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2.3 Elementos-chave do capitalismo hierárquico

2.3.3 Configurações duais: a informalidade no Brasil

O processo de informalidade (CACCIAMALI, 2005), no seu sentido laboral, tem como variáveis possíveis a elevação do desemprego, a multiplicação dos tipos de contrato, a contratação de trabalho sem observância das regras laborais, a subcontratação do trabalho por meio de contratos civis ou comerciais (contratos de curto prazo), a expansão do trabalho em pequenos empreendimentos (IPEA, 2014, p. 30). Esses elementos são, em síntese, parte de um processo de informalidade que tem origem nas mudanças ocorridas na estrutura e na conjuntura econômica dos anos 1990. Estamos falando de um recorte específico do processo de informalidade pensado por Cacciamali (2005), que busca uma relação mais profunda, duradoura, numa anterioridade temporal da história da informalidade. É, sem dúvida, processo que se evidencia por meio das mudanças na estrutura das instituições, na ressignificação dos sujeitos – atores do contexto do empreendedorismo/microfinanças – e da conjuntura econômica dos anos 1990.

Como processo, contém unidades menores, pertenças que se traduzem em respostas ao processo de desenvolvimento das sociedades, principalmente após as incursões neoliberais do século XX. Assim é o setor informal, uma parte integrante de um todo, que se distingue do campo maior por seus atributos e peculiaridades. Tamanha é a complexidade do processo de informalidade, que dele é possível emergir outra dimensão de ocupação, na qual se acortinam os trabalhadores domésticos de áreas rurais, os informais do grupo dos formais, etc.

O setor informal compreende as informações sobre unidades econômicas que produzem bens e serviços com o principal objetivo de gerar ocupação e rendimento para as pessoas envolvidas. Opera, tipicamente, com baixo nível de organização, com alguma ou nenhuma

188 Neste estudo, não temos espaço para verificar se as mudanças no setor informal no Brasil e no México são

derivadas, especificamente, das mudanças institucionais introduzidas pelo microcrédito. No Brasil, mudanças institucionais são importantes para explicar parte da queda do grau de informalidade na economia, especialmente quando tivemos a criação de instituições-chave e o aperfeiçoamento do quadro institucional. Nesse sentido, ressalta-se a melhoria da gestão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na fiscalização das empresas (CORSEUIL; MOURA; RAMOS, 2011) e de políticas de incentivo tributário, como o Simples Federal (atualmente Simples Nacional), que tendem a incentivar a formalização (MONTEIRO; ASSUNÇÃO, 2012).

divisão entre trabalho e capital como fatores de produção e, em pequena escala, sendo ou não formalmente constituídas (OIT, 2003).

No caso do Brasil, a informalidade decorre de uma relação entre as pessoas ocupadas (posição de ocupação) e a categoria do emprego (se tem carteira de trabalho assinada ou não). A partir dessas condições são identificados os contingentes que compõem a parcela do emprego informal, cujo parâmetro é a carteira de trabalho assinada (item V da 17ª CIET).

No Brasil, a década de 1990 foi marcada não apenas pelos arranjos das políticas de emprego focadas no microempreendedoríssimo, mas por uma agenda política para debater outros mecanismos do mundo do trabalho, como a formalização. A Lei nº 9.601/1998, que dispõe sobre o contrato de trabalho por prazo determinado, faz parte desse panorama. O dispositivo foi apresentado como um instrumento eficaz para intervir nos processos de formalização do emprego e introduzia mecanismos legais de flexibilização do contrato de trabalho, posto-chave das mudanças percebidas no processo de informalidade.

Muito se discutiu à época sobre se a referida legislação, ao contrário de resolver os problemas do emprego, aprofundaria os problemas já existentes, reduzindo a remuneração dos trabalhadores, aumentando a rotatividade de mão de obra, mantendo a informalidade e o desemprego, enfraquecendo os órgãos de formação de mão de obra. No Projeto de Lei nº 4.205- A, do deputado Jair Meneguelli (Partido dos Trabalhadores), foi pedida a revogação da referida lei, sob a alegação de que ela caminhava “exatamente em sentido oposto à valorização do trabalho e do trabalhador” (BRASIL, 1998a).

Os questionamentos alcançaram o STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1764, promovida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Democrático dos Trabalhadores (PDT) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), sob os argumentos de ofensa ao princípio da igualdade, já que a nova norma tratava desigualmente trabalhadores em situações idênticas, além de estabelecer hipóteses de flexibilização do contrato; portanto, ofendia o princípio da continuidade do vínculo empregatício. A lei seguiu incólume189; como

política de emprego, a proposta da lei foi de formalização do emprego por meio do contrato temporário.

Outra ação também importante no contexto de mudança institucional ocorreu no âmbito do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MIDCT). Em 2003, foi criado o Grupo Temático Micro e Pequenas Empresas, Autogestão e Informalidade, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), no âmbito desse ministério. Tinha como

189 Teve apenas um veto (§ 3º), que pedia a adoção do contrato temporário para empresas com menos de vinte

objetivo produzir enunciados de políticas públicas190 para o desenvolvimento das micro e das pequenas empresas e das empresas de autogestão, com o objetivo de gerar emprego e renda e inclusão do setor informal da economia.

Em 2004, o grupo propôs a formalização e a inclusão social de empreendedores de baixa renda. A proposta integrou o PNMPO em 2005, a pedido do deputado Jaques Wagner (PT). No mesmo enunciado, o grupo reforçou a necessidade de políticas de apoio ao trabalhador em atividade informal, com a criação de formas de treinamento e capacitação “ao gerar políticas de apoio ao trabalhador em atividade informal, devem ser criadas formas de treinamento e capacitação” (BRASIL, 2003b, p. 6).

Outro ponto relevante para o contexto do processo de informalidade no Brasil foi a criação do Simples Nacional, com a Lei nº 123, de 2006. Ele introduziu uma nova modalidade formalização, por meio do Microempreendedor Individual (MEI), ao mesmo tempo em que criou para este ator atributos/requisitos próprios de acesso à Seguridade Social a partir da pessoa jurídica por este constituída191. Em 2014, o MEI passou a ser política pública.

Em 2014, a informalidade passou a integrar um dos eixos do Plano Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados (Planatre), com a Portaria Interministerial nº 2/2014 do MTb e da Secretaria-Geral da Presidência da República. Também em 2014, houve a inclusão de uma diretriz estratégica de combate à informalidade no planejamento anual da inspeção do trabalho. Diante de um conjunto extenso de políticas de enfrentamento à informalidade192, seria

plausível também avançarmos para um processo de coordenação e de gestão de programas que possam, de forma articulada, atuar nas diversas dimensões da informalidade como processo. Contudo, somos levados a concordar que há pouca ou nenhuma conexão entre os programas e as ações propostas, sugerindo pouco grau de complementaridade.

A informalidade, desde o dinamismo das sociedades, não deixa de ser uma categoria em construção. Vejamos que, de acordo com a Recomendação 204 da OIT, que trata do processo

190 Os enunciados visam aprimorar aspectos normativo-jurídicos e estimular políticas públicas.

191 Essa política pública segue descolada dos programas de apoio e fomento ao microempreendedorismo

(PROGER e PNMPO).

192 Políticas adotadas no Brasil com alcance à informalidade: Simples Nacional; eSocial; microempreendedor

individual (MEI); Qualifica Brasil (antigo Plano Nacional de Qualificação – PNQ); Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER); desoneração da folha de pagamento; Política Nacional para os Trabalhadores Rurais Empregados (PNATRE); Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM); Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC); Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS); Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho (PRONACOOP); Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); Programa de Apoio à Conservação Ambiental; e Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais (Bolsa Verde).

de transição da economia informal para a economia formal (OIT, 2015), os países-membros devem estabelecer mecanismos para facilitar e promover a formalização.

As definições adotadas pela 17ª Conferência Internacional de Estatísticos do Trabalho, em 2003, são subsidiárias para a elaboração de ações de enfrentamento à informalidade, diretrizes que definem a economia informal ou o setor informal da economia “com base nas atividades econômicas desenvolvidas pelos trabalhadores e, também, com base nas unidades econômicas que, segundo os requisitos legais, ou pela prática, não estejam cobertas ou estejam insuficientemente cobertas por disposições formais”. Na Recomendação nº 204, a economia informal constitui-se de “unidades econômicas informais” (setor informal) e de “trabalho informal” (ILO, 2003, p. 1), sendo este expresso em termos de relações informais.