governança corporativa (FRANKS; MAYER; ROSSI, 2002, p. 24).

Em estudos sobre as empresas brasileiras, caracteristicamente familiares, observou-se que tais corporações assumem a forma de grupo econômico – grupos econômicos familiares, com estrutura tradicionalmente familiar. No caso brasileiro, a expansão dos grupos de poder pode envolver o controle da propriedade de várias empresas, adquiridas em relações fechadas (acordos com outros grupos). A maioria das empresas é de capital fechado; quando de capital aberto, são controladas por empresas do tipo holding, moldando uma cadeia hierárquica em termos de governança e de controle de propriedade nas mãos de famílias. A formação de holding companies traz mais autonomia para as empresas e, ao mesmo tempo, reduz o custo trabalhista (RABELO; SILVEIRA, 1999).

Dessa forma, um dos pontos característicos das HMEs é que as firmas guardam como especificidade a forte presença das famílias e a ausência de bancos e/ou outras instituições financeiras nos sistemas de governança corporativa, como ocorre nas CMEs. Em uma HME, a hierarquia regula e ordena muito mais do que apenas relações internas de integração vertical, já que dá sustentação às relações entre proprietários e gerentes (propriedade concentrada), bem como relações com funcionários que, em regra, são pouco mediadas por sindicatos. A hierarquia também define a tomada de decisão sobre investimentos em habilidades e treinamento.

A hierarquia é um instituto evidente nas relações estabelecidas pelos grupos empresariais familiares, tanto nos setores em que as grandes empresas dominam economicamente, caso dos oligopólios152, quanto nas associações com outras empresas

(fusões), além dos setores e das fronteiras nos quais grupos empresariais multinacionais compram e controlam empresas. As hierarquias substituem as relações que em outras variedades de capitalismos seriam mediadas por mercados, redes ou coordenação.

Empiricamente, a hierarquia é mais comum em países em desenvolvimento. Para Schneider (2013), a presença de grupos empresariais diversificados e de empresas

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A figura dos oligopólios na América Latina remonta, especialmente, o período pós-Segunda Grande Guerra. Com a chegada de atores internacionais, a região mergulha numa nova forma de divisão internacional do trabalho e, sobretudo, testemunha a mesma lógica imperialista em que a especialização vem do centro, produzindo conhecimento científico e tecnológico, e a periferia é o mercado consumidor. Ou seja, reproduz-se o modelo centro-periferia, desta vez, pautado pelo caráter mundial das corporações internacionais – multinacionais ou transnacionais (SUNKEL, 1972 apud KAY, 2018).

multinacionais, uma força de trabalho com baixa qualificação e relações de trabalho atomizadas, ou seja, curtas e instáveis, são dimensões que, ao serem analisadas sob os aspectos da governança corporativa da empresa e das relações de trabalho, suplantam as cinco esferas de relações estratégicas propostas por Hall e Soskice (2001) no modelo inicial da VoC.

Se, por um lado, as relações hierárquicas são a marca ou o elemento essencial das HMEs, essas relações deixam evidentes as deficiências dos modelos das empresas nos países latino- americanos. O controle familiar tende a inibir o crescimento das empresas, especialmente porque dificulta o acesso ao financiamento externo. Como consequência, surgem retardos nos processos de modernização das corporações e na reestruturação do sistema de gestão. Ainda, esses sistemas de controle sujeitam-se à aplicação dos direitos sucessórios, ou seja, se houver a transmissão da propriedade aos herdeiros, pode-se ter o desmonte das estruturas de controle e a dissolução dos grupos, o que fragiliza o sistema de governança corporativa (RABELO; SILVEIRA, 1999).

Na variedade hierárquica, o grau de subordinação da organização do investimento e do comércio ocorre segundo a determinação dos blocos controladores. Schneider (2013, p. 26) explica que “as empresas [nos países da América Latina] têm donos ou blocos controladores; ou seja, não se podem comprar empresas na bolsa [hostile takeover are rare or unknown]”. Além disso, “os recursos para investimento derivam dos grupos econômicos que juntam capital dentro das empresas do mesmo grupo”. No caso das multinacionais, os investimentos vêm da sede da empresa153. No caso das multinacionais, os investimentos vêm da empresa-sede154. Caracterizada pela integração vertical,155 a forma dominante de governança hierárquica é o controle gerencial concentrado nos grupos de poder econômico que, em regra, são empresas familiares; a governança corporativa subordina-se a um centro único de decisões. Como esses grupos são, sobretudo, regidos por laços familiares, guardam uma espécie de hierarquia familiar em suas relações internas, mas também nas relações com agentes externos.

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Há três possibilidades de internacionalização da produção: por exportação, por cessão de patentes ou por