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A Aliança Red-Green – modelo sueco de negociação da classe trabalhadora

1.2 Narrativas heurísticas possíveis – o conteúdo do welfare state

1.2.4 A Aliança Red-Green – modelo sueco de negociação da classe trabalhadora

Na Europa, o Estado de bem-estar Social ganhou força, especialmente, na Suécia (países escandinavos), a partir dos trabalhos de Karl Gunnar Myrdal, que introduziu o conceito de “políticas sociais produtivas” a partir de regulamentações sociais. Três pontos são determinantes: o primeiro, a Grande Depressão de 1930; o segundo, o desemprego em massa; e, coincindido com os dois primeiros, a “questão da população” (ORLOFF; WEIR; SKOCPOL, 1988), que exigia uma intervenção rápida do Estado como medida de regulação ou racionalização.

Para a “questão da população”, tal qual o desequilíbrio da economia acabou justificando a intervenção do Estado, a racionalização, aqui compreendida como eficiência, seria necessária para ajustar as políticas sociais e balancear os custos de reprodução e de criação dos filhos desigualmente distribuídos entre as classes sociais (MYRDAL, 1962). Visava-se à reprodução da população, à ampliação de sua capacidade produtiva e à viabilização do emprego feminino. Com isso, a noção de racionalização foi incorporada aos discursos de “políticas sociais produtivas”. Para Myrdal (1962), as políticas sociais modernas eram investimentos, e não custos, e deveriam ser dirigidas para a prevenção de problemas sociais e econômicos; portanto,

harmonizando as necessidades sociais e econômicas. A eficiência econômico-produtiva possibilitaria a geração de novas e maiores riquezas.

Em What is the cost of social?, de 1932, Myrdal elevou as políticas sociais a um novo patamar, para além do caráter redistributivo, incorporando o crescimento econômico ao campo do bem-estar social, o que foi apoiado pelos movimentos dos trabalhadores, ao firmarem o compromisso social da Aliança Red-Green (MYRDAL, 1932 apud ANDERSSON, 2005). Em meio à profunda crise de desemprego28, em 1933, o governo minoritário da Social Democracia e o Partido Agrário firmaram o Pacto Agrário (Cow trade Pact), que deu origem à Aliança Vermelho-Verde (Red Green Alliance).

A representatividade da Aliança Red-Green ficou conhecida como “compromisso histórico” entre os trabalhadores urbanos, a social-democracia e o bloco capitalista em torno de políticas de pleno emprego. O modelo de cooperação se deu com a coalizão do Partido Social Democrata dos Trabalhadores da Suécia (Sveriges socialdemokratiska arbetareparti – SAP) e o Partido do Centro (Centerpartiet – C), que atendia aos interesses de pequenos agricultores. A experiência sueca se baseou numa política de força de trabalho ativa e em uma política solidarística, adotando a implantação de serviços públicos universalistas.

O pacote de medidas econômicas e sociais consistiu, em síntese: na elevação concomitante dos salários e dos preços agrícolas; em um pacote de ajuda aos negócios; em medidas de estímulos à demanda: crédito barato, depreciação da moeda, medidas protecionistas que envolveram tarifas e subsídios; e em uma política de alívio ao desemprego, com obras públicas em construção civil e habitação e seguro-desemprego (KLAUSEN, 2001).

Nos antecedentes históricos da social-democracia, a principal característica foram as negociações realizadas entre as confederações multi-industriais de sindicatos e os empregadores, o denominado Modelo SAF-LO29 (na língua sueca, Landsorganisationen i Sverige). A cooperação entre white and blue collars teve como finalidade fortalecer a economia pública, com a geração de serviços públicos e proteção social, esta financiada com receitas do governo garantidas, em parte, pelo monopólio na compra e na venda de certos bens de consumo, em parte, financiado por empréstimos e orçamentos especiais, não por déficits. Esses mecanismos de proteção social, basicamente, sustentaram o welfare state sueco até 1975 e

28 Entre 1928 a 1935, Gunnar Myrdal coordenou a Comissão sobre o Problema do Desemprego – Unemployment

Inquiry, que produziu uma série de estudos teóricos e empíricos e originou uma nova escola de economia, a Escola de Estocolmo. As recomendações apresentadas pela Comissão foram posteriormente adotadas pela Red Green

Alliance (1933) e seguiram a trajetória do welfare state sueco.

29 Representativo da coligação entre a Associação dos Empregadores Suecos (Svenska Arbetsgivareföreningen –

legitimaram a criação de um tipo ideal paradigmático, no qual a lógica capital-trabalho-Estado deveria, necessariamente, atender a um interesse coletivo, e não se manter centralizada em grupos de interesses segmentados (OFFE; ADLER, 1991).

Em 1951, a Suécia adotou o modelo Rehn-Meidner (R-M), fundado sobre quatro objetivos simultâneos: o pleno emprego (o desemprego era ambiciosamente estipulado em um patamar inferior a 3%); a equidade (entre salários, mas também na distribuição funcional da renda). a estabilidade de preços (controle da inflação); e o crescimento econômico (movido a concorrência e aumento de produtividade). O ponto característico foi a conciliação de objetivos distributivos e de crescimento econômico nas próprias políticas econômicas. As inovações do modelo R-M foram as seguintes: introdução de política de mercado de trabalho ativa; política de solidariedade salarial; impostos indiretos; e tendência em direção à redução da participação dos lucros e aumento da poupança pública (MYRDAL, 1962). As “políticas sociais economicamente orientadas” e as “políticas econômicas socialmente orientadas” da Suécia são exemplos de arranjos orquestrados desde o campo social (KERSTENETZKY, 2012).

1.2.5 O New Deal – bem-estar social e crise econômica de 1929

Após 1914 até a década de 1940, o welfare state ingressou numa fase de consolidação (PIERSON, 1996a). Vale assinalar, sobretudo, que nessa fase o colapso do liberalismo econômico advindo da crise de 1929-1930 levou os Estados Unidos a formularem um modelo alternativo de desenvolvimento econômico, o New Deal (1933-1937). No panorama dos Estados Unidos, as concepções de pobreza e, portanto, dos sujeitos pobres eram semelhantes àquelas gestadas no Reino Unido30.

30 As raízes das políticas sociais estadunidenses remontam à segunda metade do século XIX, também inspiradas

nas leis elizabetanas de combate à pobreza, implementadas no Reino Unido sob o nome de Poor Laws. Os pobres eram responsabilizados pela sua própria condição social e econômica (teoria malthusiana) e pelas acepções do

darwinismo social, que traz embutida uma ideia de purificação da sociedade pela eliminação natural dos pobres.

Somam-se, ainda, as matizes de pobreza advindas com as questões imigratórias. Com isso, além da condição de pobreza estruturante não reconhecida, ou seja, não institucionalizada como demanda social, a imigração iniciada na década de 1830, em decorrência da industrialização, foi também um traço marcante nas políticas de disciplinamento dos EUA. Logo, devemos considerar que os fatores culturais também interferiram na aplicação de políticas disciplinadoras estadunidenses. O Estado passou a adotar, para os mesmos sujeitos os imigrantes, ações diversificadas: aqueles que podiam contribuir positivamente para a economia eram acolhidos no país; os demais, em regra classificados como viciados ou malandros, preguiçosos; portanto, culpados por sua pobreza e desemprego, eram condicionados às medidas disciplinadoras e a alguma assistência do Estado. No contexto de disciplinamento da população pobre, a ajuda pública estava condicionada à comprovação de residência, critério que servia para diferenciar o tratamento dado aos pobres locais e aos imigrantes. O Estado obrigava os migrantes

O New Deal, parte integrante do Social Security Act (SSA), é descrito na literatura como sendo a base do Estado de bem-estar americano. O programa possuía duas vertentes de intervenção: a primeira, social security, destinada aos contribuintes; e a segunda, welfare, para as demandas residuais de assistência. O programa era federalizado, com grande participação dos Estados em sua provisão; um modelo de welfare corporativo, com salários indiretos sob a forma de acesso a serviços e vários seguros oferecidos pelas grandes empresas aos seus trabalhadores; e o welfare privado (seguros e serviços adquiridos no mercado) (PIERSON, 1996a). Com objetivo de controlar o progresso econômico, implantou uma série de ações que conciliavam as questões econômicas e sociais31.

Apesar das medidas implementadas pelo New Deal, as diferenças entre pobres merecedores e não merecedores persistiram, especialmente diante de seu caráter dual, que acabou construindo barreiras entre a segurança social e a assistência pública. As distinções de classe apenas reforçaram os estigmas associados às assistências aos pobres e, portanto, à condição de pobreza (KATZ, 1992). Não houve qualquer redistribuição de rendas; o programa tampouco teve aptidão de interferir nas políticas de bem-estar para a regulação do mercado de trabalho. O autor conclui que os EUA adquiriram um semi-Estado de bem-estar ou um semi- welfare state, “relutante”, de caráter liberal e conservador32. Paralelamente às ações do New Deal, o governo Franklin Delano Roosevelt implementou, em 1931, em Nova York, o programa work relief – políticas de ativação33 para o trabalho. Ainda assim, não foi suficiente para conter os altos índices de desemprego. Segundo Katz (1992), muito embora, em 1932, pelo menos 32.000 nova-iorquiinos estivessem inseridos nesses programas, havia outros 88.0000 aguardando auxílio do governo ou da iniciativa privada.

recém-chegados a seguir viagem para outras cidades, espécie de direito de passagem pelo país (o warning out); os que haviam se instalado eram escoltados de volta à sua cidade de origem (passing on). Aos pobres locais eram aplicadas quatro formas de intervenção pública: a) leilão dos pobres, m que os indivíduos eram comprados, mas obrigados a trabalhar; a realização de um sistema de contratos, casos em que membros da comunidade se responsabilizavam pelo “cuidado” de pessoas ou grupos pauperizados; cuidado externo (outdoor relief), que poderia se dar na forma de doação de alimentos, roupas, dinheiro ou tratamentos médicos; por fim, a depender dos critérios, também poderiam ser acolhidos nas poorhouses. Essas políticas perduraram até quase metade do século XX e foram reformuladas com a introdução do New Deal, publicado em 1932 (PEREIRA, 2013).

31 O New Deal, parte integrante do Social Security Act (1935), compreende um conjunto de programas postos em

prática nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, com o objetivo de reconstruir a economia norte-americana, profundamente afetada pela crise econômica de 1929. O New Deal instituiu um sistema de Previdência Social amparado por um salário mínimo; incentivos aos sindicatos e organizações trabalhistas; investimentos em obras públicas; e benefícios a pequenos produtores rurais e no mercado consumidor.

32 Sobre o welfare state americano, consultar mais detalhes em Pereira (2013).