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As inovações adotadas na fase formativa e as mudanças introduzidas na fase de consolidação foram fundamentais para que o Estado do Bem-Estar Social experimentasse o que ficou conhecido como golden age (GOUGH, 2000), que foi de 1945 até meados de 1975, período em que havia intensa expansão das instituições e de países que adotaram seus modelos de welfare state (PIERSON, 1996a). Também nesse período, o Estado capitalista passou a exercer um papel decisivo na regulação da economia e da sociedade, tornando-se a principal fonte de provisão e de financiamento do bem-estar social. À exceção dos Estados Unidos, os países do ocidente estiveram comprometidos com a garantia do pleno emprego, a cobertura

36 Para Hobsbawm (1979, p. 146), “a lógica da guerra antifascista acabou conduzindo a esquerda”.

37 A Grã-Bretanha enfrentou uma taxa de desemprego em torno de 10% em 1920, somando, em 1929, 1.400.000

desempregados, o que levou John Keynes a criticar a política econômica britânica do entreguerras por restabelecer o padrão-ouro na mesma paridade no período anterior à Primeira Guerra Mundial, com impactos negativos para a indústria, além de estimular o desemprego e a redistribuição de renda em favor da classe rentista.

38 Uma forma tradicional de estudar os tipos de welfare states é contrastar os modelos beveridgiano e bismarckiano.

O primeiro baseia-se nos princípios sociais e se mantém pela receita fiscal, de modo geral; no segundo, a cobertura é um direito legal para todos os residentes legais (PIERSON, 1996). Dessa forma, o princípio da legalidade também orienta a acepção de coesão social, do solidarismo e do universalismo. Com desconto direto na folha de pagamento, modelos de welfare bismarckianos se caracterizam pela ideia de manutenção do emprego (caráter preventivo); contudo, dependem do status do trabalho e acabam sendo mais excludentes.

universal de serviços sociais – saúde e educação –, e o estabelecimento de um mínimo de proteção social à população (PEREIRA, 2010). Proteção social esta que somente seria democratizada no Brasil a partir da década de 1980.

Como coloca Offe (1984), as políticas keynesianas deveriam promover o crescimento econômico e o pleno emprego. Contrapondo-se às consequências dessas políticas, o welfare state deveria proteger os afetados pelos riscos e pelas contingências da sociedade industrial, conformando-se em medidas de igualdade social. Contudo, enquanto o desemprego e o subemprego aumentavam no contexto de uma crise econômica39 (STRECK, 2012), diminuía, progressivamente, o apoio político ao Estado de bem-estar, de modo que, para o futuro, os pilares de sustentação do bem-estar contemporâneo dependeriam, principalmente, de fatores econômicos. Protagonistas de uma nova ordem econômica, os Estados ainda precisariam vencer a reorganização do modelo capitalista e a desradicalização ideológica, o que se efetivaria, principalmente, após 1989.

Não à toa, os direitos sociais protagonizaram nos anos 1980 um retrocesso histórico. Os danos produzidos pelas investidas neoliberais40 nas instituições de proteção ao bem-estar social

desaguaram numa crise “civilizatória global” (MARTÍNEZ DE PISÓN, 1998). A alternativa possível para o resgate seria uma (re) legitimação do welfare como recurso libertador e emancipador. Para impedir o retorno do Estado mínimo, que já se fazia presente com os cortes nos gasto sociais, era necessário pensar os direitos sociais desde o campo dos direitos individuais, vinculando-os ao valor da liberdade. Era uma visão das necessidades humanas e básicas no marco dos direitos de cidadania, mas nas dimensões indisponíveis do direito. Seria, pois, avançar do campo formal para a realização dos direitos sociais. A liberdade, assim pensada, rejeita o individualismo próprio da “liberdade negativa”, que suprime, fragmenta e nega o direito em sua capacidade de ação e atitude concreta em prol do bem estar dos cidadãos. Kerstenetzky (2012) enfatiza que, de maneira conjunta, os 30 anos do pós-Segunda Guerra testemunharam a queda das desigualdades sociais e econômicas e a diminuição da taxa de pobreza em todos os países centrais; na estrutura do emprego, introduziu o viés pró-público, pró-serviços sociais e pró-gênero. Além de provedor das políticas sociais, o Estado do bem- estar se tornou um dos maiores empregadores em vários países – o caso inglês é um bom exemplo. A expansão do Estado de bem-estar social pode ser observada desde a ampliação dos

39 Para Offe (1984), desemprego e subemprego nas sociedades capitalistas designam fenômenos de massa e

atingem grandes proporções em termos de vulnerabilidades.

40 Para os discursos neoliberais, a função da política social no desenvolvimento econômico é menos importante do

programas que constituíram o seu núcleo formativo até a cobertura, antes focada nos trabalhadores e nos pobres, que passou a ser caracterizada pela universalização.

Foi um período propício para o aprofundamento vertical dos programas, com ampliação da cobertura e dos benefícios e a ampliação horizontal de programas e das políticas de terceira geração, como os benefícios monetários para as famílias. A elevação do patamar dos gastos sociais passou do intervalo entre 10% e 20% do início de 1950 (logo após a Segunda Guerra Mundial) para 25% a 33% na década de 1970. Esse período ficou marcado como desenvolvimentista, caracterizando também as experiências de bem-estar social então implementadas (KEOHANE apud KERSTENETZKY, 2012).

Segundo Kerstenetzky (2012), as mudanças do paradigma internacional da política social na defesa dos direitos sociais favoreceram o cenário expansionista do Estado de bem- estar na golden age. Nesse sentido, é importante destacar a institucionalização de documentos normativos e principiológicos, como o Atlantic Charter, de 1941; o State of the Union Address, de 1941; a Philadelphia Declaration, de 1944; e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, na orientação das políticas de garantia dos direitos sociais para novas concepções de bem-estar social, de feição multidimensional.

Pereira (2013) sintetiza que a maturação do Estado de bem-estar social teria sido fruto de experiências amargas que antecederam a Segunda Grande Guerra (a crise de 1929, o surgimento do fascismo, a ameaça do comunismo) e quw colocaram em xeque a necessidade de um consenso político, visando à constituição de uma economia mista e de um amplo sistema de bem-estar. Isso foi ancorado em duas grandes doutrinas, a keynesiana, que pregava a intervenção do Estado na economia para assegurar altos níveis de atividade econômica, de consumo e de emprego; e a beveridgiana, que recomendava a construção de um sistema de Seguridade Social mais amplo que o instituído por Bismarck, no qual, além do seguro social, de natureza contributiva, seriam incluídos serviços sociais, de natureza distributiva. Isso posto, redesenhou-se, em consenso, um modelo de bem-estar social para o pós-Segunda Guerra Mundial.

Para Pereira (2013), o resultado desse consenso foi a instituição de três conjuntos de medidas no sistema de proteção social, que deram origem ao padrão keynesiano/beveridgiano de bem-estar social, eram baseados no modelo de produção fordista e que perdurou até meados da década de 1970: a) o compromisso com o pleno emprego (aqui, sem tratar as questões de gênero e, portanto, focado no masculino); b) a criação e a ampliação de serviços sociais de caráter universal, protagonizados pelo avanço no campo dos direitos sociais; e c) a criação de

uma rede de proteção social com o objetivo de impedir que grupos vulneráveis pudessem estar abaixo de uma linha de pobreza – fora do padrão mínimo razoável de bem-estar social.

Ainda segundo Pereira (2010), esse modelo ou padrão de bem-estar social foi ao declínio a partir dos anos 70, principalmente devido às mudanças estruturais contrárias à lógica do padrão de acumulação fordista/keynesiana, que propiciou um longo período de crescimento sustentado da economia internacional. O setor econômico experimentou uma onda de desemprego devido ao avanço tecnológico da indústria, à ampliação do setor de serviços e à flexibilização do trabalho e da produção para atender às mudanças nas condições do mercado e de consumo. Em outras palavras, a economia mudou (mercados, moedas e capitais globalizados); mudaram também os consumidores e, substancialmente, o mundo do trabalho, especialmente com a flexibilização do trabalho e com o desemprego. Somam-se a esses fatores, ainda, as incursões neoliberais e neoconservadoras, encabeçadas por Friederich von Haeyk, contrárias às ideias do welfare state.