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O welfare state inspirou e continua inspirando a formação de um vasto campo teórico, cujas vertentes, com seus esquemas de argumentação, tentam explicar as causalidades do surgimento e das mudanças do fenômeno. Se, por um lado, analisamos os registros das condições ou requisitos que o transformaram em experiências temporais do passado, por outro lado somos desafiados a perseguir a sua trajetória, como se o welfare state, por si só, fosse um corpo social e político autônomo.

Enquanto conceito histórico, o Estado do bem-estar social enfrentou diversos processos de ressignificação, impulsionados pelas mudanças sociais, econômicas e políticas em sua trajetória, sobretudo devido a sua base formativa, os elementos mínimos – Seguridade Social, cidadania e custos sociais. Outras variáveis passaram a ser utilizadas para explicar as experiências de welfare, contudo, este núcleo analítico mantém a sua integridade, como uma pedra angular; é passível de mudanças em seu conteúdo intrínseco – em cada unidade representativa, mas não na sua forma como um todo.

Pensamos o welfare state como um fenômeno multifacetado e multidimensional. Sua análise pode se dar a partir de várias perspectivas. Com isso, a possibilidade de se criarem categorias ou tipologias desde visões distintas do saber confere ao welfare state, enquanto

objeto de investigação e de crítica, várias possibilidades de interpretação: o viés desenvolvimentista/estruturalista; o welfare evolucionista – próprio dos processos descontínuos41; e, por que não dizer, a possibilidade de um welfare state revolucionário, numa acepção de considerar elementos de bem-viver, desde a visão dos povos tradicionais.

O welfare state ao qual nos referimos não comporta classificações determinísticas ou um só modelo explicativo; deixa, pois, espaço para o agir, desde uma delimitação metodológica42. Há várias correntes teóricas que estudam empiricamente o welfare state; para esta pesquisa, vamos nos ater aos esquemas analíticos e aos campos teóricos elaborados por Esping-Andersen (1990) e aos modelos de Titmuss (1958; 1965). O trabalho de Wilensky e Lebeaux (1965) sobre os impactos da industrialização no desenvolvimento de programas sociais nos Estados Unidos43 abriu caminho para as pesquisas sobre os welfare contemporâneos.

Os autores argumentam que a conversão da concepção residual de bem estar-social para a institucional foi uma resposta funcional às necessidades de uma sociedade na qual todos, voluntária ou involuntariamente, se tornaram dependentes da provisão social, o que poderia ser substituído por um sistema mais abrangente de serviços universais.

Para Wilensky e Lebeaux (1965), as razões do surgimento de programas sociais é a mesma em todos os países com alto nível de desenvolvimento industrial, condição necessária para os gastos sociais. Quanto mais ricos os países se tornam, mais semelhantes se tornam em relação à ampliação da cobertura da provisão social. Nesse sentido, “as mudanças sociais são os determinantes principais dos problemas sociais, os quais, por sua vez, criam a demanda por serviços de welfare [...]” (WILENSKY, 1965 apud MIDGLEY; TRACY LIVERMORE, 2000, p. 17). As demandas sociais são, assim, avaliadas sob a ótica dos gastos sociais. Mas essa é uma visão simplista do welfare, que não se resume apenas à contingência de gastos sociais. O modelo de análise de Wilensky se funda nos gastos sociais como variável explicativa dos welfare states industrializados.

41 Gerschenkron (2015) aponta a falta de simultaneidade nos processos de desenvolvimento, o que impede avanços

amplos em muitas linhas de atividades que acabam se tornando interdependentes no e do processo de desenvolvimento. Dessa forma, não há como pensar em um processo homogêneo para todas as nações.

42 Para Arretche (1995) o welfare state é um fenômeno. Por isso, mais do que ordenar as teorias que o classificam,

melhor seria identificá-las por sua influência sobre as pesquisas e os debates acerca da natureza do fenômeno. A autora organiza um campo teórico explicativo, com argumentos centrais que caracterizam as diferentes correntes, por campos de diferentes saberes e pensamentos.

43 Análise de Wilensky e Lebeaux (1965) tenta explicar os diferentes níveis de gastos em 22 países desenvolvidos

e os tipos de organizações administrativas desses países. Em 1975, Wilensky compara a evolução do gasto social 64 países. Para Arretche (1995), Wilensky ficou refém das variáveis e correlações estatísticas, pouco explicando sobre seu objeto de investigação.

Utilizando as análises de Marshall (1965) sobre os três elementos constitutivos da cidadania, Wilensky (1975) define o bem-estar social como um direito político, e não como uma condicionalidade derivada da situação de pobreza. Para o autor, a ideia de bem-estar social está na institucionalização dos direitos sociais e da contrapartida do governo no compromisso com padrões mínimos de participação do indivíduo na riqueza coletiva por meio de renda, alimentação, saúde, habitação e educação a todos os cidadãos. Em ambos os modelos, os gastos sociais são a variável explicativa da causação e da expansão do Estado de bem-estar social. Para o autor, o welfare state é de responsabilidade do Estado, que deve garantir uma proteção mínima social em níveis básicos de renda que devem ser vistos como direito, e não como caridade.

Os modelos de bem-estar social residual/institucional desenhados por Wilensky e Lebeaux (1965) foram retomados por Titmuss (1968, 1974) na análise dos tipos de provisão de bem-estar social nos países desenvolvidos. O autor desenha um modelo de provisão seletiva e universal (tipo de cobertura) similar ao de Wilensky e Lebeaux, ao qual acresceu o critério da distribuição dos benefícios, modelando três tipologias de welfare state: residual, institucional (industrial) e distributivo. Nesse modelo, o desenvolvimento do welfare state é consequência dos estados de dependência derivados das necessidades naturais dos seres humanos – a infância, a velhice, a doença. Titmuss acrescenta que a origem dos programas de bem-estar social está também na complexidade da divisão social do trabalho, consequência do processo de industrialização, e na dinâmica social que transforma expectativas individuais e/ou sociais em necessidades, de modo que, ao se criarem novas dependências, surge também a necessidade de se ampliarem os serviços sociais, os quais são “designados para resolver as necessidades e garantir a sobrevivência da sociedade ou de um grupo de pessoas, cujas necessidades são reconhecidas por toda a sociedade” (TITMUSS, 1963, p. 39, tradução nossa).

Nos modelos contrastantes de política social de Titmuss (1965), a “Política Social” comporta interpretação extensiva (interpretação alargada), e os governos teriam liberalidade de implementar políticas sociais diversas, com impacto direto no bem-estar dos cidadãos, fornecendo-lhes serviços ou renda. Os mecanismos de provisão social sugeridos no modelo são o seguro social público, de caráter nacional, a assistência social, os serviços de saúde e bem- estar, incluindo política habitacional. O Estado é colocado como peça-chave do bem-estar social; como instituição coletiva, representa seus cidadãos, incorpora sua vontade e dá expressão aos seus desejos coletivos de cuidar uns dos outros.

Tanto os modelos residual e institucional de Wilensky e Lebeaux (1965) quanto, posteriormente, o modelo desenvolvido por Titmuss (1974) se preocuparam em criar tipologias de welfare state com base na caracterização dos arranjos de bem-estar social, ou seja, eram

modelos descritivos. Como explica Midgley (2003a), no sentido normativo, o modelo residual entende que as instituições de bem-estar social do governo só devem entrar em vigor quando o esforço individual, o apoio familiar, o mercado e os sistemas de bem-estar não formal falham em atender às necessidades humanas. Dessa forma, a atuação do Estado no bem-estar social é condicionada, direcionada e limitada.

O residualismo exige que as disposições do Estado sejam condicionais, orientadas e limitadas. Por outro lado, o modelo institucional propõe que programas sociais do governo sejam universais, generosos e, em última análise, “institucionalizados” no tecido cultural das sociedades modernas (MIDGLEY, 2003a). Para o autor, havia um propósito normativo implícito de declarar a superioridade do modelo institucional sobre a abordagem residual.

Para Marshall (1967), os determinantes do welfare state com base no conceito de cidadania são multidimensionais: a primeira esfera de organização do bem-estar social, ao menos no modelo inglês, tem nos direitos civis sua base. Os direitos civis estão relacionados com a liberdade individual e com os direitos de propriedade. Em um segundo momento, somaram-se à noção de cidadania os direitos políticos, que condizem com o direito de participação no exercício do poder político. Por fim, agregaram-se ao modelo em construção os direitos sociais, que correspondem à participação do cidadão na riqueza socialmente produzida pelo Estado e pela sociedade. Esse conceito obedece a uma lógica progressiva (evolucionista) na qual as mudanças sociais – democratização da sociedade – e a industrialização levaram à incorporação dos direitos políticos e sociais à esfera civil. Segundo Marshall (1967), a cidadania acompanha uma ideia de evolução histórica e progressiva de incorporação dos direitos sociais e de uma ideia de políticas igualitárias do século XX. O modelo de welfare state inglês se organizou a partir das demandas dos cidadãos; porém, esse processo avançou após o reconhecimento de que as políticas sociais adotadas e reproduzidas desde o século anterior, como as poor houses e as workhouses, eram motivo de vergonha para a sociedade inglesa. Assim, tanto a sociedade quanto o Estado foram partes necessárias para a evolução dos direitos sociais na Inglaterra.

Os argumentos de Marshall se fundam em três pilares: papel das instituições para o provimento de serviços sociais, argumento retomado pelos neoinstitucionalistas; evolucionismo ou lógica natural da ordem social; e papel da política social, o qual tem como objetivo não a promoção da igualdade, mas a minimização das consequências do desenvolvimento do sistema capitalista de acumulação do capital. Portanto as políticas sociais assumem um papel compensatório no processo de desenvolvimento industrial do século XX.

Em Marshall (1965, 1967), o institucionalismo está na concepção de que os direitos sociais legitimam a assistência do estado. O autor argumenta que o histórico de lutas pelos direitos civis e políticos no século XX culmina com a ideia de cidadania social, resultado da fusão dos direitos sociais no conceito. Dessa forma, pessoas que estão em situação de pobreza, sem atendimento à saúde, inadequadamente alimentadas, sem acesso a educação e habitação, não podem ser consideradas cidadãs, no sentido material do termo. O Estado, portanto, deve assegurar que todos os membros da sociedade tenham um rendimento adequado, cuidados de saúde, educação, habitação e outros bens sociais. Como esses direitos decorrem de disposição legal, caberia ao Estado criar mecanismos que garantissem sua implementação. Isso envolve o desenvolvimento de programas sociais extensivos e a institucionalização da responsabilidade do Estado de bem-estar social (MIDGLEY, 2000).

Wilensky e Lebeaux (1965) e Titmuss (1958, 1963, 1965) concordam que as políticas de bem-estar social originaram a necessidade de se atenuarem os efeitos negativos das modificações engendradas pela lógica capital-mercado-trabalho. Apesar de coadunar com a ideia de que o welfare state surgiu no contexto da industrialização, Marshall (1967) entende também que direitos sociais nascem da ampliação progressiva e natural dos direitos políticos (evolucionismo dos direitos sociais), de modo que a crescente igualdade política deriva da construção de políticas sociais minimizadoras das desigualdades econômicas, argumento que coloca o campo social no centro de seus debates44.

O institucionalismo dominou a política social na Europa, na América do Norte e em outras nações industrializadas durante as décadas intermediárias do século XX. Somando-se às políticas econômicas keynesianas, ao planejamento ambiental e outras formas de intervencionismo, legitimou a expansão dos programas sociais e o rápido aumento das despesas. Nesse sentido, exerceu uma poderosa influência sobre os formuladores de políticas sociais e administradores, além de facilitar um consenso político sobre o bem-estar durante as décadas do pós-guerra, que só foi desafiado com sucesso na década de 1970 e, finalmente, dissolvido na década de 1980 (MIDGLEY, 2003b).

Nas décadas de 1960 e 1970, a noção de um welfare state vinculado ao crescimento econômico – o welfare desenvolvimentista – ganharia força novamente com as ideias de Myrdal (1962). O economista, coordenando um grupo de especialistas do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, aprovou uma resolução que enfatizava o caráter inter-relacionado dos fatores econômicos e sociais e a importância de incorporar o desenvolvimento social ao

44 Wilensky e Lebeaux (1965), Titmuss (1958, 1963, 1965) e Marshall (1965, 1967) se filiam à ideia de que o

desenvolvimento econômico para alcançar uma melhor qualidade45. Contudo, as iniciativas do Conselho não avançaram devido à crise econômica de 1970, que atingiu as economias mundialmente (KWON, 2005b). O tema voltaria nas décadas seguintes46 (MIDGLEY, 2000) e endossaria as diretrizes dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho e o Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social.

Na década de 80, as agendas políticas da direita discursavam negativamente em relação ao Estado de bem-estar social. A renda estagnada e as dificuldades econômicas na década de 1970, segundo esse campo político, derivava, principalmente, dos gastos altos do governo com o sistema de bem-estar social, considerado “excessivamente generoso”. Esse descontentamento contribuiu para o surgimento de uma forte oposição política, notadamente nos Estados Unidos e no Reino Unido, com a imposição de cortes nas políticas sociais, particularmente nos benefícios orientados para os pobres (GLENNERSTER; MIDGLEY, 1991). Essas mudanças seguiriam influenciando as políticas sociais nos anos seguintes.