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Nos séculos XVII e XVIII, quando do surgimento do Estado e das teorias contratualistas, os direitos individuais foram reconhecidos constitucionalmente, mas com o objetivo de justificar e legitimar a criação da figura estatal e de reforçar a supremacia do indivíduo sobre o Estado. Assim, os direitos fundamentais foram contrapostos ao Estado liberal e à lógica das constituições gestadas nesse modelo de Estado.

Quando as sociedades ingressaram no processo de industrialização (final do século XVIII), respeitando as particularidades dos processos de cada país, e se posicionaram para a necessidade de estruturação e realização dos direitos sociais, a conformação do mercado de trabalho, antes basicamente agrária, passou a ser industrial e urbana.

Como industrialização não ocorreu ao mesmo tempo nem com a mesma intensidade nos países europeus e em outras regiões menos desenvolvidas (países latino-americanos, africanos e asiáticos), os desafios foram múltiplos: vencer as dualidades da industrialização (as heterogeneidades do mercado de trabalho, um mercado tradicional e moderno coexistindo em um cenário de extrema desigualdade social); estabelecer estratégias para a delimitação dos núcleos de conteúdo dos direitos sociais e, a disseminação desses direitos – um processo inicial de estruturação do welfare state que, na Alemanha, teve grande influência da classe trabalhadora.

Para a América Latina, discussões sobre os direitos sociais exigiram o posicionamento da Constituição Mexicana (1917) como ponto de partida da origem do constitucionalismo social

buscar más productividad y más facilidad en la movilidad dentro de la empresa en el beneficio de las empresas: mayor movilidad, más flexibilidad para el manejo de los recursos humanos” (MÉXICO, 1995b, online).

e, a seguir, no lastro da Constituição de Weimar (1919), seguiu-se uma orientação possível para o campo das políticas de bem-estar social. No entanto, esses dois instrumentos eram de natureza principiológica e dariam a base e os fundamentos para a construção das legislações de proteção aos direitos laborais.

O nexo causal e ponto de partida para a edição da legislação que daria origem às ideias de welfare state na América Latina surgiu com a integração da legislação do acidente de trabalho tanto no Brasil quanto no México, especialmente devido à relação dessa legislação com a onda de movimentos sociais que a antecederam no cenário internacional. Assim, desde a perspectiva cronológica, foram relevantes para uma concepção de welfare state nos países latino-americanos81 as ideias transmitidas a partir de movimentos paradigmáticos em torno dos

direitos sociais, dos quais destacamos: a Revolução Russa de 1917, as revoltas e movimentos populares e dos operários da Alemanha ao final da guerra; a Constituição Mexicana de 1917; a assinatura do Tratado de Versalhes em 1919 e a normativa internacional quanto às relações de trabalho; a inserção do direito econômico e social na Constituição alemã de 1919 – Constituição de Weimar, paradigmática para a acepção dos direitos sociais82.

Esses fatos históricos delineiam as ideias de bem-estar social que seriam escritas do outro lado globo, e teriam não apenas influenciado, mas inspirado modelos de legislação trabalhista e, também, no contexto sindical do Brasil e do México. A classe operária, principalmente os ferroviários teriam sido centrais para a estrutura originária do bem-estar social no México, com a Carta de 1917, paradigmática para a América Latina e, sem estabelecer uma comparação, no Brasil tivemos a Lei Eloy Chaves, esboçando um processo ainda tênue de organização da Seguridade Social.

No recorte temporal da década de 1930 para a década de 1940, Brasil e México avançaram substancialmente em termos de adensamento da legislação trabalhista, ainda que mantendo uma diversidade de leis. No Brasil a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) recebeu muitas críticas, principalmente por parte do empresariado, que não tinha interesse em ver organizado o plano de proteção social dos trabalhadores.

No México, o governo de Cárdenas, com seu Plan Sexagemal, buscou apoio no movimento operário, liberando a realização de greves e incentivando a criação de sindicatos,

81 Seguimos a cronologia adotada pelo professor Jorge Miranda (2011), que, em suas discussões sobre os direitos

sociais, coloca a Constituição Mexicana como ponto de partida da origem do constitucionalismo social. Análise comparativa entre as Constituições Mexicanas e a de Weimar pode ser vista em Pinheiro (2006).

82 Consideramos a relevância da Constituição Mexicana de 1917 na transição para o Estado Social de Direitos.

Para o autor, a Carta Política do México exerceu forte influência no processo, apesar de ter sido pouco estudada pela doutrina, à época, que lançou as lentes sobre a Constituição de Weimar.

uma interferência que, com o tempo, mitigaria a luta sindical no país. Foi também nesse período que o corporativismo mexicano iniciou sua trajetória moderna no campo do poder político; tivemos a criação da Confederacion de Trabajadores Mexicanos (CTM), que englobava diversos sindicatos, incorporou - a Central Geral dos Operários e Camponeses Mexicanos e outras centrais sindicais. O objetivo foi promover a organização e a unificação das entidades sindicais nessas corporações, em uma espécie de barganha de poder. Desde o campo do poder político essas corporações se integraram em espaços políticos importantes nas instituições sociais contemporâneas, como o IMSS e a CONSAR (falamos sobre o tema no capítulo sobre a organização da Seguridade Social mexicana).

No centro de sua atuação nacionalista, o cardenismo buscou a nacionalização das riquezas do subsolo do mexicano, passando o Estado a controlar a exploração do Petróleo por meio da PEMEX (Petróleos Mexicanos), e nacionalizou os ferrocarrilles. Foi o momento da retórica do comprometimento com os direitos do trabalhador; no qual a garantia aos direitos trabalhistas era um atrativo para avançar no coletivo social, alijado do cenário político nacional e com pouco espaço para atuação sindical.

No Brasil, com Vargas, temos o Estado promotor e produtor, o desenho de uma política de industrialização realizada com o aporte do capital internacional. Uma visão desenvolvimentista para fazer frente à expansão do comércio mundial, do sistema de crédito internacional83 e da estagnação das exportações. Getulio Vargas vai comandar o país de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Na primeira fase de seu governo, basicamente, teremos a organização da legislação trabalhista e um aceno para a sustentação do processo de desenvolvimento do setor industrial: o trabalhador foi integrado nesse contexto assimétrico de ganho social e ganho econômico.

Entre 1950 até 1960, no México, década conhecido como desenvolvimento estabilizador – ou milagre mexicano –, a política econômica voltou-se para a consolidação do processo de industrialização, com forte controle sobre os sindicatos e redução do poder de barganha exercido pelo coletivo social. Foi um período propício para a aproximação das corporações patronais e empresarias de com o ambiente político.

Nos anos 1970, o modelo de substituição de importações mexicano apresentou sinais de esgotamento, problema que o Brasil já enfrentava desde a década anterior. Devido às

83 O coeficiente de importações, ou seja, a relação entre as importações e a renda, baixou violentamente. Girava

em torno de 22% no fim dos anos vinte e havia caído para aproximadamente 7% no início dos anos sessenta. A industrialização realizou-se com a substituição dos bens anteriormente importados, enquanto que as exportações permaneciam relativamente estagnadas (BRESSER-PEREIRA, 1973).

dificuldades para transpor as barreiras tecnológicas e ao baixo consumo interno de bens duráveis, o governo do México intensificou a abertura do mercado às empresas transnacionais, o que representou aumento substancial do fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IED) para a economia mexicana. Essa configuração impactou o modelo de economia do país, levando à crise financeira da década seguinte, decorrente da dívida externa. Lembramos que no México predominava a concentração de empresas nas mãos de poucas famílias de influência. Muitas dessas empresas aproveitariam o processo de privatização que viria dos anos seguintes para sobreviver à crise econômica e, posteriormente, internacionalizaram-se.

A concentração de empresas familiares e de poder econômico conformaria um processo de hegemonia, uma simbiose entre o poder econômico das empresas e o poder o político. Posteriormente, vemos esse elemento influenciando os mercados originados a partir de setores estratégicos do Estado, por exemplo, com o surgimento dos fundos de pensão, cujo marco temporal é a década de 1990. Em relação à estrutura de proteção social que se organiza a partir do processo de liberalização econômica, as influências são profundas, principalmente em torno da privatização dos sistemas de Previdência Social na América Latina.

No âmbito político, o neoliberalismo e a ideologia contrária ao welfare state foram reforçados pelos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margaret Thatcher, na Inglaterra, na passagem da década de 1970 para 1980. Ambos eram defensores das classes capitalistas e contrários aos anseios dos trabalhadores e das conquistas do welfare state americano e inglês.

Ocorre que na América Latina, de modo geral, o modelo de bem-estar social ainda estava em construção, e tanto Brasil quanto México detinham um conjunto de políticas sociais esparsas. Da década de 1990 em diante, no México, o sistema de seguridade iniciou seu processo de privatização. Diferentemente, o Brasil não aderiu às mudanças paramétricas e de contribuição sugeridas pelo Banco Mundial a partir de 1994.

O Estado Novo, assim, significaria uma ditadura que promoveu mudanças institucionais importantes, em prol da transformação do país em uma economia capitalista moderna. No entanto, é inegável que, quanto à ideia de welfare state, o país ficou relegado a um apanhado de políticas públicas, muitas desconectadas das realidades que enfrentavam os trabalhadores – formais e informais.

Nas décadas de 70 e 80, os sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados da área de bens e serviços sociais básicos substituíram o conjunto de políticas fragmentadas e socialmente seletivas para dar espaço às tendências universalizantes. Nesse ponto, pode-se falar em tendência, porque, para dar seguimento à proteção dos direitos sociais do trabalho, foi

mantido o paradigma da formalização e da contribuição definida institucionalmente na CF/1988, fundado no custeio tripartite, regulamentado na Constituição de 1934.

Na década de 1980, as políticas de bem-estar perderam força e expressão. Como as demais políticas, as políticas sociais também estiveram subordinadas às respostas do mercado. No Brasil, o contexto de fragilidade das políticas sociais foi revitalizado com a Constituição Federal de 1988, que inaugurou um novo período político no país e o retorno institucional da democracia.

O México, desde a década de 1980, esteve alinhado ao Fundo Monetário Internacional e, como consequência, entrou em um processo de ajuste das finanças públicas para adequá-las ao capital internacional, iniciando então uma reestruturação das instituições. Na legislação do trabalho, foram assumidos compromissos fundados em princípios neoliberais – “productividad, flexibilidad, movilidad y polivalencia o multi-habilidad de la mano de obra”, conforme descreveu o artigo 56 da iniciativa de reforma da Ley federal del Trabajo (MÉXICO, 1995). A partir desses princípios foram formulados os lineamentos básicos para as políticas sociais da década de 1990 em diante, pautados na descentralização de funções, de recursos fiscais e de programas públicos, na privatização dos sistemas de seguridade social e seus respectivos esquemas de aposentadorias.

Nos anos seguintes, as propostas de bem-estar social na América Latina seriam modificadas para receber novos modelos de políticas do mercado de trabalho – com foco na geração de emprego, trabalho e renda, no contexto do modelo de administração pública gerencial. A relação entre essas políticas de bem-estar social foi ressignificada – do paradigma da proteção social do trabalhador, a partir da formalização, para a emancipação pela geração de renda, fomentada pelo Estado com vistas a promover a produtividade em setores potencialmente viáveis.

Da condição de pobreza estabeleceu o público-alvo dos programas, contudo, houve uma constrição das ideias de bem-estar social em relação às políticas ativas de geração de emprego, trabalho e renda: o sujeito, para ser amparado, deveria demonstrar aptidão para empreender e, somente então, intentar o processo de formalização ou de regularização do negócio84.

2 WELFARE STATE E CAPITALISMO HIERÁRQUICO